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Como o mercado reagiu à Libra, a criptomoeda do Facebook
Empresas de blockchain, órgãos regulatórios e líderes políticos se dividem em preocupações sobre introdução de nova criptomoeda que pode efetivamente ter impacto duradouro no sistema financeiro atual
Já faz pouco mais de uma semana que o Facebook anunciou ao mundo a Libra, sua própria criptomoeda que servirá de moeda oficial da rede social nas transações financeiras que passarem pela sua plataforma. O plano da empresa com a nova moeda é claro, usando-a de base para tornar o site numa verdadeira central de negócios que ofereça todo tipo de serviço e produto financeiro, incluindo sistemas de crédito e empréstimo.
A adoção de uma moeda virtual vem com um planejamento bastante sólido. Com verba e apoio de 29 parceiros que vão de empresas de capital de risco, ongs e provedores de serviços de tecnologia do porte de Mastercard, Visa, Spotify, Uber e eBay, o Facebook manterá o valor da criptomoeda à partir da Associação Libra, uma organização independente que será responsável pela rede e as reservas financeiras disponíveis. A empresa de Mark Zuckerberg, enquanto isso, cuidará para que todas suas redes implementem a Libra em seus serviços, o que inclui além do site principal o Instagram e o WhatsApp.
Embora a notícia da introdução de uma nova criptomoeda tenha deixado alguns animados no mercado, o anúncio deixou uma parte considerável das entidades financeiras em estado de alerta. Em pronunciamento oficial sobre o caso, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) declarou que por mais que benefícios possam ser feitos, a adoção de uma moeda digital fora do atual sistema financeiro poderia não apenas reduzir a competição mas também criar problemas de privacidade gravíssimos em relação aos dados envolvidos nas transações. O banco inclusive aproveitou a oportunidade para pedir a criação de políticas públicas que construam uma “aproximação mais compreensiva” sobre o tema e que envolvam políticas de competitividade e regulação financeira e da privacidade de dados ao meio digital.
A maior preocupação sobre a Libra em relação a concorrentes da área como o Bitcoin se dá muito por conta da centralidade e predominância do Facebook no mundo de hoje. Unindo os públicos de todas as suas plataformas, a empresa afirma possuir atualmente um número total de 2,4 bilhões de usuários espalhados ao redor do globo, uma informação que explica em parte o desejo de imbuir suas plataformas de sistemas monetários próprios e despidos de regulações externas, afim de alcançar o máximo de comissão possível para a corporação.
Aos olhos de alguns poucos analistas isso em teoria significa boas notícias por “democratizar” as transações dentro dos meios de amplo acesso da internet, mas para os órgãos regulatórios a Libra representa uma nova, potente e altamente perigosa dor de cabeça, ainda mais vindo de uma empresa que no ano passado passou por um escândalo gigantesco de vazamento de dados com o caso Cambridge Analytica. No Reino Unido, o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) e a Autoridade de Conduta Financeira (FCA) divulgaram nesta terça (25) comunicados afirmando que pelo menos no país a moeda não será lançada sem um processo de verificação extremamente rigoroso.
“Ainda que os criptoativos no momento não representem risco para a estabilidade financeira mundial, podem surgir brechas nos casos em que não estejam sujeitos às autoridades regulatórias ou nos casos em que não existam padrões internacionais” escreveu a FSB no documento, uma carta aberta aos líderes do G20 antes da realização de nova conferência do grupo neste fim de semana em Osaka; “Um uso mais amplo de novos tipos de criptoativos para fins de pagamento no varejo deve ser esquadrinhando mais proximamente pelas autoridades para garantir que estes estejam sujeito a padrões elevados de regulamentação”.
Alguns líderes políticos, enquanto isso, também já expressaram sua preocupação e se movimentam para incluir a Libra como pauta de debate em reuniões internacionais. O ministro da economia francês Bruno Le Maire, por exemplo, enviou uma carta aos membros oficiais do G7 e do Fundo Monetário Internacional pedindo a criação de um grupo de investigação da criptomoeda e seu impacto no sistema financeiro mundial, afim de averiguar qual o possível dano que a moeda virtual pode criar ao meio em seu lançamento. Na carta, Le Maire atenta além do perigo de privacidade para os riscos reais de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo através da plataforma: “Qualquer coisa que funciona hoje no mundo será instantaneamente sistematizado e terá que passar pelo mais alto nível de regulação”.
Mesmo pessoas ligadas anteriormente ao Facebook veem a ideia de uma criptomoeda própria da rede social como perigosa. Ao Financial Times, o cofundador da empresa Chris Hughes chegou a declarar que mesmo o sucesso modesto ameaçaria a atual e delicada ordem mundial, afirmando que “O que os apoiadores da Libra chamam de ‘descentralização’ é na verdade uma mudança de poder dos bancos centrais de países emergentes para corporações multinacionais e os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa”.
Outro lado que já expressou preocupação é o das empresas de blockchain, tecnologia que o Facebook mais aposta para fazer funcionar a Libra no globo. O presidente e COO da MakerDAO Steven Becker chegou a tecer elogios à criptomoeda por em teoria facilitar o crescimento econômico da área de blockchain, mas não economizou palavras para criticar a falta de transparência que o serviço mostrar ter em seus meios internos: “Por mais que o Facebook tenha deixado claro que este é um blockchain híbrido, nós ainda precisamos entender o quão interoperável este blockchain será com outros blockchains públicos.” ele declara, acrescentando ainda que se este caminho não existir a rede social estará criando “uma plataforma concebida apenas para competir com a infraestrutura de outros bancos” e que vai contra o propósito de ser uma “alternativa” ao sistema atual.