Com "Army of the Dead", Zack Snyder busca ceticismo sem abrir mão da esperança na humanidade
Imagem: Netflix

Com “Army of the Dead”, Zack Snyder busca ceticismo sem abrir mão da esperança na humanidade

Retorno do diretor às histórias de zumbi também é sufocado por estética vazia e história inchada sem necessidade

por Pedro Strazza

“Army of the Dead – Invasão em Las Vegas” desde o início da divulgação é vendido como o primeiro projeto original de Zack Snyder em anos, uma proposta que faz todo sentido para alguém que passou as primeiras duas décadas da carreira dedicado a adaptações para terceiros, mesmo quando a publicidade buscava alçar sua visão como autoral. É apenas na segunda linha que o raciocínio da campanha torna-se em si um objeto de interesse, porém, quando lembra que esse é o primeiro filme de zumbi do diretor desde sua estreia na cadeira em 2004, quando realizou o remake de “O Despertar dos Mortos” com “Madrugada dos Mortos”.

Este resgate é em si uma escolha interessante não apenas por reenquadrar a carreira de Snyder dentro do terror de zumbis (um diretor de gênero acima de tudo, parece ser o tom), mas por sugerir uma conotação entre duas obras que a princípio não se assemelham em coisa alguma. Lançado há 17 anos, “Madrugada dos Mortos” existia sobretudo como exercício de fã, uma espécie de grande homenagem aos filmes de George A. Romero enquanto em busca de renovação das “velhas” estruturas pela lógica predominante de videoclipe da época – e o próprio ato de refilmar uma sequência em tese dava o tom da proposta.

Da ligação do primeiro longa para este mais recente, porém, o único resquício que parece perseverar em “Army of the Dead” é o registro histórico da trajetória de seu diretor, uma manobra que se por um lado presta serviço ao jogo de egos evidente, por outro também acaba oportuno por denotar o próprio estágio da relação de Snyder com a indústria – o que até aí é nenhuma surpresa. Depois de todo o rebuliço midiático em torno de sua saída de “Liga da Justiça” e do lançamento da sua versão do filme, é apenas natural que Snyder esteja num ponto de desgaste com o meio, e neste sentido o terror parecer vir mesmo como forma de traduzir este sentimento de algum jeito.

Zack Snyder (à direita) orienta Dave Bautista (deitado, ao centro) no set (Créditos: Clay Enos)

A questão é que apesar do ceticismo, o diretor ainda é alguém muito filiado à indústria, uma constatação evidente no investimento emocional nas produções de heróis e mesmo de outras adaptações, vide o desejo de um terceiro “300”. E como obra de alguém que conseguiu criar um espaço de autonomia entre os grandes estúdios, esse puxa e repuxa de relação transparece em todos os momentos de “Army of the Dead”: misto de filme de zumbi com suspense de assalto, a história orbita no tom sóbrio do jogo de interesses envolvidos na busca pelos milhões guardados no cofre de um dos cassinos de Las Vegas, mas também não hesita em mostrar esperança em qualquer brecha possível, mesmo num cenário tão apocalíptico quanto uma cidade abandonada e prestes a ser implodida por uma bomba atômica após uma epidemia de zumbis.

É exatamente este contraste que chama a atenção no filme, até porque ele pode ser muito drástico devido ao caráter da história. Snyder de certa forma refaz aqui e a seu jeito o caminho de filmes como “Fuga de Nova York” e “Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia”, evocando o desejo destas obras de trazer à tona a banalidade dos sacrifícios envolvidos em ordem de expiar a crueldade da hierarquia envolvida. O assalto da vez é menos uma saída do sistema que um trabalho a ser cumprido, afinal, conforme o grupo de mercenários reunidos pelo protagonista Scott Ward (Dave Bautista) está a serviço de um bilionário qualquer (Hiroyuki Sanada).

Seria algo instigante se de novo o diretor se rendesse a um olhar cético da situação, uma afirmação que parece acompanhá-lo desde os erros de “O Homem de Aço”. Os últimos filmes de Zack Snyder, no fundo, são grandes pasteurizações de uma lógica de resolver os problemas do mundo com um pouco de esperança; com “Army of the Dead”, isso é apenas sufocado pelas circunstâncias da trama mas permanece em movimento, da relação de amizade entre o mercenário de Omari Hardwick e do arrombador de cofres de Matthias Schweighöfer a tudo que envolve o arco da filha do protagonista (Ella Purnell). Isso vale até mesmo para a decisão final da piloto vivida por Tig Notaro, cuja presença de última hora no filme (para substituir Chris D’Elia, acusado de assediar menores) pode gerar uma diversão à parte pelo claro registro posterior de sua participação nas filmagens.

Zack Snyder evoca o desejo de trazer à tona a banalidade dos sacrifícios envolvidos em ordem de expiar a crueldade da hierarquia envolvida

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Sufocamento também é um termo que define com exatidão o resultados das decisões estéticas do filme. Depois de tantos anos trabalhando em histórias de super-heróis com grande orçamento, Snyder parece ter se acostumado à ideia de sempre aplicar a lógica de efeitos visuais digitais para ter controle total da narrativa, e em “Invasão a Las Vegas” ele repete esse esquema de olho na esperança de que a fisicalidade do horror envolvido se traduza pelas vias da ação. Neste sentido, Dave Bautista e seu físico avantajado servem como espécie de band-aid pros anseios da história: enquanto o digital providencia escala ao longa, ao ator e ao resto do elenco cabe a missão de manter a tensão pela navegação dentro do volume.

Em tese essa proposta flerta com os games como todo filme do diretor – e neste ponto faz sentido os zumbis terem seu próprio sistema de castas e um “imperador” – mas o próprio Snyder bota tudo isso a perder ao assumir a fotografia. Existe uma fina ironia aqui, pois alçado como autor desde os tempos do crédito de “visionário”, o cineasta parece almejar com esta estreia na função o mesmo tipo de controle visual que Alfonso Cuarón e Paul Thomas Anderson tiveram respectivamente em “Roma” e “Trama Fantasma”. Na prática, porém, o resultado é o oposto, com “Army of the Dead” reduzindo sua ambição a uma estética seca e de muita câmera na mão, que parece vinda das produções de ação de home video, onde a falta de orçamento obriga os realizadores a manobras do tipo sem grandes floreios.

Sufocamento é um termo que define com exatidão o resultados das decisões estéticas do filme

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Além de todos estes fatores, há ainda a tendência habitual do diretor por tramas rocambolescas – um “é tudo pelo personagem” que não por acaso cansa rápido quando aplicado a inúmeros elementos – e de escalonar eventos sem necessidade para um clímax explosivo, que certamente ajudam o longa a perder todo o gás conquistado em qualquer momento. Querendo ou não, “Army of the Dead” é um filme de Zack Snyder de cabo a rabo, o que é curioso dado que este seria sua primeira obra “genuína” em todos esses anos nos quais ele se mostrou incomodado com a “interferência externa” a ponto de voltar de novo e de novo aos trabalhos em busca de correções de rumo para exibir “sua verdadeira visão”.

Dá pra tirar várias conclusões a partir disso, mas pessoalmente me divirto com a ideia sugerida por Matt Lynch quando escreve que o filme é uma cópia do “Aliens, o Resgate” de James Cameron. Entre “Madrugada dos Mortos” e “Army of the Dead”, Snyder pelo menos continuou sendo a versão adulta de um jovem norte-americano dos anos 80, preso na própria cultura e nostalgia sem perceber.

“Army of the Dead: Invasão em Las Vegas” está disponível a partir desta sexta, 21 de maio, na Netflix.

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