“O Jogo do Exterminador”: A resistência masculina
“Ender’s Game”, adaptação do romance de Orson Scott Card, chega aos cinemas com atuação fantástica de Harrison Ford
Enquanto os grandes estúdios brigam pelo blockbuster multimilionário do ano, um novo mercado se formou em torno de companhias menores numa constante busca pela próxima cinessérie de sucesso. Tudo por conta do sucesso recente da Summit Entertainment (que já está no mercado desde os anos 1990 e que tem o oscarizado “Guerra ao Terror” no currículo), com seus filmes altamente rentáveis e de custo modesto (“Em Chamas” custou cerca de US$ 78 milhões), que evitou os tropeços da New Line (que fez “O Senhor dos Anéis”, mas, mesmo assim, faliu poucos anos depois) e se estabeleceu como a casa das adaptações para o público adolescente.
Se a empresa fez o dever de casa no aspecto financeiro, também tem feito no aspecto criativo. O conceito é que a cada megahit, você financie outros 5 filmes menores e, quem sabe, não acerte na loteria novamente. O resultado tem sido fantástico e permitiu que um dos marcos da ficção científica norte-americana chegasse às telas.
É importante contextualizar, pois tudo joga contra “O Jogo do Exterminador”: material antigo, penetração razoável no exterior e, o mais importante mercadologicamente, distanciamento com a garotada que consome cinema e literatura hoje em dia. Mas a surpresa está justamente nessas “diferenças”, pois, essencialmente, Orson Scott Card definiu muitas das regras seguidas pelos heróis e heroínas da atualidade. Ender Wiggin é um jovem inovador, capaz de ultrapassar limites para atingir seu objetivo e com a chance de não salvar apenas um mundo, mas a raça humana!
O diferencial de “O Jogo do Exterminador” está na natureza militar da história
A mensagem é grandiosa, inspiradora, imutável e assustadora: lute, conquiste seu lugar e transforme o mundo à sua volta. De certo modo, não é essa definição do ser humano? A busca pela evolução e pela realização. O diferencial de “O Jogo do Exterminador” está na natureza militar da história. Harry Potter foi para a escola de bruxaria, Ender Wiggin foi para a Escola de Combate e aprendeu a ser um general.
Não há muito espaço para o deslumbre ou elementos lúdicos nessa história, afinal, vida e morte são conceitos sempre presentes. Ender entende isso e, mesmo em suas ações corriqueiras ou no lido com os valentões da escola, ele é efetivo e brutal. O exemplo clássico do arco do herói que precisa encontrar o equilíbrio entre a emoção extrema da irmã e a violência desregrada do irmão – ambos rejeitados pela Academia.
A atualização visual fez bem a “O Jogo do Exterminador”, pois pode aproximar conceitos como a Sala de Batalha e as próprias simulações de combate comandadas por Ender da linguagem dos videogames. Alias, fosse mais famoso (quem sabe com o filme), ele seria um dos grandes heróis dos jogadores modernos. Ele é Neo, ele é Luke, ele é Potter, ele é Katniss e a lista continua, mas ele é o único capaz de acabar com uma guerra.
Esse conceito é bem interessante, e atual (se contraposto à guerra ao Terror de George W. Bush), além de permitir a Ender fazer uma crítica brutal ao militarismo do qual é tão dependente. Ele é o comandante capaz de encerrar o conflito entre humanos e insetos de maneira definitiva – e terrível. Ao mesmo tempo, ele também pode fazer isso de modo pacífico, não fosse a manipulação à qual é submetido.
Você luta por acreditar realmente ou simplesmente pela imposição ou histórias que ouviu? Há um grande debate sobre a relação com nossos oponentes e Card é brilhante nesse aspecto: “no momento em que entendo meu inimigo, passo a amá-lo como ele se ama; quando o amo, posso destruí-lo completamente” (tradução livre).
Crescer rápido é necessário ou o destino é morrer como vítima dos mais espertos.
E o filme reconhece essa qualidade e lhe dá foco em mais um grande trabalho de Asa Butterfield (“A Invenção de Hugo Cabret”), que faz frente a um Harrison Ford energizado e de volta à boa forma, e Sir Ben Kingsley em versão guerreiro Maori. Harrison Ford vem retomando uma sequência de ótimas atuações (assim como em “42”) e se torna indispensável a essa adaptação.
A obra original já trabalhava a questão da juventude mais curta e vemos nisso na responsabilidade e nos ensinamentos recebidos pelos jovens recrutas. A preparação é brutal, assim como a dura realidade da vida adulta. Crescer rápido é necessário ou o destino é morrer como vítima dos mais espertos. “Nunca me senti como uma criança. Sempre fui uma pessoa – a mesma pessoa que sou hoje”.
Os conceitos relevantes estão por todos os lados e, felizmente, são utilizáveis na vida moderna. A relação com os jogos, conflitos, preparação acadêmica, vida social, respeito racial, fé, trabalho… destino. Essa é a principal razão pela qual “O Jogo do Exterminador” nunca perdeu força ao longo de três décadas e pela qual ele pode não ser um sucesso estrondoso de bilheterias, mas vai continuar transformando mentes e estimulando o debate.
“O Jogo do Exterminador” é um festival de acertos num filme efetivo e, mesmo que distante de se transformar em um hit, marca o gênero
Esse tipo de discussão é necessária perante o aumento da individualidade, o declínio na habilidade de interação interpessoal promovido pela internet e a quantidade de aprendizado não supervisionado. “Jogos Vorazes” faz um pouco disso ao promover o debate, mas sobre uma revolução pouco prática; Harry Potter estimula a amizade; “O Jogo do Exterminador” mistura tudo isso com ação, belos efeitos e um desfecho ainda surpreendente.
Saí do cinema IMAX maravilhado com o trabalho de Gavin Hood e a esperança renovada na boa ficção científica, num ano que já nos presenteou com “Gravity” e “Her”. Destaco a atuação certeira de Hailee Stienfeld, a força feminina do elenco, que também conta com um pequeno papel para Abigail Breslin.
“O Jogo do Exterminador” é um festival de acertos num filme efetivo e, mesmo que distante de se transformar em um hit, marca o gênero. A batalha ainda não terminou, mas desde quando precisamos contar ao inimigo que ele ganhou? Assista! E mostre a seus filhos e sobrinhos!
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Fábio M. Barreto é autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo” e voltou a ser uma criança sonhadora quando viu “O Jogo do Exterminador”