- Cultura 22.jan.2019
Entre o progresso e os velhos hábitos, Oscar abraça o mais pop em 2019
Lista de indicados à 91° edição do prêmio refletem um corpo de votantes dividido graças às recentes e seguidas expansões
O último ano foi difícil para o Oscar. Depois de mais uma edição assistindo os índices de audiência de sua cerimônia despencarem, a pressão executiva fez com que a diretoria da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se visse em meio ao mais puro creme da polêmica ao anunciar (entre outras coisas) a criação de uma nova categoria destinada a premiar “o melhor filme popular” do ano. É claro que deu tudo errado, com a entidade não só “arquivando momentaneamente” a ideia da estatueta como queimando a própria reputação sem maior motivo no processo.
Mas ainda que o tal “prêmio popular” tenha naufragado por um momento, o desejo de reaproximação da organização com a dita “produção popular” não deixa de ter se materializado no Oscar deste ano. Enquanto a lista total de indicados reduziu consideravelmente o número de produções consideradas para as 24 categorias (somente 52 projetos foram lembrados pelos votantes, 7 a menos que no ano passado e 10 em relação à cerimônia de 2017), os oito filmes escolhidos para compor o páreo pela estatueta de Melhor Filme orbitam, no geral, bilheterias estrondosas. Descontando-se “Roma” (cuja repercussão hoje só é conhecida pela Netflix), todos os indicados ao principal troféu da noite já ultrapassaram a marca dos 40 milhões de dólares arrecadados ao redor do mundo, um registro que já contradiz a lógica “independente” predominante dos últimos anos – como não esquecer do ano de “Sniper Americano”, que era o único filme “de sucesso” na lista principal?
A predominância de grandes sucessos, porém, é apenas a ponta do iceberg. Enquanto executivos da Academia, das emissoras de TV e dos grandes estúdios (que custearam seis dos oito principais nomes) festejam as fortes possibilidades de aumento de lucros com os filmes e a própria cerimônia, a lista de filmes da “91° classe” do Oscar também reflete uma pulverização radical da massa de votantes do prêmio em duas frentes maiores: uma mais progressista, que encontra espaço entre as grandes levas de novos membros proporcionadas pela entidade para evitar um novo “Oscars So White”; e outra de caráter conservador, composta de eleitores convidados há mais tempo para o corpo da Academia e que procuram preservar a seu jeito a lógica tradicional da premiação.
É um conflito que se anuncia em múltiplas frentes nesta edição, mas que se encontra melhor materializado na disputa de Filme. Enquanto “Infiltrado na Klan” e “Vice” conquistaram os votos de uma parcela dos votantes determinada a incluir temas políticos e sociais na pauta do Oscar, “Green Book” soa como o desejo de uma camada considerável por um filme que trate de assuntos “do momento” de uma forma neutra e conciliadora. Se “Pantera Negra” é o triunfo da representatividade no gênero dominante da Hollywood contemporânea, “Bohemian Rhapsody” e “Nasce Uma Estrela” soam como um retorno repaginado a um tipo de filme de estúdio que conquista todas as massas. Por fim, há “Roma” e “A Favorita”, os dois “filmes de arte” que refletem respectivamente uma indústria em ascensão (a Netflix e o streaming) e outra que busca evitar o declínio (a Fox Searchlight que em breve passará ao controle da Disney).
Além de favorecer os estúdios, esta polarização também foi o que definiu estes longas como os únicos oito indicados da corrida deste ano. Filmes mais “isentos” e que buscaram conciliar as duas partes envolvidas na votação morreram na praia aos montes, fossem eles um “O Retorno de Mary Poppins” – que ficou esquecido nas categorias técnicas e não conseguiu alçar Emily Blunt ao páreo de Atriz – ou um “Se a Rua Beale Falasse”, independente maior da corrida cujo drama menos pulsante nas temáticas raciais acabou o confinando a meras três categorias da estatueta mesmo depois de uma pré-temporada inteira entre os grandes nomes da corrida. Mesmo “O Primeiro Homem” e “Um Lugar Silencioso”, duas fortes apostas de estúdio que chegaram a ser cotados durante os últimos meses, sofreram em parte com esta condição de não atender demandas dos dois lados, ficando restritos no fim a disputas técnicas específicas como Edição de Som e Efeitos Visuais.
Mas enquanto os “conciliadores” foram capados, estas produções que terminaram dentro da categoria principal viram suas indicações multiplicarem perante o clima de radicalização e de um inevitável conflito entre os votantes. Depois de anos de domínio de produções com 3 ou 4 nomeações, a corrida de Filme em 2019 é composto exclusivamente por campanhas que arrebanharam pelo menos cinco indicações para si, um feito que só acentua uma ideia de triunfo do “velho modelo” de Oscar.
Posto isso, o Oscar não é definido apenas por seu Melhor Filme, mas também por outras 23 categorias que mais do que nunca ressaltam o clima de transformações progressivo que a Academia já vê há alguns anos em seus mecanismos e que alcançaram o auge na 90° edição. O grande destaque, claro, foi a expansão agressiva de candidatos e cineastas estrangeiros para outras categorias: “Roma” e “Guerra Fria” conseguiram escapar da órbita da categoria para alcançar os principais páreos da cerimônia, que incluem um Melhor Diretor dominado por não-americanos – se desde 1976 não se via a categoria com dois nomes estrangeiros, este ano compensou com três. Os alemães, enquanto isso, fizeram a festa com dois filmes, o “Never Look Away” que cavou espaço em Fotografia e o “Of Fathers and Sons” que pegou lugar de nomes fortes como “Won’t You Be My Neighbour” em Documentário.
Mas houveram outras, mais específicas e não por isso importantes ao processo histórico da Academia como um todo. Dos 20 atores e atrizes indicados aos prêmios de atuação, como bem pontuou Mark Harris no Twitter, nada menos que sete foram lembrados por papéis LGBT+ em produções que não exatamente giram em torno do tema. Spike Lee, um dos cineastas negros mais celebrados pela indústria, enfim foi indicado ao prêmio de Direção, enquanto o roteirista Paul Schrader também foi finalmente reconhecido nas categorias de Roteiro. E Yalitza Aparicio não só se tornou a primeira mulher de origem indígena a chegar à briga de Melhor Atriz, mas também é a primeira latina-americana a ser considerada para a categoria em catorze anos – a última sendo Catalina Moreno, pelo já distante “Maria Cheia de Graça”.
Isso porque há ainda “Pantera Negra”, que para a alegria de muitos se tornou o primeiro filme pertencente ao gênero de super-herói a registrar uma nomeação na categoria de Melhor Filme.
Resta agora saber, porém, quem diabos pode sair campeão de uma temporada de Oscar tão explosiva e conflituosa. A tendência, pelo menos por enquanto, é que o clima de intempéries nos gostos dos votantes ajude quem mais movimente as duas correntes, algo que no momento favorece as campanhas de “Green Book” – o vilão “tradicional”, como bem coloca Nate Jones em seu artigo na Vulture – e “Roma”, cuja consagração representaria um triunfo do streaming tão temido pelos defensores dos velhos hábitos.
Mas como o Oscar é todo sobre narrativas, sempre há espaço para reviravoltas na premiação – algo que saberemos em breve na cerimônia do próximo dia 24 de fevereiro.