9 indicados ao Oscar 2019 que você talvez não tenha visto

9 indicados ao Oscar 2019 que você talvez não tenha visto

Três documentários, uma animação, dois indicados a Filme Estrangeiro e três concorrentes menores das categorias principais formam a lista

por B9
oscar2019

// Seleção por Matheus Fiore Pedro Strazza

Está chegando ao fim mais uma temporada de Oscar. Com a votação encerrada e a cerimônia em seus últimos ajustes antes da grande apresentação no próximo domingo, dia 24 de fevereiro, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se prepara para revelar ao mundo quem são os novos recipientes da desejada estatueta, que mesmo passando por todo tipo de apuro e desastre organizacional está pronta para comemorar 91 anos de existência.

Aqui no B9 o trabalho foi extenso. Além de críticas de todos os oito filmes presentes no páreo de Melhor Filme deste ano (“Bohemian Rhapsody”, “A Favorita”, “Green Book: O Guia”, “Infiltrado na Klan”, “Nasce Uma Estrela”, “Pantera Negra”, “Roma” e “Vice”), ao longo do ano escrevemos sobre outros treze longa-metragens lembrados em outras categorias pelos votantes da Academia, incluindo “Guerra Fria”, “No Portal da Eternidade”, “Se a Rua Beale Falasse”, “A Balada de Buster Scruggs”, “Os Incríveis 2”, “Ilha dos Cachorros”, “WiFi Ralph”, “Homem-Aranha no Aranhaverso”, “O Primeiro Homem”, “Um Lugar Silencioso”, “Vingadores: Guerra Infinita”, “Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível” e “Han Solo – Uma História Star Wars”.

Agora, aproveitando os últimos momentos antes da cerimônia de premiação revelar os seus grandes vencedores da vez, resolvemos repetir a ideia do ano passado e falar sobre outros nove filmes presentes no imaginário e nas discussões do Oscar 2019 que não foram tão alardeados quanto os citados acima – seja por uma questão de circuito reduzido ou mesmo de nenhuma distribuição no território brasileiro. Tem de tudo, desde os mais recentes vencedores do Festival de Cannes até filme protagonizado por atriz veterana injustamente ignorada pela Academia, passando por três dos dez documentários presentes na lista de indicados, uma animação japonesa, um sério candidato da temporada esnobado nas categorias principais e o mais novo trabalho de um roteirista gigante. Confira abaixo:

“Assunto de Família”

O elogiado “Assunto de Família”, filme do japonês Hirozaku Kore-eda, é um dos fortes concorrentes ao Oscar de Filme Estrangeiro, competindo diretamente com “Guerra Fria”, de Paweł Pawlikowski, e “Roma”, de Alfonso Cuarón. A obra estreou em maio de 2018 durante o Festival de Cannes e conquistou a honraria máxima do evento, a Palma de Ouro. A trama acompanha uma família de desajustados no Japão contemporâneo. Todos vivem à base de, além de pequenos empregos, de pequenos furtos a lojas de conveniência e comércios mais simples da região.

O filme tem como destaque sua estética focada no retrato do que é rotineiro. Com forte inspiração do cinema de Yasujiro Ozu (de clássicos como “Era Uma Vez em Tóquio”), a obra aposta em uma construção passiva da narrativa, sem tecer julgamentos morais sobre os complexos personagens apresentados. “Assunto de Família”, portanto, consegue fazer um interessante estudo sobre o Japão contemporâneo, bem como por à prova nossas noções de família.

Apesar do belo histórico e do sucesso entre a crítica, a obra dificilmente tirará o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro de “Roma” e “Guerra Fria”, visto que os candidatos mexicano e o polonês foram lembrados em outras categorias da premiação – enquanto o longa de Alfonso Cuarón está em dez categorias (incluindo a principal), o de Pawel Pawlikowski chegou a três. (M.F.)

“Cafarnaum”

Vencedor do grande prêmio do júri de Cannes no ano passado, o novo trabalho da libanesa Nadine Labaki parte da premissa instigante de um garoto que entre com processo contra os próprios pais por lhe darem vida, recontando daí toda a sua trajetória até o dia do julgamento. A produção, claro, não economiza na tragédia: ambientado nas zonas mais miseráveis do país, o roteiro mostra todo tipo de desventura e horror passado pelo pequeno Zain (Zain Al Rafeea), desde os dias com os pais que abusam dele e de suas irmãs até a vida solitária com um bebê que foi separado da mãe pelo sistema.

Neste sentido, “Cafarnaum” não deixa de seguir uma veia tradicional do festival em fazer registro dos piores horrores da humanidade em busca de uma elevação artística que enalteça seus sobreviventes e lhes dê algum tipo de esperança em um mundo cruel. No caso do filme de Labaki, entretanto, esta condição se dá na esmagadora maioria do tempo sem qualquer retorno além do sofrimento, uma estratégia que não deixa de soar um tanto fetichista dado o nível de miséria envolvido na trama. O único procedimento possível ao espectador na narrativa, afinal, é a da falsa compaixão, onde se observa tragédia atrás de tragédia até que o público simpatize com o personagem e passe a adotar suas dores.

O esforço de empatia tem lá suas boas intenções, mas a narrativa que Labaki realiza a partir desta condição é um tanto traiçoeira porque no fim ela oferece redenção a ninguém além da audiência. Daí a exploração da miséria, o exploitation que cura os pecados do espectador em nome de uma suposta “arte” enquanto mergulha os indivíduos retratados mais fundo na desgraça e no horror humano. Gostando ou não deste tipo de experiência, “Cafarnaum” certamente é uma sessão difícil de se acompanhar sem revirar os olhos (seja por qual motivo for). (P.S.)

“A Esposa”

Um dos vários filmes que obtiveram apenas uma indicação é “A Esposa”, e este foi lembrado justamente pelo que há de melhor em sua produção que é a atuação gigantesca de Glenn Close. O filme do diretor sueco Björn Runge acompanha uma mulher, Joan (Close), que, após uma vida de arrependimentos, decide rebelar-se contra seu marido, Joe Castleman (Jonathan Pryce). O motivo? Joe se tornou um renomado autor literário prestes a receber o mais importante prêmio de sua carreira. Só há um problema: seus livros são escritos por uma escritora fantasma que é justamente sua esposa.

“A Esposa” é uma obra irregular. As idas e vindas no tempo – o filme acompanha tanto o presente, com a família de Joan viajando para que Joe receba seu aguardado prêmio, quanto o passado, mostrando como o casal se conheceu e construiu sua vida – acabam quebrando o ritmo da projeção e, pior, superexpondo acontecimentos e ideias que já estavam bem sugeridos com as cenas do presente.

Por outro lado, as duas atuações principais merecem destaque. Se Close escolhe um estilo contido mas que, por pequenos gestos e construção vocal, demonstram sua insatisfação, Pryce vive um personagem que mesmo recheado de defeitos consegue ter complexidade em virtude das múltiplas variações emocionais que seu Joe exibe. O filme tem boas chances de conquistar o Oscar de Atriz, principalmente dado o histórico de Close que há muito é uma renomada atriz em Hollywood sem o devido reconhecimento pela Academia. (M.F.)

“Fé Corrompida”

O elogiado filme de Paul Schrader era muito cotado para múltiplas indicações incluindo Ator para Ethan Hawke, Roteiro Original e Direção, mas acabou ficando apenas com a segunda. O longa acompanha a história do pastor Toller, líder de uma pequena igreja que aos poucos passa a ter sua fé no sistema questionada em virtude do iminente colapso do mundo capitalista e pela postura passiva de sua congregação.

Com claras inspirações no cinema de mestres como Ingmar Bergman e Robert Bresson (influências que o próprio Schrader chegou a admitir em entrevistas), “Fé Corrompida” é uma obra que coloca em crise a fé que norteia a vida de seu protagonista, mas expande o conceito para uma análise de toda a estrutura da sociedade contemporânea. Passando por religião e ambientalismo até chegar num estudo da falência do capitalismo, o longa de Schrader consegue amarrar todas as suas ideias com competência e por meio de um roteiro que nunca trabalha de forma direta – algo que o torna diferenciado do resto.

Apesar dos elogios da crítica, o filme não foi muito lembrado na temporada de premiações, mas ainda compete com “A Favorita”, “Green Book: O Guia”, “Roma” e “Vice” pelo Oscar de Roteiro Original. É, porém, uma das categorias mais imprevisíveis. (M.F.)

“Hale County This Morning, This Evening”

Apesar da presença do alemão “Of Fathers and Sons” na lista, o indicado mais curioso da categoria de Documentário este ano (e talvez da lista como um todo) é este “Hale County This Morning, This Evening”, cuja narrativa foge totalmente do formato mais quadrado da categoria e traça paralelos com trabalhos de diretores oníricos como o do tailandês Apichatpong Weerasethakul – que não por acaso serviu de consultor ao projeto.

Dirigido pelo estreante RaMell Ross, o filme de menos de oitenta minutos se passa inteiro na pequena cidade de Hale County, no estado estadunidense do Alabama, e acompanha a rotina da comunidade negra do local de forma dispersa, menos interessado em seus cotidianos que na relação desta parte da população com a região que habitam. A produção é regida a experimentações, buscando a todo instante sintetizar pela narrativa a sensação de abandono e mesmo perdição que estas pessoas vivem diariamente, num estado onde nem há sem anos a discriminação racial comia solta: em certo momento, por exemplo, ao visitar uma antiga mansão abandonada, o longa combina imagens da estrutura abandonada com a de um filme mudo em que um homem (claramente branco e pintado de negro) se esconde assustado nas folhagens.

O propósito nobre e a facilidade da produção em fabricar momentos fortes, porém, se dissipa nos floreios da direção de Ross, que não poucas vezes se perde em valores estéticos (como de filmar por minutos a fumaça de uma fogueira que esconde a luz do Sol que passa pelas árvores) para fabricar uma profundidade que já se encontra explícita. Não à toa, então, que “Hale County This Morning, This Evening” soe em alguns momentos tão arrastado, numa proposta de imersão que ao contrário dos trabalhos de Apichatpong prescinde até demais da boa vontade do espectador. (P.S.)

“Mirai”

Outro “patinho feio”, agora em uma categoria de Animação dominada pela produção estadunidense, é este “Mirai”, que também se destaca no Oscar deste ano por ser a primeira animação japonesa não produzida pelo Studio Ghibli a ser indicada ao prêmio, além de ser a primeira nomeação conferida ao veterano Mamoru Hosoda (que muitos conhecem pelo filme do “Digimon”). O longa acompanha Kun, uma criança que se recusa a ter sua vida transformada pela chegada da irmã mais nova, Mirai, até o momento em que começa a receber visitas da versão futura da recém-chegada.

A exemplo de “O Poderoso Chefinho”, produção da Dreamworks que concorreu à mesma estatueta no ano passado, o filme de Hosoda reproduz o dia a dia familiar com pitadas de surrealismo, adotando uma estrutura semi-episódica para lidar com cada situação de conflito entre o protagonista e a bebê de uma forma lúdica. A diferença, além das óbvias origens distintas das construções narrativas, é que “Mirai” não busca apenas a comédia presente nestas relações como “Chefinho”, mas as organiza em busca de um significado geracional: o contato de Kun com a versão futura da irmã e outras aparições fantásticas (que incluem o bisavô e até o cachorro em figura antropomorfizada) vão aos poucos refletindo o crescimento e amadurecimento do garoto, que deixa de ser uma criança individualista para reconhecer os outros à sua volta.

É verdade que a animação funciona melhor quando direciona esta jornada de Kun para dentro das dinâmicas familiares ao invés de se aventurar pelos ritos geracionais explicitados pelo roteiro – a passagem com o bisavô e o trauma da Segunda Guerra fica um pouco perdida na história, por exemplo – mas o longa do estúdio Toho nunca perde de vista a importância da intimidade do público com a vida dos personagens, sabendo como se alternar entre o sofrimento do filho mais velho e os apuros dos pais que apanham para normalizar a rotina com duas crianças. Qualquer traço de emoção gerado por “Mirai”, inclusive, surge destes momentos de reconciliação, quando os laços sentimentais entre os personagens enfim são firmados em movimentos tão singelos e tão simples quanto um olhar de cumplicidade. (P.S.)

“Minding the Gap”

Em um mundo onde tudo se grava e se registra nas redes sociais, até que demorou para um documentário como “Minding the Gap” surgir no circuito de premiações. Dirigido por Bing Liu, o filme produzido pela Hulu é composto por materiais de arquivo que acompanham a vida de Liu e seu grupo de amigos skatistas desde a infância até a fase adulta, uma quantidade de imagens que impressiona dado o seu volume e mesmo beleza estética, nos movimentos e acidentes dos garotos em cima da prancha de rodinhas.

O mais fascinante, porém, é a forma como o diretor consegue articular uma narrativa a partir disso, tecendo um grande retrato geracional que engloba os problemas internos da família do cineasta com os rumos tomados pelos três jovens no curso de suas próprias histórias. Da inocência de acompanhar jovens que não tem muita ideia do que fazer com a vida, o longa de repente se vê mostrando cenas de abuso e violência doméstica, seja da parte do pai de Liu – que tem os casos relatados por sua mãe e irmão em entrevistas – ou do problemático namoro que um dos amigos carrega e resulta em situações de mais pura negligência de sua parte.

É este salto, o tal do “gap” do título, que em seu caráter abrupto rege toda a discussão final do filme, buscando responder a questão sobre como o indivíduo passa de uma condição à outra sem nunca perceber o processo ao seu redor. Por este ângulo, “Minding the Gap” não oferece resoluções fáceis e nunca chega a condenar nenhuma das partes presentes, mas seu esforço de compreensão o ajuda a pavimentar o caminho para o desvinculamento de qualquer ritualização futura deste procedimento. (P.S.)

“Poderia Me Perdoar?”

Indicado a três categorias do Oscar, o filme de Marielle Heller acompanha a história real de Lee Israel, uma escritora falida que, para pagar suas contas, começa a forjar cartas de autores renomados para vender para colecionadores e livrarias.

Assim como “A Esposa”,  “Poderia Me Perdoar?” tem em suas atuações principais sua maior força. Melissa McCarthy (que concorre ao Oscar de Atriz) e Richard E. Grant (que está no páreo de Ator Coadjuvante) encarnam dois personagens que se completam: são dois artistas que passam necessidade, vivem o fracasso mas o encaram de formas diferentes. Enquanto a personagem de McCarthy não aceita a situação na qual se vê (e por isso passa a cometer crimes para ter seu sustento), o de Grant (o escritor Jack Hock) parece não sentir o peso de sua condição financeira. Assim, se Lee é retratada com mais drama, Grant é uma válvula de escape que imprime comédia à trama.

A mistura entre drama e comédia, porém, impede que o filme tenha uma curva dramática mais acentuada. Apesar de ter atores que estão muito bem em seus papéis e um trabalho de fotografia capaz de utilizar o contraste de luz e sombras para retratar o estado psicológico dos personagens – a casa de Lee, por exemplo, está quase sempre mergulhada na escuridão –, “Poderia Me Perdoar?” não investe o suficiente em seu clímax para que a conclusão tenha o peso dramático que o filme precisava. (M.F.)

“RBG”

Ruth Bader Ginsberg não é um nome lá muito conhecido no Brasil, mas nos Estados Unidos se tornou gigante durante a atual administração de Donald Trump. Juíza do Supremo Tribunal, a advogada virou um ícone progressista entre a população por suas seguidas objeções às decisões tomadas, além de ser um dos grandes nomes na história da luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no país.

Neste cenário, o documentário “RBG” vem exatamente para traçar um perfil da juíza Ginsberg, ressaltando sua vida e seus feitos dentro do sistema judicial estadunidense desde os tempos de advogados até a atual posição que ocupa na entidade. O filme de Julie Cohen e Betsy West em nenhum momento esconde admiração por sua protagonista: além de seguir um formato bastante padrão do gênero, alternando imagens de arquivo com entrevistas, a produção tende a privilegiar os momentos de triunfo da juíza em detrimento dos mais vulneráveis – a recente superação do câncer por Ginsberg, por exemplo, é reduzido de maneira assustadora a um comentário rápido sobre como ela se mantém atenta a uma rotina de exercícios pela produção.

Mas apesar de todo o caráter de “celebração democrata” que o projeto passe em sua aparente caretice, “RBG” não deixa de ter suas virtudes, em especial na forma como ressalta que a fama da juíza veio da onda conservadora que tomou o governo e o Supremo nos últimos anos e nos vários momentos de intimidade da protagonista que registra. O melhor deles acontece, claro, quando as diretoras apresentam a Ginsberg sua versão paródica vivida por Kate McKinnon no “Saturday Night Live” – e as reações da celebridade ao momento, diga-se de passagem, sozinhas já valem a sessão do documentário. (P.S.)

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