- Cultura 1.jul.2021
“A Guerra do Amanhã” parece perdido entre gêneros e posicionamentos políticos
Filme do Amazon Prime Video tem muitas ideias, mas é incapaz de tratá-las como unidade
O novo filme original do Prime Video da Amazon aparentemente é bem simples. Em um futuro não muito distante, alienígenas estão exterminando a raça humana e, por isso, a sociedade do futuro volta ao passado para encontrar novos guerreiros para proteger a Terra. A partir disso, são incontáveis as possibilidades cinematográficas e ideológicas que poderiam ser seguidas por “A Guerra do Amanhã”, e aparentemente o próprio diretor Chris McKay e o roteirista Zach Dean ficaram um pouco perdidos com as possibilidades – principalmente no que tange à “mensagem” da obra.
“A Guerra do Amanhã” quer ser simultaneamente um “filme de mensagem” (com aspas gigantescas) e um blockbuster de ação, mas o problema é que as duas coisas são praticamente paralelas. A ação é sim muito interessante, tanto pelo trabalho do astro Chris Pratt e dos coadjuvantes quanto por todo o esforço de McKay e de seu diretor de fotografia, Larry Fong, para construir planos gerais que explorem toda a vastidão do cenário apocalíptico. O futuro de “A Guerra do Amanhã” é uma imensidão de espaços vazios e sem vida, ocupados por armas mas esvaziados de humanidade – afinal, na história ela está em extinção.
Essa ação também é beneficiada pela abordagem frontal do diretor. Se os primeiros vinte ou trinta minutos de “A Guerra do Amanhã” são dedicados a sedimentar os laços entre os personagens, explicar o conflito central da trama e apresentar o público e os guerreiros ao futuro apocalíptico, o restante do filme é dividido praticamente em blocos de enormes sequências de ação. Não há nada muito inovador, mas McKay consegue – principalmente na primeira grande cena do filme – estabelecer um clima de vulnerabilidade humana muito importante para o desenvolvimento da batalha contra os alienígenas, que parecem de fato prontos para exterminar a civilização a qualquer momento.
O problema surge justamente entre os blocos de ação do filme. Quando reduzem a marcha para desenvolver o lado humano de seus personagens, os realizadores de “A Guerra do Amanhã” simplesmente não sabem o que fazer. Em um momento, o filme sugere que vai discutir a crise ambiental mundial que causa as mudanças climáticas; em outro momento, relações familiares viram o foco – com direito a plot twists que, pela total incapacidade de McKay de articular um drama, não possuem impacto algum; já no clímax, as ideias chegam a se alternar e, claro, tudo acontecendo totalmente à parte da ação.
McKay consegue estabelecer um clima de vulnerabilidade humana muito importante para o desenvolvimento da batalha
Ambas as pautas (a ambiental e a familiar) são válidas, como várias outras, mas surgem de forma tão atabalhoada que não têm a mínima chance de cativar o espectador. Pelo fato de haver essa gritante divisão entre a ação e a esfera emocional e ideológica do filme, quaisquer pautas que apareçam ao longo dos 140 minutos de “A Guerra do Amanhã” parecem natimortas por serem inseridas a fórceps na jornada do protagonista e de seus aliados. É nítido como falta alguma habilidade de espalhar melhor o desenvolvimento das ideias políticas ao longo do filme; desenvolvê-las também durante a ação seria o mais lógico.
Mesmo que McKay faça boas composições aqui e ali, o cineasta não parece acreditar na força da própria imagem e recorre a cenas que são, basicamente, os atores lendo um discurso ambientalista da ONU ou um manifesto pró-família de qualquer instituição cristã. Pondo de lado a ironia do filme abraçar ao mesmo tempo uma pauta progressista e outra conservadora, o problema aqui nem chega a ser nenhuma das duas pautas e sim o fato delas não serem um elemento do filme, mas uma torta arremessada na cara do espectador. “Você vai ouvir nosso discurso politizado, quer você queira ou não” deve ter dito algum produtor no set de filmagens.
Quaisquer pautas que apareçam ao longo dos 140 minutos parecem natimortas por serem inseridas a fórceps na jornada
A constatação mais triste é a de que os esforços para fazer um conteúdo politicamente relevante e palatável sufocam todo o restante do filme. Se na primeira cena de ação há um esforço para construir um clima de terror que precede o primeiro encontro entre humanos e alienígenas, isso não tem continuidade pois, ao fim da cena, o filme parece regredir seu ritmo e protelar com diálogos que não levam a lugar algum e não dão continuidade ao que foi construído antes.
Assim, “A Guerra do Amanhã” até aproveita bem as oportunidades que tem para criar boas cenas de ação, mas vê seus esforços para mesclar o gênero com ficção-científica e terror serem sabotados por uma latente necessidade de tornar as agendas o ponto principal da narrativa. McKay parece não perceber que as pautas são sim importantes, mas em um filme só fazem sentido se chanceladas pelo elemento cinematográfico. Filmar um tiroteio interessante entre soldados e invasores alienígenas não é o bastante a partir do momento que “A Guerra do Amanhã” parece usar tudo como desculpa para defender suas ideias de forma praticamente externa ao gênero. Temos assim um filme perdido, confuso e sem foco.
“A Guerra do Amanhã” estreia no Amazon Prime Video no dia 2 de julho.