Para cobrar imposto, Receita Federal argumenta que apenas ricos leem
Proposta que está submetida ao Congresso Nacional desde julho de 2020 ganhou atualização para justificar união de impostos que acabaria com imunidade tributária do mercado editorial
O governo federal desde julho do ano passado move um projeto de lei que eliminaria a isenção tributária dada atualmente a livros produzidos no país, mas encara dificuldades óbvias pelos danos inevitáveis ao mercado editorial e ao acesso à cultura pela população. A discussão sobre o tema no momento se encontra estagnada no Congresso Nacional, mas nove meses depois o plano de reforma ganhou uma nova e cruel justificativa: como só os ricos leem, a tributação é possível.
O argumento foi incluído no documento de perguntas e respostas da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na manhã desta quarta (7), de acordo com o jornal O Estado de São Paulo, como parte da atualização da proposta do plano movido pela Receita Federal. No texto, o órgão cita agora dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 para elaborar que famílias com até dois salários mínimos não leem livros além dos didáticos, com a maior parte do mercado literário sendo consumido por grupos familiares com renda superior a 10 salários mínimos, argumentando ainda que “não foi identificada” nenhuma redução do preço dos livros após o início da isenção tributária.
A alteração ainda inclui um trecho onde a Receita declara que a tributação permitiria um aumento da arrecadação num momento de “escassez dos recursos públicos”, citando o aumento do foco do governo em áreas como medicamentos, saúde e educação com o novo imposto.
A CBS no caso é o plano do ministro da Economia Paulo Guedes para substituir o PIS (Programa de Integração Social) e o Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), tributações destinadas hoje à receita bruta de empresas. Pensado no modelo de imposto sobre valor agregado, o novo imposto fundiria as duas existentes e eliminaria todos os benefícios previstos atualmente na regulação, forçando portanto que os participantes do mercado editorial fossem forçados a pagar uma alíquota de 12% no imposto de renda.
Além dos evidentes danos ao mercado literário brasileiro, o fim da imunidade tributária ao livro dificultaria ainda mais o acesso à cultura pela população ao incorrer no encarecimento das publicações – incluindo didáticas, previstas para serem tributadas no projeto de lei. Como nota o professor de direito tributário da UFMG Thiago Álvares Feital ao Nexo, porém, o mais curioso da proposta da CBS é que desde sua gestação ela também prevê uma redução da alíquota do setor financeiro, uma medida que em si revela a ordem de prioridades da reforma.
A boa notícia é que por enquanto o projeto parece inoperante no Congresso, dado que a proposta não tem sequer relator indicado e permanece numa espécie de limbo nas discussões do órgão.