Greve virtual na Bélgica e alguns pitacos
Na semana em que nós, os brasileiros, nos preparávamos para o esquindolelê do carnaval, o mundo da publicidade da Bélgica parou conosco por motivos mais nobres. Quer dizer, não parou de fato, já que o que eles chamaram de greve foi uma brincadeira virtual e cheia de malemolência “viral” (que até consta entre os cases recentes da Famous, uma das agências grevistas).
Opa, fui um pouco rápido com os pitacos? Então voltemos: algumas agências da Bélgica tiraram os seus sites do ar e, durante uma semana, publicaram em seus endereços os pedaços de uma carta da ACC, um órgão auto-regulamentador da publicidade por lá (o CONAR deles), falando sobre o motivo daquela ação: a prática de concorrências de maneira onerosa às agências do país por parte de empresas e governo.
Os principais pontos levantados pela ACC dizem respeito ao grande número de agências que são colocadas num shortlist da concorrência e ao roubo de idéias.
Sobre roubo de idéias, chega a ser um absurdo pensar que uma empresa convoca uma concorrência, não seleciona ninguém (ou seleciona a mais barata) e aplica as idéias de uma agência que foi derrotada. É o tipo de situação que, como profissional, espero não ter que passar nem como agência derrotada, nem como agência vitoriosa: é de uma falta de ética sem tamanho.
Pelo que vi no site da ACC, a recomendação às agências é proteger o seu material, ainda que seja difícil realmente proteger uma idéia de quem quer copiá-la a qualquer custo. Há recomendações de sinalização de direito de uso em todos os materiais utilizados na concorrência, registro legal de idéias e assinatura de contrato mútuo de confidencialidade do que for apresentado.
No caso do grande número de agências num shortlist de concorrência, a recomendação da ACC é que empresas e governos aceitem um limite de quatro. Já houve casos em que mais de 10 agências foram chamadas para um shortlist para que apenas uma fosse chamada.
Ok, o motivo é nobre. Mas não se engane, publicitário canarinho, com a campanha aqui comentada. A grande negociação está sendo feita diretamente entre ACC e governo belga para que o segundo passe a adotar em suas concorrências as regras propostas pelo primeiro. Até porque carta em inglês num país cujas línguas oficiais são o francês, o alemão e o holandês pode ser comparado a pedir para o Ashton Kutcher retwittar #forasarney…
No mais, já pensou se a moda pega? Participei de algumas concorrências e, pelo menos, achei todas elas normais do ponto de vista ético. Nada a reclamar nem nas que perdemos e muito menos nas que ganhamos. Mas você sempre ouve falar do caso de cliente que envia briefing para agência, desiste do job e o aplica internamente, depois de receber uma proposta bacana de ações. Ou de empresas médias que acionam um monte de agências de porte pequeno e se aproximam das práticas execradas pelos “grevistas” belgas. Não faz barulho porque os milhões de euros, neste caso, não passam de milhares de reais, e assim acabamos nos resignando.
Como procurei na norma-padrão da CENP e no Código do CONAR algum tipo de recomendação sobre concorrências e não encontrei nada (se houver, por favor, avise), a relação de transparência de uma concorrência fica como regra de bom-senso.
Pelo menos para termos a sublime impressão de que as grandes contas deste país não são decididas em almoços do alto escalão, festinhas em Comandatuba ou coisa do gênero, e sim por muito suor e criatividade das equipes, não é?
(Com informações da matéria do AdAge)