“World War Z”: A Guerra de Todos Nós
Longa produzido e estrelado por Brad Pitt mergulha nas decisões do fim do mundo e faz perguntas cujas respostas podem desagradar, mas precisam ser perguntadas
Pensar no fim é algo transformador, por isso, talvez, Gene Roddenberry não tenha acertado ao descrever a fronteira final, afinal, mesmo desbravando o espaço, continuaremos reféns da inevitável data de expiração de todo ser humano. A ficção científica, o cinema e a literatura adoram esse assunto por uma questão muito simples: ele redefine questões morais, mostra o cerne de cada indivíduo e testa limites como nenhum outro. É nisso que “Guerra Mundial Z” e Brad Pitt apostam ao jogar um sujeito no rodamoinho catastrófico de um levante zumbi. Há correria, há insegurança, mas, acima de tudo, há um homem colocado entre a perda da família e a única esperança do mundo todo.
Lembrar do trabalho de Vincent Price em “Mortos Que Matam”, Charlton Heston em “A Última Esperança da Terra” e Will Smith em “Eu Sou A Lenda”, a trilogia de adaptações da obra do recentemente falecido Richard Matheson, é de bom tom ao ponderar sobre o fim dos tempos e os últimos resquícios da Humanidade. Por isso a obra foi, justamente, adaptada três vezes. Há algo especial ali. Há algo assustador. Um homem só perante um mundo no qual ele é a ameaça, ele é o agressor, no qual ser humano significa ter os dias contados.
O personagem de Brad Pitt em “Guerra Mundial Z” não foge disso. Ou ele encontra uma salvação, ou todos morrem. Sua família morre. Não há opção e é disso que adaptação do livro de Max Brooks trata. Distante da estrutura em forma de depoimentos póstumos de sobreviventes da tragédia presente no romance, o filme dirigido por Marc Foster aposta no encadeamento direto de ações e a escalada da seriedade da situação, tudo acontecendo ao redor do personagem, claro, até o sacrifício final.
Mas quais as razões desse fascínio com o fim mesmo depois da passagem do Fim do Calendário Maia? E por que da fixação por zumbis ou criaturas oriundas de erros da própria Humanidade? Arrisco uma sugestão: queremos sobreviver à maior de todas as provações; queremos dizer a nós mesmos que, mesmo quando há mais esperança, algo de bom pode acontecer. É uma questão que mistura auto-estima com uma resposta à cada vez mais ínfima contribuição de cada um à sociedade. O mundo ficou maior, portanto, nossos atos são mensurados em maior escala, incluindo diversos países e povos. Aqui cabe uma analogia de “Peixe Grande”: podemos ser peixes gigantescos em nossos lagos locais, mas perdemos a relevância quando, pela primeira vez, mergulhamos no oceano.
Para responder à segunda pergunta, lembro de algo dito por James Cameron a este repórter, quando conversamos sobre a tendência mais terráquea a da última onda da ficção científica. Cameron falou sobre, depois de anos de exploração de ideias alienígenas e distantes da realidade, podemos ter resolvido voltar a olhar para nós mesmos, nossos limites internos (como os sonhos de “A Origem”) ou a enfrentar medos com invasões à Terra (“O Dia Em Que a Terra Parou” e “Battle LA”, por exemplo).
Se ele está certo e cansamos de olhar para fora, o inimigo está aqui dentro. Em tudo que fazemos e no que almejamos para, quem sabe um dia, vencer a última barreira. Logo, mutações criadas em laboratório, doenças descontroladas ou experimentos falhos letais são as bolas da vez. O roteiro de “Eu Sou a Lenda” foi sutil ao atrelar uma eventual cura do cancer com a mutação que assolou o planeta. Entretanto, as razões não devem ser tratadas como o ponto-chave dessa discussão, afinal, elas são as mais arbitrárias possíveis especialmente por se tratar de extrapolação. Esses personagens funcionam pela junção “medo dos erros dos humanos + necessidade de sobreviver”.
E é dessa forma que grandes histórias apocalípticas são montadas. Sobreviver, normalmente, é o objetivo e todo o resto gira em torno dessa possibilidade, causando empatia, desespero e a torcida pelo protagonista. Brad Pitt já é carismático ao extremo, então, a coisa mais fácil do mundo é acreditar que ele vai salvar todo mundo! O trabalho do roteiro – que foi pontuado por problemas, diversos roteiristas envolvidos e re-redações de emergência – foi colocar essa norma em cheque enquanto ele monta um quebra-cabeças impossível em um mundo em colapso.
Distante da estrutura com depoimentos póstumos de sobreviventes presente no livro, o filme aposta no encadeamento direto de ações e na escalada da situação
O resultado é uma boa mistura entre tensão, catástrofe, política e, acima de tudo, família. Teoricamente, é fácil se envolver; é fácil esperar por uma salvação incerta; e é mais fácil ainda nunca mais entrar num avião do mesmo jeito depois de ver uma das cenas mais malucas do filme. Colocaria os zumbis de “Guerra Mundial Z” no mesmo patamar que as criaturas alucinadas de “Eu Sou a Lenda”, mas com um agravante: eles se movem como um vírus, espalhando-se velozmente, criando novos zumbis (cujo tempo de conversão é mostrado brilhantemente logo no início do filme); e envolvendo tudo em seu caminho. Imagine um homem tentando lutar contra as ondas. O resultado é o mesmo. Esse elemento, inclusive, ajuda muito na narrativa da história, já que o comportamento da turba infectada é outra dica sobre o que, de fato, está acontecendo.
É interessante escrever sobre esse filme, pois, com certeza, tive os mesmos questionamentos que Max Brooks teve enquanto escrevia “Filhos do Fim do Mundo”, por conta das semelhanças estruturais e do personagem principal. As discussões são outras, o livro de Brooks não tem nada a ver com o meu e o cenário também é bem diferente, mas o processo criativo parece ter passado pelos mesmos percalços e perguntas para se criar um mundo em colapso. Também interessante é a semelhança da linguagem visual e o dinamismo moderno. Esse foi um dos grandes diferenciais de “Filhos”, afinal, apostar numa linguagem direta e praticamente jornalística foi garantia de choque literário em muitos leitores. Provocar é necessário.
E Marc Foster faz isso, ao concentrar seus esforços no protagonista, mostrando o aspecto global aos poucos, conforme ele se movimenta, e sem usar muitas muletas. A comunicação moderna é mais pessoal, nos acostumamos a consumir informações por pontos de vista e a neutralidade (sempre utópica) do jornalismo desapareceu, então, acompanhar tudo dessa maneira faz sentido e tem uma vantagem: gera mais perguntas, mantendo o público curioso.
Considerando tantos problemas de produção, WWZ é efetivo, mas cria arcos emocionais de forma preguiçosa
Há muitos pontos positivos. Bons efeitos especiais. Ótima atuação de Pitt. O uso de atores fortes (Matthew Fox, David Morse e James Badge Dale) em papéis coadjuvantes bem simples. E uma história efetiva. Porém, houve desleixo em alguns momentos e um deles pode colocar tudo em cheque – provavelmente por um erro de edição – em uma cena no terceiro ato. Considerando tantos problemas de produção, o filme é efetivo, mas criar arcos emocionais de forma preguiçosa é um problema grave. Fica difícil falar sem dar spoilers, mas imagine prometer que algo vai acontecer só para aumentar a tensão e, do nada, a ameaça ser sumariamente descartada e ignorada. Deus Ex Machina em ação!
As perguntas sobre nossos limites sempre vão continuar. As redes sociais mostram que o maior desafio humano atual é sobreviver à exposicão exagerada da timeline alheia; e, pelo jeito, estamos perdendo a briga. Então, imaginar situações realmente extremas, definitivas e capazes de afetar a vida de todos aqueles que amamos ainda vão pontuar centenas de roteiros, livros e histórias. Afinal, Ser Humano é a fronteira final.
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Fábio M. Barreto é roteirista e escritor da distopia “Filhos do Fim do Mundo”, que foi publicada antes do filme estrear! :D