"Nosso olhar não pode desviar do contexto político do país" afirmam diretores de "Tinta Bruta"

“Nosso olhar não pode desviar do contexto político do país” afirmam diretores de “Tinta Bruta”

Entrevistamos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, cineastas responsáveis pelo filme exibido e que saiu vencedor no último Festival de Berlim

por Matheus Fiore
tintabruta-b9

Exibido pela primeira vez no Festival de Berlim, “Tinta Bruta” é dos mesmos diretores de “Beira-Mar”, os gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon. Ambos os filmes trabalham a homossexualidade de seus protagonistas, mas de formas distintas. Enquanto a obra de 2015 focava mais no processo de autodescoberta de um jovem homossexual, o de 2018 está mais interessado na relação de seu protagonista com o espaço ao seu redor.

Em “Tinta Bruta”, Shico Menegat interpreta Pedro, um rapaz marcado por seguidos abandonos e que tem como renda a exibição do próprio corpo na internet. Tivemos a oportunidade de entrevistar Filipe e Marcio, e perguntamos sobre sua obra e como sua arte pode dialogar com o atual momento político do Brasil.

Os diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon

A nudez e a homossexualidade como ato político de resistência

Um dos pontos que mais chamam atenção em “Tinta Bruta” é o desapego a qualquer tabu sobre o corpo humano e questões de gênero. Mesmo que o cinema brasileiro seja, tradicionalmente, influenciado pelo francês, que tem como marca a nudez, não é comum vermos obras que mostrem órgãos genitais e cenas de sexo de forma tão explícita como é em “Tinta Bruta”.

“Sempre nos interessa primeiro amoralizar o corpo. Tirar a moralização. Acho que o corpo, na frente das câmeras, pode representar outras coisas além de coisas como o desejo. Acho que o corpo pode, inclusive, desmistificar o desejo. É um elemento que nos interessa muito. Especialmente em “Tinta Bruta”, pois nós nos interessávamos muito por fazer um filme sobre corpos e seus movimentos, seja os corpos em cenas de sexo, violência ou dança.”

O sexo, inclusive, é uma ferramenta muito presente em “Tinta Bruta”. As relações carnais de Pedro são algo constante principalmente no ato central, quando o protagonista passa a se relacionar com outros rapazes que se exibem na internet.

“Quisemos trazer um olhar diferente para cada cena de sexo. Em cada uma das relações, os personagens se comportam de maneira diferente. Acho que há de se naturalizar o sexo, e colocar na tela dessa forma é uma forma de naturalizá-lo.”.

Cena de “Tinta Bruta”

A jornada pela representação online e a contextualização de “Tinta Bruta”

Outro ponto muito forte em “Tinta Bruta” é a relação de seu protagonista com sua persona e a internet. Ao se exibir na rede, Pedro apresenta-se como GarotoNeon. Mesmo que mantenha o apelido, o estilo de apresentação de Pedro acaba sendo copiado por outros rapazes que se apresentam no mesmo site. Sobre essa questão da identidade, os diretores falaram que acreditam que a relação de Pedro com a Internet seja uma válvula de escape para a solidão que permeia sua vida.

“O protagonista é muito confortável com sua relação com a internet. Ele encontra nela o espaço para expressar uma sexualidade que, no dia-a-dia, é reprimida pelas outras pessoas. A internet se torna uma saída, uma vez que ele é apartado da sociedade e das relações sociais que ele poderia ter. A internet possibilita novos vínculos e até, de certa forma, algum afeto. É o espaço onde ele pode exercer sua própria personalidade – e aí entra a criação do GarotoNeon.”

Matzembacher e Reolon decidiram estruturar os atos de “Tinta Bruta” de forma peculiar. Cada um dos três momentos do filme têm começo a partir de um abandono sofrido pelo protagonista. No primeiro, sua irmã; no segundo, um companheiro; no terceiro, sua persona online. Sobre essa relação de abandono, perguntamos se os diretores acham justo ver a jornada de Pedro como uma jornada pela autossuficiência.

“Nós sempre pensamos o Pedro como um personagem que parte de uma síndrome de abandono. Ele é marcado, desde o início da vida, pelos abandonos – o pai que não reconheceu a paternidade, a mãe que morreu cedo, e por aí vai. Ao longo do filme, ele segue sofrendo abandonos. Mas para nós, essa jornada talvez não seja de autoaceitação, e sim de um fortalecimento, para que Pedro consiga inserir-se em espaços aos quais sente certa fobia”.

Ao fim da entrevista, perguntamos a Filipe e Marcio se eles pretendem tornar seu cinema mais direto no que tange a política, já que teremos, a partir de 2019, um governo bem diferente dos anteriores quando se fala de questões sociais e identitárias.

“Nós sempre pensamos cinema na sociedade na qual estamos inseridos. O “Tinta Bruta” foi contaminado pela situação política pela qual estamos passando desde 2016. Acredito que nosso olhar não vai se desviar disso, vamos continuar dialogando sobre o Brasil. De forma direta ou indireta, nós jamais poderemos ignorar o contexto político e social no qual estamos vivendo”.

Distribuído pela Vitrine Filmes, “Tinta Bruta” estréia no dia 6 de dezembro.

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