- Cultura 28.jul.2021
“Jungle Cruise” é o tipo de aventura divertida que parece ter sido esquecida por Hollywood
Jaume Collet-Serra presta bela homenagem a gênero sufocado pelos blockbusters de ação sombrios, realistas e (principalmente) tediosos
Uma estudiosa britânica viaja com seu irmão desajeitado para outro país à procura de uma antiga lenda local. Para sua decepção, o único capaz de guiá-la nessa expedição é um sujeito problema, de caráter duvidoso e assombrado por um passado que se recusa a deixá-lo em paz. Essa descrição poderia muito bem se encaixar no maravilhoso “A Múmia”, filme de 1999 dirigido por Stephen Sommers, mas é sobre o novo blockbuster da Disney dirigido por Jaume Collet-Serra, “Jungle Cruise”. Felizmente, as semelhanças não param por aí: como “A Múmia”, “Jungle Cruise” é um exemplar de aventura despretensiosa e divertida que parece ter sido esquecida por Hollywood nos últimos anos.
O longa soa muitas vezes como se Collet-Serra pegasse o trio principal de “A Múmia” e os levasse em uma expedição pela Amazônia, similar à jornada de “Z: A Cidade Perdida”. Apesar da similaridade na ambientação com o filme de James Gray, porém, o cineasta de origem espanhola tem interesses cinematográficos bem diferentes. “Jungle Cruise” não está preocupado com legado familiar, com a conquista do próprio destino, ou qualquer tema grandioso do tipo; aqui, o cineasta faz o que faz melhor, um filme que honra as tradições de seu gênero de forma rígida, mas moderna.
Se em “A Órfã” e em seu último filme, “O Passageiro”, Collet-Serra fez exemplares muito respeitosos de filmes de terror e ação, o diretor agora escolhe fazer uma aventura como pouco se vê no cinema multimilionário contemporâneo. O gênero é predominante do primeiro ao último quadro projetado na obra inspirada na atração do Walt Disney World. Chegamos, inclusive, a perceber como o roteiro de Michael Green, Glenn Ficarra e John Requa se esforça vez ou outra navegar por outros gêneros, como o romance, o terror e a ação, mas Collet-Serra sempre parece pronto para fazer tais inserções sem abandonar o espírito proposto de pura aventura.
Quando algum outro gênero é apresentado, entretanto, ele não sequestra “Jungle Cruise” para si, mas apenas aparece inserido dentro do contexto aventureiro. O romance surge de forma tão espontânea e simples que até pode soar rasteiro para alguns espectadores, mas defendo: é simples justamente porque assim como o drama, o terror e a ação, ele está lá à serviço da narrativa como um todo, e não para fazer da obra um monstro de Frankenstein de gêneros que não põe a âncora de sua jangada em nenhum lugar – como é o caso de tantos blockbusters contemporâneos que, na indecisão entre comédia, drama e etc., acabam não tendo tom algum. Tom é o que não falta no cinema de Collet-Serra.
Collet-Serra sempre parece pronto para fazer inserções sem abandonar o espírito proposto de pura aventura
O jeito com que toda a selva amazônica de “Jungle Cruise” é filmada e fotografada já denuncia a vontade de Collet-Serra de fugir da seriedade e dar um ar despojado para o filme. Chega de filmes acinzentados que miram na seriedade e acertam no tedioso: “Jungle Cruise” tem um cenário dourado, vívido, sem nenhum medo de soar cafona e fantasioso. Animais inteligentes e caricatos, um herói sacana e de caráter duvidoso e vilões extremamente cartunescos é o que temos aqui. E o melhor, sem o peso de precisar alternar profundamente entre gêneros, até mesmo quando o filme flerta com o terror – um dos núcleos antagonistas traz seres amaldiçoados iguaizinhos aos tripulantes do Holandês Voador de “Piratas do Caribe”.
“Piratas do Caribe”, aliás, que talvez seja o ponto central da mudança de rumo das aventuras hollywoodianas. Se o primeiro filme mescla terror e drama mas sem nunca fugir da aventura, as sequências são cada vez menos aventurescas e mais sombrias, como se rejeitassem justamente o elemento que tornou “A Maldição do Pérola Negra” o sucesso que é. Curiosamente, a partir dali – e também da trilogia “O Cavaleiro das Trevas” – a aventura começou a ser cada vez mais rara nos grandes orçamentos da indústria. A retomada proposta por Collet-Serra é não só uma homenagem, mas também um lembrete de como o gênero pode ser prazeroso.
“Jungle Cruise” tem um cenário dourado, vívido, sem nenhum medo de soar cafona e fantasioso
É curioso perceber como o carinho de Jaume Collet-Serra pela aventura reflete até mesmo nos personagens. Quando Lily (Emily Blunt) está montando a equipe para embarcar em sua expedição por uma árvore com poderes de cura milagrosos, ela está praticamente decidida a usar a embarcação do poderoso Nilo (Paul Giamatti), mas quando o “Zé Ninguém” e trapaceiro Frank (Dwayne Johnson) se mostra um aventureiro completo, é com ele que a cientista quer seguir viagem. Quando Lily está fugindo de um grupo que quer roubar um artefato de seu pescoço, ela nunca segue as orientações de Frank para escolher caminho X ou Y, e vai sempre pela rota mais complicada – e, claro, o que trará mais percalços e aventuras. Há um desejo, uma pulsão pela aventura.
E assim, valorizando não o destino ou a mensagem, mas a trajetória, “Jungle Cruise” consegue ser uma homenagem a um dos gêneros mais subestimados do cinema nos anos 2000. É fazendo com que seus personagens não tenham medo de serem bobos, idealistas e nada realistas que o filme alcança a aventura despretensiosa que tanto gostaríamos de ver em um momento como o atual do mundo – presos em casa, loucos por uma aventura de verdade. Como faz falta um blockbuster que sabe ser ridículo sem perder o tom e, mais do que isso, sabe rir de suas próprias características.
Por menos filmes sombrios, sérios e chatos, e mais mentirinha. Cinema, afinal, nada mais é se não 24 mentiras por segundo.
“Jungle Cruise” está disponível para locação via Premier Access no Disney+ a partir da próxima sexta, 30 de julho.