"Greyhound" busca drama marítimo, mas fica à deriva

“Greyhound” busca drama marítimo, mas fica à deriva

Aaron Schneider não consegue impressionar com batalhas navais ou aproveitar o horror do isolamento dos personagens

por Matheus Fiore

“Greyhound” está naquele pacote de filmes ambientados na guerra no qual podemos incluir, por exemplo, o “Dunkirk” de Christopher Nolan, já que ambos são obras que selecionam um evento específico de um conflito para mostrar o horror da guerra como um todo. No caso do longa-metragem protagonizado por Tom Hanks e dirigido por Aaron Schneider, acompanhamos Ernest Krause (Hanks), o capitão de um navio que transporta suprimentos para as forças aliadas e encontra, no caminho, aliados e inimigos. Partindo do roteiro escrito pelo próprio Hanks e baseado no livro “The Good Shepherd”, de C.S. Forester, o diretor tenta criar um cenário de isolamento, ansiedade e insegurança constante, aproveitando essa ambientação para nos imergir em algumas batalhas navais contra inimigos invisíveis – bem nos moldes de “Dunkirk”.

Se a premissa e algumas escolhas de imersão de Schneider lembram diretamente o filme de Nolan, infelizmente a produção lançada no Apple TV+ também repete alguns de seus erros. Se os personagens parecem ser apenas um meio para mostrar explosões e mísseis disparando, “Greyhound” é um filme que não valoriza ou se interessa muito pelas pessoas, mas apenas por seus navios e combates. Não que isso seja necessariamente uma escolha errada (não é), mas há consequências. Os horrores da guerra se refletem na psique humana, nos traumas físicos e psicológicos, e estes são ignorados pelo filme.

Assim como Ernest Krause segue um senso de dever que o faz enxergar seu ofício acima de sua vida pessoal, Schneider parece não se interessar pelo lado humano, pelas dezenas de vidas de tripulantes das embarcações. Há apenas o choque, a tensão, esquecendo-se que esta só funciona quando refletida nos únicos seres vulneráveis da situação: as pessoas. É um diálogo interessante quando Krause não comemora uma vitória contra uma embarcação do Eixo e lamenta a morte de cinquenta almas, mas ele não se reflete em qualquer desenvolvimento no conteúdo ou no gênero do filme – até porque os mesmos inimigos que Krause busca humanizar sequer possuem rosto no filme, existindo por meio de um rápido contato por rádio. 

Enquanto tenta nos emocionar com diálogos que ressaltam a humanidade de seu protagonista, Schneider acaba nunca aproveitando de fato a humanidade e a fragilidade dele. Isso acontece não meramente por uma ausência de aprofundamento do roteiro, mas pela própria concepção estilística do filme. Em “Greyhound”, a câmera não procura soldados amedrontados ou traumatizados, mas grandes explosões e troca de tiros. O resultado disso é uma despersonalização, um esvaziamento dos corpos humanos, que torna o filme um tanto quanto apático.

A câmera não procura soldados amedrontados ou traumatizados, mas grandes explosões e troca de tiros

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Chega a ser irônico o uso, por exemplo, de uma fotografia predominantemente azulada e acinzentada, bem característica de um cenário no qual os personagens são envoltos de mar e metal, porque acaba acidentalmente refletindo essa frieza na abordagem do diretor. O navio e a direção Schneider em “Greyhound” parecem estar sempre no piloto automático, dramatizando um conflito que não nos engaja; o filme está à deriva, sem saber muito para qual direção apontar, como um capitão que procura, com seus binóculos, um inimigo invisível no mar ao seu redor.

É claro que seria possível também o filme funcionar utilizando os seres humanos apenas como dispositivo dramático para a batalha. Sempre defendi (e ainda defendo) que Michael Bay fizesse isso na série “Transformers”, por exemplo. É uma escolha estilística muito justa e, se bem executada, interessante. Infelizmente, não há muito o que se enaltecer sob esse olhar em “Greyhound”. É claramente uma obra pensada para a grande tela – afinal, seria originalmente lançada nos cinemas antes da Sony vender os direitos de distribuição para a Apple – mas para além dos planos aéreos que mostram a vastidão do mar e constroem esse isolamento do personagem, há muito pouco de visualmente interessante na obra.

Além dos planos aéreos que constroem o isolamento dos personagens, há muito pouco de visualmente interessante

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Sempre que algo grandioso acontece, a câmera de Schneider logo abandona a ação para voltar às cabines internas da embarcação e, quando o faz, nunca explora os efeitos dos acontecimentos nos personagens. Quando algum ferido morre em batalha, o máximo que vemos é uma câmera distante e fria, mostrando o corpo coberto pela bandeira americana. Há causa, mas não há consequência; não há uma busca por engajamento emocional com esses acontecimentos. Talvez na intenção de respeitar os mortos de guerra, Schneider acaba por não desenvolver nenhum drama nos eventos retratados.

No mesmo dia em que assisti a “Greyhound”, revi também o fantástico “Um Mundo Perfeito” de Clint Eastwood. Eastwood é um dos cineastas que melhor explorou os horrores da guerra ao longo de sua carreira e é mestre não só no estudo da sociedade americana, como também no uso de eventos específicos para contar grandes histórias – vide “15:17 – Trem Para Paris” e “O Caso Richard Jewell”. Foi inevitável imaginar, então, o que o diretor faria com a premissa de “Greyhound”, e é fácil imaginar, por exemplo, que ele explorasse justamente o sentimento de dever e heroísmo e como ele impactou na vida daqueles soldados, mostrando como cada ser humano era destruído física e emocionalmente por aquela situação. Uma pena que, nas mãos de Schneider, tudo que temos é o maravilhamento com encouraçados no meio de grandes ondas, que vez ou outra até são visualmente interessantes, mas que não contribuem para uma unidade na narrativa, não refletem em qualquer drama ou ação que impressione de fato.

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