Atrás de todos os públicos, Amazon Prime Video faz painel à moda antiga na CCXP 2019
Elenco de "The Boys" foi ponto alto de apresentação que mirou tipos muito diferentes de audiência, mas foi incapaz de mostrar conteúdo suficiente e à altura da aposta
No ano passado, a Amazon debutou na CCXP com uma aposta localizada, mas muito consciente: sabendo que não tinha como competir com as principais atrações do evento, o serviço de streaming fez um painel rápido sobre “American Gods” no auditório Cinemark que tinha como único objetivo trazer novos assinantes. Mesmo com uma segunda temporada próxima e a presença do ator Rick Whittle o foco foi na introdução do seriado, em atrair um maior público para a produção e (por consequência) o Prime Video.
A estratégia pelo visto deu certo, porque nesta edição o serviço resolveu repetir o esquema tanto na convenção – onde o estande buscou acima de tudo promover os seus seriados originais (ou licenciados) – quanto no auditório. A questão é que o investimento cresceu sensivelmente: se em 2018 a Amazon ocupou um horário “frio” na programação do espaço principal, com uma hora reservada no começo da tarde de quinta-feira, em 2019 a empresa resolveu bancar uma apresentação de duas horas e meia no horário nobre da sexta, fechando os trabalhos do dia com múltiplos painéis dedicados a diversas produções.
Seria uma lógica impecável se não fosse um único problema: foco. Embora produções e convidados sobrassem no palco do auditório Cinemark, a apresentação do Prime Video parecia perdida sobre o tipo de público que queria atingir no evento, o que contribuiu para um clima geral de dispersão entre o público. Não ajudou muito também que os conteúdos e materiais previstos não estavam à altura do espaço de tempo reservado, o que aumentou o nível de descontentamento geral da plateia – não foram os poucos os momentos em que espectadores debandaram do auditório.
Aos elencos chamados pelo estúdio para participar da convenção, sobrou a missão árdua de procurar sua audiência dentro das 2300 pessoas presentes, que em seus grupos formados tinham interesses específicos e que em nada se conectavam entre si.
Brasil en passant
Antes dos convidados internacionais em si, entretanto, o Prime Video começou sua apresentação buscando destacar parte do catálogo de seu recém-anunciado investimento no audiovisual brasileiro. Dos seis projetos atualmente em desenvolvimento, o estúdio mostrou os três que estão em fase mais avançada de produção e que – em teoria – tinham algo para mostrar ao público: “Soltos em Floripa”, reality show que contou com a participação da cantora Pabllo Vittar e John Drops (este último que foi confirmado no evento como a segunda celebridade participante do programa); “Tudo ou Nada: Seleção Brasileira”, versão nacional do seriado documental “All or Nothing” que acompanhará o time de futebol masculino na última Copa América; e “Dom”, co-produção com a Conspiração Filmes que conta com Breno Silveira na direção geral.
Os problemas da apresentação começaram já aqui. Ainda que fossem os projetos nacionais melhor “preparados” para o evento, no fim quem acabou com espaço no palco foi só a série de Silveira, que contou com a participação dos atores titulares Gabriel Leone e Flávio Tolezani para dar alguns detalhes da história real de pai e filho que estiveram envolvidos de lados diferentes da guerra contra o tráfico no fim dos anos 90. O espaço abreviado não passou batido pelo público: enquanto “Tudo ou Nada” foi restrito a um trailer, o desconforto com a duração curta do painel de “Soltos em Floripa” foi vocalizada por Drops e Vittar, que fizeram questão de fazer piada com a situação e ainda tirar uma com o público – após quase ninguém atender sua interação com o público, Drops finalizou sua participação dizendo que “quem não tinha aplaudido ficaria um ano sem transar”.
Perdidos no espaço
Situações desconfortáveis continuaram a se repetir nos próximos dois painéis, mas agora do lado do público. Reunidas na CCXP sob a motivação de pertencerem à ficção-científica, “The Expanse” e “Star Trek: Picard” foram recebidas com alguma frieza pela audiência do espaço, que mostrava abertamente estar ali para o segmento da apresentação focado em “The Boys”; as palmas tímidas não escondiam um ar de desinteresse triste, mas não sem razão do auditório.
Os dois elencos, por outro lado, sofreram com algumas limitações claras de conteúdo ao longo dos painéis, especialmente “The Expanse” que além da falta de conexão do público tinha a dura tarefa de introduzir uma série a possíveis novos espectadores estando em seu quarto ano de produção – o programa chegou a ser cancelado pela SyFy, mas foi ressuscitado pela Amazon devido à maior parcela de espectadores pedindo que a história continuasse. No palco, Steven Strait, Dominique Tipper, Cas Anvar e Frankie Adams mostravam não ter muito espaço de manobra além de agradecer constantemente os fãs pelo apoio e explicar a premissa inicial da série – duas ações que em si mostravam a falta de ângulo da apresentação.
As novidades nesse sentido foram muito poucas. Além de declararem que sob o comando da Amazon a equipe criativa não precisava se preocupar com duração (“Não existem mais muitas restrições com o tempo” disse Strait em determinado momento), o elenco prometeu um quarto ano mais intenso, especialmente em termos de conflitos por conta da descoberta de um novo planeta e a investigação de uma missão espacial que deu muito errado no local.
Já “Picard” não sofreu muito em relação à conexão com a audiência da CCXP – até porque haviam alguns fãs de “Star Trek” espalhados pelo auditório – mas com o nível de informação que podiam compartilhar com o público. Dona apenas do licenciamento de exibição no Brasil da série (que é da CBS All Access), o Prime Video mostrou ao longo de todo o painel que não tinha permissão para divulgar qualquer informação nova sobre o derivado de “A Nova Geração” no evento, o que colocou a apresentação e a presença dos convidados Santiago Cabrera, Michelle Hurd, Isa Briones e Jonathan del Arco em xeque: não havia conteúdo a ser divulgado pelos atores, que ficaram restritos a comentar sua relação com a marca “Star Trek” e o passado da franquia.
Outra questão foi a própria ausência de Patrick Stewart, que além de grande estrela é o verdadeiro carro-chefe do programa. O painel sentiu em diversos momentos o vácuo de atenção criado pelo ator veterano, que era referenciado constantemente pelos atores presentes – uma das perguntas feitas pelo apresentador inclusive girou em torno do fato de trabalhar com Stewart, que Hurd definiu como “O homem mais generoso, amável e inteligente” que já conviveu em um set. Nem mesmo a gravação prévia do intérprete de Picard pareceu salvar a situação, até porque ela parecia ressaltar que a apresentação da Amazon estava deslocada demais para um painel que supostamente encerrava o dia da CCXP.
Mas enquanto várias pessoas abandonavam o auditório, uma grande parcela permanecia determinada a ver o momento da apresentação que realmente as interessava.
Heróis em crise
Foi impressionante como a mera citação do nome “The Boys” fez a audiência do espaço vibrar com a intensidade esperada de um painel de fim de dia. Facilmente o maior sucesso da plataforma no país este ano, a adaptação dos quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson foi recebida pelo público do auditório sob um status de estrelas do rock, o que talvez justifique a entrada do elenco no palco com o som de uma banda de rock contratada pelo Prime Video para o evento.
Foi com esse conforto da recepção calorosa da audiência que Erin Moriarty, Karen Fukuhara, Antony Starr e Jessie Usher conseguiram dar uma guinada no painel, rumo ao que a Amazon efetivamente pretendia com o evento: atrair novos públicos e agradar aqueles que já tinha. Embora o grupo tenha dedicado grande parte da apresentação aos bastidores da primeira temporada, os atores puderam falar abertamente sobre o segundo ano, incluindo o debute do trailer da nova leva de episódios abaixo – que foram prometidos para algum momento do verão estadunidense, no meio de 2020.
Sobre a nova temporada, a promessa maior é de muito mais sangue nos conflitos com os super-poderosos da história, mas também de aprofundamento. “No primeiro ano nós queríamos entender o que era aquele mundo, mas agora no segundo vamos atrás do porquê dele existir” disse Usher em determinado momento; “Os criadores queriam que cada um dos personagens fossem fundo em seu passado nesta nova temporada.”.
O lado pessoal é reforçado por Starr, intérprete do “super-herói” Homelander que é o personagem mais popular do programa: “Ele perdeu tudo no fim da primeira temporada, então agora ele deve passar por uma jornada interna muito esquisita” promete o ator, fazendo mistério sobre o destino do mundo e de seu papel no seriado.
Foi com essa nota que o painel de “The Boys” chegou ao fim, mas contrariando expectativas a Amazon ainda buscou fazer uma última “surpresa” trazendo Daniel Alves ao palco para comentar um pouco mais de “Tudo ou Nada”. A reviravolta, porém, chegou muito tarde: embora o jogador estivesse no palco comentando a série documental da CBF, a esmagadora maioria do público do auditório já se levantava para se encaminhar à saída, ignorando o trailer do projeto tocado mais uma vez no telão do auditório.