Falando de Disney para falar de Jobs

Falando de Disney para falar de Jobs

por Cris Dias
Falando de Disney para falar de Jobs

Eu sou um filho da reserva de informática, todos meus computadores sempre foram montados no Brasil (vários lá em casa mesmo) e meu primeiro Mac só veio em 2007, sem muamba e com processador Intel, coisas inimagináveis para os maczeiros velha escola até pouco tempo antes. Por isso meu sentimento com a morte de Steve Jobs é menos de “os produtos desse cara me acompanharam a vida toda” como é o caso de vários leitores e amigos e mais pelo sentimento de perda de um cara que fez história e que impactou a vida até mesmo de que não era cliente da sua empresa.

Ontem, dia em que Steve Jobs foi derrotado pelo câncer, eu cheguei exatamente na metade da (gigantesca) biografia de Walt Disney escrita por Neal Gabler. Eu não sou o primeiro a chamar Steve Jobs de “o Walt Disney moderno” e quanto mais tenho contato com a biografia do outro gênio da criatividade mais sou levado a fazer a comparação entre estes que devem ser os dois caras que mais influenciaram a cultura à minha volta. Por isso talvez a melhor maneira de homenagear Jobs é falando de Disney.

Grandes impactos dos estúdios Disney no desenvolvimento do cinema e da animação não foram necessariamente invenções de Walt e sua equipe. Só que foram seus primeiros desenhos com som e, mais tarde, com cor que mostraram o verdadeiro potencial da tecnologia, que fizeram todo o resto do mundo olhar e pensar “Agora entendi”. E mesmo nas invenções genuinamente originais do estúdio, Walt era só a visão, a fagulha da ideia, com seus funcionários (muitas vezes incrédulos) correndo atrás para implementar.

Disney não era considerado um bom desenhista (exceto quando criança), um bom roteirista, um bom diretor… Mas ele era força por trás de cada desenho, de cada cena, de cada ângulo. Ele representava a cena para sua equipe que depois saía para tornar aquilo tudo realidade. Walt não segurava a caneta ou pincel mas ninguém é louco de dizer que os filmes não eram um fruto direto do seu trabalho e genialidade.

Walt Disney tinha, acima de tudo, a qualidade fundamental de todo empreendedor: nunca estava satisfeito com a maneira como as coisas eram feitas por outras empresas, seja lá em que área de atuação. Sempre dizia “Pensei numa maneira de fazer isso melhor”, ia lá, fazia e mostrava que (na maioria das vezes) estava certo, sem medo de errar.

Ele também nunca estava satisfeito com o que já tinha realizado. O sucesso de “Branca de Neve” — o primeiro longa-metragem animado da história — seria capaz de garantir sua aposentadoria e do irmão e sócio Roy antes de chegarem aos 40. Mas Disney não parou ali e foi fazer “Pinóquio” (sucesso de crítica mas um fracasso de bilheteria que botou a empresa de novo no vermelho), “Bambi” e “Fantasia“. Também foi construir um novo estúdio segundo o seu conceito de como deveria ser um ambiente de trabalho ideal. E tudo isso, os 3 filmes e a construção do estúdio, ao mesmo tempo.

Depois foi fazer longas com atores de carne-e-osso, mudar o conceito de parque de diversões, investir na TV… Walt Disney sempre estava pensando na próxima plataforma e na próxima revolução, sempre em frente.

Sem falar que funcionários e parceiros viam Disney como uma figura quase divina. Não era exatamente delicado no trato dos funcionários, botava a galera pra ralar o coco na ostra, mas estava preocupado em remunerá-los por seus feitos e não poupava verba para suas empreitadas criativas. Todos os funcionários o chamavam simplesmente de Walt.

É claro que isto é só um texto metido a sabichão e a história dos dois tem várias diferenças. Walt Disney era bem melhor no trato com as pessoas que Jobs e tinha uma atitude mais humilde em geral. Nunca foi colocado para fora de sua própria empresa pelos acionistas. Jobs nunca foi um cara técnico enquanto Walt chegou a trabalhar como ilustrador e animador. E Jobs nunca foi acusado de ser anti-semita. É no legado profissional, na mudança da cultura popular e na maneira de encarar como as coisas devem ser feitas que achei as semelhanças.

Não é por acaso que, nas idas e vindas empresariais de Steve Jobs ele acabou sendo o maior acionista individual da Disney. Não dá para ser Steve Jobs e não ter Walt Disney como guru. Só é triste ver que os dois só foram derrotados por esta doença maldita.

O sentimento de tristeza hoje não é pela perda de um ídolo, ou um parente. É a tristeza pela morte em si, em ver nossa fragilidade no universo. É pela perda de um cara que servia de exemplo profissional para muita gente (já que era controverso em várias outras áreas, especialmente no lado pessoal). É em ver que por mais que a gente corra atrás não vai conseguir chegar nem perto do que um desses caras conseguiram. É como ver um super-herói morrer. A vida segue, mas agora ela fica um pouco menos interessante.

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