O velho Spielberg
A técnica de Spielberg em construir cenas embasbacantes é irreprensível. Ele fez fama surpreendendo o público e seus filmes não eram apenas filmes, eram eventos aguardados ansiosamente por meses. Não só as que dirigia, mas qualquer produção em que estivesse envolvido era sinônimo de uma viagem de duas horas numa montanha-russa desgovernada.
Porém, com o tempo Spielberg foi deixando a megalomania um pouco de lado para se envolver em temas mais profundos. Mesmo quando era grandioso e edificante, nunca se equiparava ao que tinha feito antes. O diretor andou por vários terrenos, como o policial comedinha, épicos de guerra e comédia romântica.
E “Guerra dos Mundos” é justamente a volta de Spielberg aos seus dias de megalomania. É o diretor mostrando novamente como fazer o público ficar de queixo caído. Tudo muito grandioso e surpreendente, mas com pouco que sobra no final.
“Guerra dos Mundos” é como um ovo de páscoa sem bombom dentro. Impressiona pelo tamanho, mas perde a graça depois de aberto. Não nego que é um filme que marca, tem cenas inesquecíveis, mas quando pode começar a traçar um paralelo com a nossa realidade, Spielberg muda o foco.
Muitos críticos disseram que Spielberg se acovardou. Discordo, pois como o próprio diretor disse, nem era a intenção fazer o filme ter qualquer tipo de mensagem. “Guerra dos Mundos” é diversão por diversão e ponto final, não espere mais nada.
E como Spielberg sabe muito bem lidar com alienígenas e entretenimento, faz dos Tripods imaginados por H.G. Wells alguns dos seres mais assustadores que já apareceram na tela grande. “Guerra dos Mundos” faz “Independence Day”, por exemplo, virar um filme dos Muppets.
Os extra-terrenos acabam com tudo sem dó nem piedade e a sirene que emitem antes de cada ataque faz arrepiar qualquer um. Eles são as estrelas do filme, apesar da atuação incrível de Dakota Fanning. Aliás, a menina nos surpreende em cada novo filme que aparece.
Efeitos digitais absolutamente realistas e um Spielberg que se permite auto-referenciar e beber de outras fontes muitas vezes. A cena na casa da Tim Robbins é muito similar ao que vimos no maravilhoso “Sinais” de Shyamalan, por exemplo, com direito a escuridão e tudo.
Spielberg também controla cada detalhe com maestria. Acerta ao permanecer o tempo tudo mostrando o acontecimento pela ótica de uma família, e não apelar para cenas que mostrem o resto do mundo sendo atacado. É como se o próprio espectador também estivesse no meio da história.
E o que ele faz com a camera na cena em que Cruise está no carro fugindo com os filhos é fantástico. Ao longo de “Guerra dos Mundos”, você vai encontrar muito mais cenas para comentar durante algum tempo após a sessão, mas acaba aí.
Os humanos sendo jogados em gaiolas e usados como coisas pelos Tripods, assim como fazemos com muitas espécies aqui na Terra, daria muito pano pra manga, mas Spielberg prefere deixar isso pra lá. Quando a filha de Cruise pergunta se são os terroristas, seria uma ótima hora para confrontar a política do medo americana, mas o diretor também muda o foco para um pouco mais de transeuntes sendo desintegrados.
Mas o que falta no conteúdo, sobra na manipulação que o diretor faz na tensão e nervosismo do público. Sobra em imagens grandiosas e que resumem a que ponto a tecnologia se encontra. Se você quer o Spielberg que se acostumou a ver na infância, vai se sentir em casa com “Guerra dos Mundos”.
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