Com cara de algoritmo, "Power" é mais um genérico Netflix
Imagem: PROJECT POWER (L to R) JAMIE FOXX as ART in PROJECT POWER Cr. SKIP BOLEN/NETFLIX © 2020

Com cara de algoritmo, “Power” é mais um genérico Netflix

Diretores de "Nerve" não conseguem propor nenhuma ideia interessante ou mesmo uma ação minimamente arrojada

por Matheus Fiore

A dupla Ariel Schulman e Henry Joost teve sua primeira grande oportunidade no cinema com o terceiro e o quarto capítulo da saga “Atividade Paranormal”, mas foi somente em 2016 com o divertido “Nerve” que os diretores ganharam mesmo algum holofote. Protagonizada por Emma Roberts e Dave Franco, o longa surgiu justamente na época em que “Black Mirror” estava estourando na Netflix e a cultura pop foi invadida por obras “espertinhas” que utilizavam distopias tecnológicas para caricaturar e expor problemas da sociedade. Depois de “Viral”, outro longa da dupla lançado na época, Schulman e Joost ficaram um tempo sem lançar novos filmes até que, em 2020, a Netflix anuncia um novo longa-metragem dirigido pelos americanos, “Power”.

O filme até traz um pouco da estilização vista em “Nerve”, mas a proposta de Schulman e Joost é diferente. Em “Power”, há claramente o esforço para criar um blockbuster de ação – e potencialmente, uma franquia. Na história, uma nova e misteriosa droga que desperta super-poderes começa a ser distribuída em Nova Orleans. Dois sujeitos começam, paralelamente, a investigar para chegar aos responsáveis pelo projeto, o ex-militar Major (Jamie Foxx) e o policial Frank (Joseph Gordon-Levitt). O filme a partir daí passeia superficialmente por questões políticas (como controle governamental e investimento bélico) até fantasia (os super-seres criados pela droga), mantendo sempre como fio narrativo da ação.

Da esquerda para a direita, Henry Joost, Jamie Foxx e Ariel Schulman conversam no set

“Power” está sempre saltando de sequência de ação para sequência de ação. É, assim como “Nerve”, um filme que estabelece um ritmo sempre em ascensão, sempre cada vez mais grandiloquente enquanto descobrimos o que motiva cada um daqueles personagens e, juntamente a eles, o que está de fato acontecendo em Nova Orleans. O principal acerto dos diretores, porém, é entender que não há lá muita originalidade em sua história, e fazer dela apenas um fio condutor para essa ação desenfreada que é projetada ao longo dos 110 minutos do filme.

A dupla protagonista também não é lá muito aprofundada, mas Schulman e Joost estabelecem um paralelo interessante: enquanto Major é um sujeito que não age norteado por nenhuma regra e está disposto a fazer tudo para chegar ao seu objetivo ao passo que, apesar disso, jamais usa a droga para ter algum poder, Frank é o oposto. O policial, mesmo ciente de que opera em um sistema policial falho e corrupto, só age fora da lei quando consome a droga, que o torna à prova de balas. Mesmo essa dualidade dos personagens, porém, jamais é utilizada de forma mais complexa, servindo apenas para criar curtos momentos dramáticos resultantes das escolhas éticas de cada um deles.

Como “Nerve”, “Power” é um filme que estabelece um ritmo sempre de ascensão

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Outro aspecto interessante da narrativa de “Power” é como os cineastas a articulam em um formato gamificado, com direito a fases dignas de um jogo da franquia “Assassin’s Creed”, estruturadas com infiltração, exploração em stealth e confronto com um chefão. Estes chefões, claro, são sempre os sujeitos dopados com a droga e, portanto, dotados de super poderes. Com tantas ideias cheias de potencial, porém, é surpreendente que Schulman e Joost não consigam fazer muito com “Power”. O filme parece sempre truncado, preso ao seu roteiro sem deixar as imagens falarem por si. É pouco imaginativo tanto visualmente, quanto na forma com que utiliza os temas e personagens disponíveis.

“Power” sempre aposta em seus diálogos ou em cenas em slow motion de grandes sequencias de ação guiadas pelos combates corpo-a-corpo dos protagonistas com os super-poderosos. Ambos não são lá um grande chamativo. No caso dos diálogos, o insucesso se dá ao fato de o filme criar dramas isolados que nunca são desenvolvidos por toda a trama. Os flashbacks que desenvolvem um pouco do passado de Major funcionam para explicar, mas não para dramatizar a jornada do personagem. Já a ação, bem… Schulman e Joost demonstram não ter muita criatividade, se limitando a escolher muitos ângulos para filmar os combates, mas sem ser capazes de criar algo visualmente forte. Não por acaso, o slow motion é uma ferramenta tão recorrente: basicamente é usada apenas para garantir que o espectador compreenda o que está sendo projetado, mas sem imprimir nenhuma intensidade às mal coreografadas cenas.

Os flashbacks que desenvolvem um pouco do passado de Major funcionam para explicar, mas não dramatizam sua jornada

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A sensação é a de que Schulman e Joost não possuem muitas ideias para propor em seu filme – e aqui não falo apenas intelectualmente, mas esteticamente mesmo, como é o caso da ótima série “Velozes e Furiosos” – a não ser criar um blockbuster com potencial para virar saga (como os últimos diálogos evidenciam). “Power” é mais fruto de uma indústria sedenta por cada gota do público da franquia “Vingadores” do que um projeto com qualquer visão artística sobre o mundo ou o cinema, um filme que se contenta com o básico em cada esfera de sua narrativa. Do potencial estudo da corrupção policial à gentrificação das relações familiares, tudo é estabelecido de forma tão insípida e simplória que o que resta mesmo é o slow motion e as pouco inspiradas cenas de ação.

É até difícil falar muito sobre “Power”, pois o resultado é tão genérico que dá a impressão de estarmos repetindo uma análise que já foi feita para tantos outros filmes. Dá a sensação de que é apenas mais uma obra feita sob encomenda pela Netflix para alimentar seus algoritmos e mirar o público nerd durante o hiato entre os filmes da Marvel Studios. Uma pena, pois mesmo diretores comuns como Schulman e Joost são capazes de algo melhor do que isso, de fazer algo vivido e com personalidade, que tente algo além do óbvio. No caso de “Power”, temos um filme que nem no óbvio consegue se destacar.

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