"The Chair" traz discussões modernas e humor refinado em minissérie com cara de um bom filme indie
Imagem: Divulgação/Netflix

“The Chair” traz discussões modernas e humor refinado em minissérie com cara de um bom filme indie

Série da Netflix com Sandra Oh é uma dramédia que consegue abordar temas socioculturais de uma forma que mais levantam questões do que dão respostas

por Soraia Alves

AVISO: Este texto contém SPOILERS da minissérie, inclusive de seu último episódio.

Semanalmente, a Netflix nos oferece estreias dos mais variados programas, filmes e séries através de sua plataforma. O público acaba consumindo esse imenso conteúdo de forma fragmentada, de acordo com suas preferências pessoais, enquanto vê a plataforma destacar certos títulos e gêneros de maior apelo popular. Com isso, muitas vezes fica a sensação de que faltam mais conteúdos maduros e inteligentes estreando no catálogo da empresa. Para quem tem essa sensação, “The Chair” chega preenchendo tal lacuna como “conteúdo inteligente e adulto” da vez, assim como já fizeram séries como “Grace and Frankie” e “O Método Kominsky”.

Criada por Amanda Peet e Annie Wyman, com produção executiva de David Benioff e D.B. Weiss (os showrunners de “Game of Thrones”) e estrelada por Sandra Oh, “The Chair” tem ares de um bom filme independente, daqueles que se tornam queridinhos dos festivais de cinema. Além de uma produção simples, incluindo poucas mudanças de cenário, a própria história central, que se passa dentro do departamento de uma área de Humanas de uma universidade, já é a cara de um filme indie. A série é uma dramédia com humor refinado, que consegue abordar temáticas socioculturais da atualidade de uma forma que mais levantam questões do que dão respostas.

Da esquerda para a direita: Sandra Oh, Nana Mensah e Holland Taylor (Foto: Eliza Morse/Netflix)

Em “The Chair”, Sandra Oh é a Dra. Ji-Yoon Kim, professora da Pembroke University que acabou de assumir a chefia do Departamento de Inglês, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo na história da universidade. Num primeiro momento, a conquista profissional e a postura de chefe que Ji-Yoon adotará dali pra frente parece ser o que veremos como desenrolar da história. Mas esse é só um dos temas que se emaranham na trama, que ainda aborda pontos como a branquitude do mercado (e do mundo acadêmico), os conflitos geracionais entre professores e alunos (e entre os próprios professores), cultura do cancelamento e a militância dos jovens. No entanto, o que poderia facilmente se tornar um balaio de assuntos acaba sendo um reflexo realista do mercado de trabalho: quando uma mulher ocupa um cargo de prestígio, isso não acaba com o restante dos problemas estruturais de uma empresa. Mas uma mulher no poder será infinitamente mais cobrada por esses problemas que um homem no poder.

Com seis episódios na base dos 30 minutos, falta tempo à “The Chair” para aprofundar um pouco mais alguns problemas apresentados, especialmente em relação ao arco da professora Yaz, personagem de Nana Mensah. Ainda assim, os pontos claramente prejudicados aqui pelo formato minissérie não chegam a ser problemáticos a ponto de atrapalhar o desenrolar do enredo. Também não é problema que a história de Bill Dobson (Jay Duplass) tenha um coprotagonismo bem grande, inclusive porque contribui para levantar outros pontos em relação à própria personagem de Ji-Yoon: independente das regras da universidade, um homem como chefe do departamento seria tantas vezes questionado pelo envolvimento com uma colega de trabalho quanto Ji-Yoon é questionada sobre Bill?

A série é uma dramédia com humor refinado, que consegue abordar temáticas socioculturais da atualidade de uma forma que mais levantam questões do que dão respostas

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A relação entre Ji-Yoon e Bill também é dos temas sem respostas fáceis que a série levanta. Enquanto a professora batalha para se estabelecer no novo cargo e cuidar da filha adotiva de 7 anos, que está na fase de querer entender mais sobre suas origens, ele, também professor, passa por um momento de comportamentos autodestrutivos enquanto lida com a morte da esposa há mais de um ano. A química entre os dois é deliciosa, e em alguns momentos você se pega torcendo para que eles se acertem. Mas, lá no fundo, sabemos que tudo o que Ji-Yoon não precisa nesse momento é se envolver com alguém tão complicado, ao mesmo tempo que Bill também deve colocar sua vida no lugar e não usar alguém como tábua de salvação para os seus problemas.

Também é através de Bill que a série aborda a cultura do cancelamento. Ainda que esteja passando por um luto, o professor tem sido completamente negligente com seus alunos, embora não sofra qualquer pressão do reitor para se recompor como profissional. Bill é a figura masculina que, em seus privilégios, pode ser um babaca o quanto quiser sem sofrer penalidades. Isso mudo quando ele faz uma saudação a Hitler em sala de aula, como forma de piada. A cena viraliza nas redes sociais e os alunos pedem uma retratação formal do professor, que se recusa por achar um absurdo explicar que não é um nazista. Vendo o todo, é até possível entender o posicionamento de Bill, especialmente questionando quais têm sido os efeitos da onda moderna de cancelamentos. Mas, embora a série pudesse ter criado textos mais sólidos para os argumentos dos estudantes, também entendemos que eles só querem que um homem privilegiado arque com as consequências, pelo menos uma vez na vida.

Quando uma mulher ocupa um cargo de prestígio, isso não acaba com o restante dos problemas estruturais de uma empresa

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Ainda que trate de temas sérios, o tom cômico certeiro consegue sempre ser mantido, deixando tudo menos pesado do que num feed de rede social. Isso é ainda mais evidente com o arco de Joan, personagem de Holland Taylor, professora atuando há mais de 30 anos na universidade. Joan se vê desrespeitada de várias formas, seja perdendo sua sala ou sendo insultada por um aluno de forma anônima no site da universidade. Ao contrário de Ji-Yoon, Joan também nunca chegou a ter a oportunidade de ocupar o cargo de chefe do departamento, inclusive em dias de muito mais prestígio do mesmo. A trajetória de Joan, de certa forma, nos conecta com a constatação feita por Ji-Yoon: “Eu sinto que alguém me passou uma granada prestes a explodir por que eles queriam ter certeza que seria uma mulher segurando quando explodisse.”

“The Chair” acerta muito ao manter a dualidade entre o que é certo ou errado até o fim. É difícil definir quais são as decisões politicamente corretes que deveriam ser tomadas em cada situação, inclusive no episódio final. Ver Ji-Yoon sendo “deposta” de seu cargo nos causa tanta tristeza quanto alívio. Mesmo que os episódios sejam rápidos, o que afeta, de certa forma, a profundidade que algumas histórias poderiam ter, “The Chair” nos expõe a camadas que tornam os questionamentos superiores às próprias respostas. E isso é um dos pilares para o estímulo do pensamento crítico do público.

“The Chair” está disponível na Netflix.

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