Em 2020, os games se tornaram a próxima grande rede social
Ano é marcado por títulos que emulam brincadeiras e rotinas da vida real, além da expansão de plataformas de jogos para grandes espaços multimídia
O entretenimento teve um papel essencial para a manutenção da sanidade durante 2020. Mas entre filmes, séries, livros e músicas, nenhum mercado de entretenimento e artes esteve tão aquecido nesta pandemia quanto o de games – principalmente no ano em que Sony e Microsoft inauguraram uma nova geração de consoles.
Foi também durante 2020, porém, que muitos jogos quebraram a barreira da bolha gamer e viralizaram, se tornando os aplicativos mais baixados da App Store e da Google Play Store, sucesso de vendas físicas e digitais, trending topics em todas as redes sociais possíveis e por aí vai.
Uma trinca de jogos foram fortalecidos pela pandemia
Talvez o primeiro grande hit gamer da quarentena foi “Fall Guys: Ultimate Knockout”. O contexto ajudou, claro, mas a estratégia de lançamento da Mediatonic também: o jogo foi disponibilizado gratuitamente para todos os assinantes da PlayStation Plus em agosto, na mesma data de debute do game – que também saiu para PC. “Fall Guys” e tornou uma febre imediata por permitir que até 60 jogadores se enfrentassem em competições que, no Brasil, sentimos prazer em dizer que lembram muito as Olimpíadas do Faustão.
O sucesso de “Fall Guys” também se deu muito pela simplicidade de sua mecânica. Com controles simples, limitados a andar, pular e puxar, o game conseguiu como poucos estourar a bolha da comunidade e se tornar sucesso entre os jogadores mais casuais. Faltou pouco para que esse sucesso fosse ainda maior – talvez a possibilidade de crossplay e uma versão para celulares pudessem ter estendido o sucesso explosivo por mais alguns meses.
Quem acertou em cheio nesse quesito foi “Among Us”, dado que o game pode ser rodado em qualquer smartphone ou computador, independente de suas especificações técnicas. Levando para os celulares e computadores a clássica brincadeira “A Cidade Dorme”, o jogo fez sucesso por, além de sua simplicidade e leveza, ser ainda mais interativo que “Fall Guys”, já que o formato incentiva que você jogue junto a seus amigos, discutindo cenários e investigando quem é o impostor ou assassino escondido na tripulação – não à toa, o uso do Discord aumentou junto do boom do título.
Talvez o grande diferencial de “Among Us” seja justamente o de transformar em um game para o mobile e desktop algo já conhecido de outras gerações, passando uma mínima sensação de normalidade ao permitir a reunião de amigos e de conversar enquanto se joga. A Innersloth, dona do jogo, percebeu isso – e cancelou os planos de uma continuação para reforçar as bases da atual versão – mas quem mais percebeu isso foi a política, a ver pelo sucesso espetacular da live da congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez com o jogo.
Mas se é pra falar de normalidade, provavelmente não há nada como “Animal Crossing: New Horizons”, o novo game de Nintendo Switch cuja premissa é de basicamente construir e administrar uma ilha. É sem dúvida o jogo de “fazenda” mais popular do mundo no momento e possivelmente da última década, uma produção que se contenta em emular uma rotina real no mundo virtual e que tem como grande atrativo a possibilidade de visitar as ilhas de seus amigos. Já que não podemos ir até suas casas, por que não conhecer seus avatares e ilhas virtuais?
O sucesso foi tamanho que o então candidato presidencial dos EUA Joe Biden chegou a fazer campanha para o cargo no mundo de “Animal Crossing”, um esforço que depois culminou na Nintendo banindo propaganda política do game.
Reinvenção é o nome do jogo
Além de lançamentos, o ano de 2020 também foi marcado pelas reinvenções das plataformas, suas novas funcionalidades e tecnologias e como elas se encaixam nessa nova rotina.
Talvez o grande exemplo disso seja a expansão do do grande jogo da Epic Games, “Fortnite”, que trouxe uma nova forma para games se integrarem à sociedade. Até 2020, “Fortnite” já era grande, um dos mais populares jogos do momento, mas apenas um battle royale. Durante o último ano, o game se tornou um evento social e multimídia ao apresentar uma plataforma para lançamentos de outras artes, de apresentações. Deixou de ser apenas um fim (o jogo em si) para se tornar o meio (um espaço de divulgação, anúncio e apresentação de grandes novidades).
Tudo começou em abril, quando “Fortnite” foi palco do show de um dos artistas mais populares do momento, o rapper Travis Scott. O show chegou a ter 12 milhões de espectadores simultâneos e ditou uma nova tendência na indústria – além de outros shows na plataforma, o Roblox também começou a experimentar a modalidade.
E não parou aí. Apenas dois meses depois, a Epic levou filmes do cineasta inglês Christopher Nolan para “Fortnite”, com cada lugar do mundo exibindo algum de seus filmes dentro do seu “party royale”. O Brasil, por exemplo, teve uma noitada com “Batman Begins”, o primeiro da trilogia “Cavaleiro das Trevas”.
Fica claro com o sucesso das empreitadas de “Fortnite” em 2020 que a indústria dos games parece caminhar para um futuro mais fluido e multimídia. Hoje, games com fortes presenças de multiplayer online deixaram de ser apenas um lugar para os jogadores repetirem em equipe as missões que já realizam nos modos offline, se efetivando como um espaço de socialização.
Não por acaso, o grande jogo da Rockstar, “GTA V”, ganhou há poucos dias uma atualização que permite shows online nos mesmos moldes de “Fortnite”. A boate The Music Locker permitirá que DJs toquem dentro do jogo e terá inclusive área VIP para os gamers que mais gastam no “GTA V”. O Party Mode tem se tornado um grande sucesso na indústria, e pode transformar bastante o mercado nos próximos anos.
Nova geração de consoles e o futuro dos games
É impossível falar do ano de 2020 no mundo dos videogames sem citar os grandes lançamentos da Sony e da Microsoft, o PlayStation 5 e os Xbox Series X e S. Lançados em novembro, ambos os consoles prometem ser o principal assunto da indústria nos próximos anos. Ainda estamos longe de conhecer o potencial gráfico e tecnológico em geral das duas plataformas, mas questionamentos interessantes já podem ser feitos.
Se o futuro dos games for mesmo a transição de um fim para um meio – ou seja, em vez de um eventual “GTA VI” ser apenas sobre o sonho americano sob um formato de jogo de assalto, mas uma plataforma de interação social multimídia – isso será possível de ser consolidado já nessa geração? Se não, é possível que os consoles fiquem um pouco para trás em relação aos computadores? Será possível que o crossplay entre plataformas concorrentes finalmente se torne realidade para que, por exemplo, um eventual show de uma artista como Taylor Swift dentro de um jogo não seja exclusividade de quem tem um Xbox?
Ainda é cedo para ter as respostas, até porque para qualquer assunto relacionado a um mercado grande como o dos games o ano de 2020 trouxe muito mais perguntas e incertezas do que respostas. O fato é que, seja isso algo isolado ou capaz de influenciar em todo o mercado, games como “Fortnite” e, agora, “GTA V” estão redefinindo o conceito de experiência multiplayer para algo muito além do simples jogar. Assim como “Fall Guys”, “Among Us” e “Animal Crossing” mostram que o mercado pode ser muito interessante e lucrativo para além do universo geek e gamer.