- Cultura 11.jan.2022
“Dawn FM” ostenta a excelência do pop como o melhor álbum de The Weeknd
Excitação e melancolia andam de mãos dadas, e variação tão pontual torna a sequência de faixas de "Dawn FM" umas das mais interessantes dos últimos tempos
The Weeknd já é muito bem-sucedido há alguns anos, mas o combo 2020/2021 foi de total consagração para o artista. Com o lançamento do álbum “After Hours”, em 2020, Abel Tesfaye viu “Blinding Lights” se tornar a primeira canção na história a passar um ano todo no top 10 da Billboard. A faixa passou 52 semanas seguidas entre as mais ouvidas, sendo 43 delas no top 5. O artista também foi o nome do Super Bowl 2021, numa apresentação que, mesmo em tempos de pandemia, manteve o alto padrão do evento. E foi também no ano passado que The Weeknd anunciou um boicote eterno ao Grammy, depois que a premiação inexplicavelmente esnobou o tão badalado “After Hours”: “Não permitirei mais que minha gravadora envie minhas músicas ao Grammy”, disse o músico em entrevista ao The New York Times. Pois bem, agora o Grammy não poderá dar pitaco algum sobre o melhor trabalho de The Weeknd até hoje, o recém-lançado “Dawn FM”, mais um álbum bastante influenciado pelo contexto pandêmico, porém mais conceitual e grandioso que o antecessor.
Se “After Hours” foi o trabalho que chega mais perto de um equilíbrio entre o que The Weeknd quer e o que as rádios querem, “Dawn FM” pouco se importa com grandes hits para abastecer o ranking da Billboard. O álbum tem uma maior expressão da essência do artista, com faixas que aprofundam suas influências oitentistas de forma primorosa, caso de “Out of Time”, que imediatamente “nos traz “Human Nature”, de Michael Jackson à mente. Diga-se, os vocais de The Weeknd nunca estiveram tão bons. É fácil reconhecer outras influências, de Giorgio Moroder a R.E.M, referências que já foram muito presentes nas mixtapes que fizeram o artista se tornar conhecido, mas tornaram-se mais pasteurizadas em seus últimos trabalhos.
“Dawn FM” resgata essa maior experimentação, como na sequência de “How Do I Make You Love Me?” e “Take My Breath”, que vai deixar os viúvos de Daft Punk bem felizes. “Take My Breath”, por sinal, foi lançada como single em agosto do ano passado, mas chega ao disco em uma deliciosa versão estendida de quase 6 minutos.
O Grammy não poderá dar pitaco algum sobre o melhor trabalho de The Weeknd até hoje
Enquanto a primeira metade do disco é mais elétrica e dançante, a segunda parte, do total de 16 músicas, se joga não na pista, mas na contemplação. O álbum foi todo produzido por The Weeknd ao lado do famoso Max Martin e de Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never). Há ainda colaborações de Swedish House Mafia, Calvin Harris e Oscar Holter. As participações passam por Jim Carrey e Quincy Jones nas narrações entre faixas, além de Lil Wayne em “I Heard You’re Married”, e Tyler, the Creator e Bruce Johnston (The Beach Boys) em “Here We Go… Again”, faixa na qual Abel reflete sobre sua trajetória de artista desconhecido vindo de Toronto à estrela Super Bowl.
As duas partes funcionam como uma dualidade de estados de espírito. É fácil se identificar como ouvinte que flutua de uma hora para outra do estado eletrizante para o contemplativo, seja emocionalmente ou como resultado da instabilidade do “novo normal”. Excitação e melancolia andam de mãos dadas, e é essa variação tão pontual que torna a sequência de faixas de “Dawn FM” umas das mais interessantes dos últimos tempos. Ouvir o álbum rigorosamente na ordem é tarefa obrigatória para a completa experiência do trabalho.
É fácil se identificar como ouvinte que flutua de uma hora para outra do estado eletrizante para o contemplativo, seja emocionalmente ou como resultado da instabilidade do “novo normal”
Embora a autodestruição e relacionamentos pouco saudáveis ainda sejam temas das canções, talvez pela primeira vez haja um vislumbre de “dias melhores” nas composições de The Weeknd. Ainda que o contexto esteja mais ligado a uma paz na vida pós a morte. O conceito casa com aquilo que a própria capa do álbum já entrega: a ideia de evolução do ensanguentado The Weeknd de “After Hours” para um idoso talvez mais calejado com a vida. A passagem fictícia de tempo, no entanto, parece não interferir na melancolia e no medo vivenciados pelo personagem, e reforça a temática da morte.
Ainda pensando em conceito, Abel já falou em algumas entrevistas sobre “o desejo de remover The Weeknd do mundo”. É curioso imaginar que “Dawn FM”, como uma rádio fictícia transmitida do além, pode ser justamente o capítulo final do personagem. Como diz Jim Carrey já no início do trabalho, The Weeknd deve “caminhar para a luz e aceitar seu destino de braços abertos”. A glória é certa!