"Nunca achei que ela fosse se tornar um modelo de conduta" afirma Margot Robbie sobre Arlequina

“Nunca achei que ela fosse se tornar um modelo de conduta” afirma Margot Robbie sobre Arlequina

Ao lado do elenco, produtores e diretora de "Aves de Rapina", atriz conversou com a imprensa sobre os motivos que a levaram de volta à personagem e a ideia do novo filme

por Pedro Strazza
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Embora a personagem já fosse imensamente popular entre os fãs de quadrinhos, é inegável que o fenômeno cultural da Arlequina começou em 2016 com o lançamento de “Esquadrão Suicida”. As inúmeras críticas negativas e o boca a boca péssimo não impediram o público de criar uma atração imediata em torno da figura da vilã, cujo sucesso foi tão meteórico a ponto não apenas dela ter aprovado um filme solo como se tornar praticamente o quarto membro mais bem sucedido do panteão de personagens da DC Comics, igualando-se a heróis clássicos como Batman, Superman e Mulher-Maravilha em vendas e atenção midiática – e a prova maior disso talvez seja mesmo as convenções de cultura pop, onde sobram cosplays de Arlequina nos estandes das feiras.

Quem não esperava este nível de projeção para a personagem, porém, era Margot Robbie. Intérprete da vilã agora tornada anti-heroína tanto em “Esquadrão Suicida” quanto no vindouro “Aves de Rapina”, a atriz australiana de 29 anos confirmou em um evento com a imprensa para a divulgação do novo projeto, que até a explosão ela não acreditava que a Arlequina pudesse se tornar o “modelo de conduta” que muitas fãs hoje enxergam hoje na personagem.

“Ela é psicótica, estava num relacionamento tóxico, tinha problemas” declarou na coletiva, onde também comentou que este desenrolar a fez refletir muito sobre o papel: “Eu sempre busco trazer algo positivo em todos os projetos que participo, mas conforme ela [a Arlequina] virou esse fenômeno eu inevitavelmente me peguei refletindo sobre a posição da personagem” afirmou.

Mas ainda que declare não entender a anti-heroína dentro deste escopo, a relação de Robbie com o papel claramente amadureceu muito desde que assinou o contrato. Não à toa, “Aves de Rapina” é um filme que só existe hoje graças ao empenho da atriz em torná-lo realidade, já que foi ela quem literalmente propôs o projeto à Warner Bros., ainda em 2015, e se mostrou presente em todas as fases de desenvolvimento do longa, do roteiro à sua campanha de divulgação.

Foi algo que ficou muito claro na coletiva realizada hoje (06/12) em São Paulo. Acompanhada do elenco feminino, a diretora Cathy Yan e seus parceiros na produção Sue Kroll e Bryan Unkeless, Robbie, como no painel da CCXP, foi o centro das atenções no evento com a imprensa, tomando a frente em todas as perguntas feitas e preocupando-se em incluir todo o time nas discussões. E o motivo para tanto empenho, pelo menos de acordo com suas próprias palavras, é a paixão que ela sente pela Arlequina.

“Eu me apaixonei pela personagem enquanto trabalhava em ‘Esquadrão Suicida’. Eu não conhecia a personagem antes do filme, então fui a descobrindo durante a pesquisa para o papel.” afirma a atriz; “Eu senti que não exploramos a personagem como poderíamos, porém, e eu queria vê-la interagindo com outras mulheres, eu senti que ela precisava de um grupo de amigas fortes”. Foi esse interesse inclusive que a levou a escolher Christina Hodson para escrever o roteiro da aventura solo da personagem, pois de acordo com a atriz e produtora, a roteirista conseguia “captar a voz e a cabeça da personagem” e traduzir isso para sua visão da cidade: “Esta não é a Gotham City de Bruce Wayne, mas a Gotham da Arlequina, dos marginalizados e inadequados” comentou.

“Estou cansada de ver mulheres perfeitas na telona”

Se na Comic Con o tema da independência e da emancipação foram os mais valorizados no painel do filme, na coletiva o que perseverou nas perguntas e respostas foi a representação feminina nos cinemas. “Nós somos um grupo de mulheres complexas, nós nunca somos objetificadas” comentou Rosie Perez, intérprete da policial Renee Montoya, quando o grupo de atrizes foi questionado sobre a inclusão de suas figuras no universo de produções do estúdio baseados nos quadrinhos da DC Comics. Seu papel inevitavelmente escapa dos moldes idealizados que Hollywood se acostumou: detetive experiente da força policial de Gotham, Montoya é descrita como alguém que foi excluída dos núcleos maiores da entidade por não ter acesso ao “clube dos meninos”, o que a força a trilhar o próprio caminho e cooperar com outras mulheres para alcançar a justiça.

Esta noção foi ecoada de certa forma pelas colegas ao longo do evento, incluindo Mary Elizabeth Winstead e Jurnee Smollett-Bell, cujos respectivos papéis de Caçadora e Canário Negro as levaram a discutir com maior profundidade essa questão do espaço da mulher no cinema fora do eixo da objetificação. “É a primeira vez que vemos um grupo de anti-heroínas nas telonas, uma opção que até hoje coube apenas aos homens” declarou Winstead, que comentou como sua personagem está atrás de vingança por sua família e aprende a lidar com os acessos de ira a partir da cooperação com o grupo de protagonistas.

Já Smollett-Bell foi ainda mais incisiva no debate. “Nós estamos muito famintos para refletir o mundo no cinema, e o que podemos mostrar aqui é que as mulheres também podem ser imperfeitas. Eu estou cansada de ver mulheres perfeitas na telona” diz a atriz, que reforçou o quanto sua Canário Negro passa por uma jornada de fuga de estruturas que a oprimem – no caso, seu trabalho como cantora no estabelecimento comandado pelo vilão Máscara Negra (Ewan McGregor).

Os atores masculinos também não foram excluídos deste processo. De acordo com Robbie, Kroll e Unkeless, tanto McGregor quanto Chris Messina (que vive o também antagonista Victor Zsasz) abraçaram o processo de centralizar a história na desconstrução do feminino e a todo instante procuravam entender o que podiam fazer para contribuir nesta proposta. “Eles tiveram a oportunidade de serem criativos e explorar os personagens” comenta Robbie, lembrando no evento que Messina chegou a encenar um número musical maquiado com a cor azul no teste de elenco para conseguir seu papel.

Uma Gotham City mais pé no chão

Com um discurso tão sólido em torno de temas como feminismo, representatividade e diversidade, é de se imaginar que esta discussão se espelhe no filme de algum jeito. Segundo Cathy Yan, a forma encontrada para traduzir isso na tela foi trazer ao roteiro uma abordagem mais tática e realista à construção do universo de Arlequina e os conflitos físicos.

Perguntada sobre as coreografias mais violentas, a diretora não apenas confirmou que a ação visceral não apenas foi um ato intencional como ideal para localizar o espectador numa história mais “no chão” da cidade. “A Arlequina é uma personagem realista e muito relacionável por conta disso, e foi justo a partir destes pontos que resolvi criar seu mundo em cima.” declara, citando “John Wick” como uma referência visual.

A série estrelada por Keanu Reeves é parte tão fundamental do processo criativo do filme que, além de convocar o mesmo time de dublês da 87eleven para coordenar as cenas de ação, Yan também quis que as atrizes participassem do maior número possível de filmagens de luta e que a quantidade máxima de efeitos visuais práticos fossem aplicados na narrativa. O elenco topou a ideia, e com 5 meses de treinamento se mostrou disposta a trabalhar nas cenas mais árduas planejadas por sua diretora – o que inclui planos de até dois minutos de brigas e trocas de socos e chutes no saco.

Mas com tanta atenção aos detalhes da parte física, Margot Robbie quis ressaltar que o filme no fim não cai na armadilha dos blockbusters mais tradicionais. “Nós não queríamos que o longa fosse uma sequência intercalada de cenas ação e de trama, mas também injetar o trabalho do desenvolvimento dos personagens” afirmou em determinado momento, relembrando os objetivos centrais de “Ave de Rapina” em ser – mais do que qualquer outra coisa – um filme sobre desconstruções.

“Aves de Rapina” chega aos cinemas brasileiros no dia 6 de fevereiro de 2020.

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