A parcialidade incontestável dos documentários da CNN

A parcialidade incontestável dos documentários da CNN

Emissora lança quatro documentários em pouco menos de dois meses e opta pelo partidarismo, em vez do jornalismo

por Fábio M. Barreto
CNN

O segundo semestre foi movimentado na programação de documentários originais da rede CNN. Depois de grande estardalhaço e uma campanha agressiva, o canal iniciou a transmissão de uma série de filmes – de acordo com a promessa – polêmicos e transformadores sobre temas como energia atômica, as Orcas do SeaWorld e o assassinato do Presidente John F. Kennedy. Todos eles, repletos de informação e com boa produção, mas, em dois deles, algo em comum: visão unilateral.

Documentários, idealmente, tem o objetivo de informar o espectador sobre um determinado assunto. Em muitos casos, o documentarista engajado utiliza o formato para contar uma história verídica por meio de depoimentos e informações, defender uma causa e promover a denúncia. Esse estilo é normalmente adotado pelo cineasta independente, cujo objetivo é vencer uma batalha, mostrar uma verdade assustadora, criticar algo ou alguém.

Entretanto, quando a marca CNN está envolvida, com o selo CNN Films, esperasse a pluralidade de ideias e a influência jornalística do canal no resultado final. O primeiro dos filmes da temporada foi “Blackfish”, um documentário agressivo e revelador sobre o tratamento dado às Orcas no SeaWorld e demais parques aquáticos da companhia por causa das diversas mortes de tratadores e treinadores.

Repletos de informação e com boa produção, mas algo em comum: visão unilateral

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Vários ex-funcionários do SeaWorld, familiares de vítimas e especialistas no tratamento de baleias foram entrevistados e defenderam as acusações de maus tratos, perigo para os treinadores, distúrbios comportamentais detectados nos animais por conta dos anos de cativeiro e o acobertamento dos casos fatais. O conteúdo é forte e vai direto ao ponto. Entretanto, não há um representante sequer defendendo a empresa ou, de maneira mais ampla, falando sobre os eventuais aspectos positivos do trabalho da companhia.

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Nesse caso, será que o outro lado não existe? O SeaWorld só se manifestou por meio de comunicado à empresa acusando o documentário de ser unilateral [ATUALIZADO: pouco depois da publicação desse artigo, a empresa criou um website dedicado a responder às alegações do documentário. Veja o contraponto aqui]. Bom, nesse aspecto, eles estão certos. É fácil comprar uma versão emocionante e assustadora; mas, uma vez passado o susto, a imagem pode perder força e relevância. É acusador, júri e carrasco num pacote só. Se o espectador tem a opção de tirar suas próprias conclusões, a mensagem nunca é esquecida e o efeito permanece.

O mesmo acontece em “Pandora’s Promisse”, vendido como um debate sobre Energia Nuclear, mas que não passa de uma defesa obstinada em favor da tecnologia. Para isso, o diretor utilizou especialistas, ativistas ambientais anti-nuclear nos anos 70 que se converteram depois de aprender e descobrir as verdades sobre as usinas atômicas e os problemas das outras fontes de “energia limpa”. Há muita coisa boa ali.

Um exemplo: sabia que a areia da praia de Guarapari é mais radioativa do que os prédios vizinhos a Chernobil hoje em dia? O documentário é bastante educativo e revela muitas informações sobre os novos reatores e a efetividade da energia nuclear contra eólica ou solar, que são mais baratas, mas dependentes de condições climáticas.

Enfim, é um documentário interessante, mas é tudo tão lindo e fantástico? Não acabamos de enfrentar o desastre em Fukushima? Se é tão seguro, por que o único país descrito como “esperto o suficiente para perceber tudo isso e adotar usinas nucleares como principal fonte de energia” é a França?

A defesa é clara: o monopólio do petróleo não quer que ninguém saiba. Muito disso é verdade, com certeza. Mas aí coloco a pergunta: é mesmo papel do documentarista pensar pelo espectador e tentar empurrar sua visão sobre os fatos?

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Tom Hanks tentou fazer isso no terceiro documentário da temporada “The Assassination of President Kennedy”, uma análise dos fatos, teorias da conspiração e efeitos causados pelo assassinato de John F. Kennedy. Esse foi o único dos três filmes a colocar opiniões contrárias em confronto direto. Ex-policiais, jornalistas, médicos, escritores e políticos que estiveram ligados ao caso de alguma maneira foram ouvidos e deixaram seu recado.

No meio desse tiroteio de opiniões, uma linha editorial sólida e bem direcionada vai mostrando reportagens de época, fotografias, vídeos, faz uso de vozes de peso como Walter Kronkite e muitos depoimentos de arquivo para alimentar ambos os lados. Foi um tiro só? Jim Grissom, protagonista do filme “JFK” foi apenas um aproveitador atraindo a atenção pública? Qual a importância do Warren Report? Por que Jack Ruby matou Lee Oswald? Tudo isso é abordado tanto pela visão da época quanto pela ótica, e perspectiva, atual.

Pensando em termos lógicos, essa temporada de documentários da CNN parece ser balanceada: um agressor (“Blackfish”), um defensor (“Pandora’s Promisse”), um meio termo (“The Assassination of President Kennedy”). Visto de forma ampla, pode até fazer sentido, mas o espectador é apresentado a cada produto de uma vez, em horário nobre, com roupagem de verdade absoluta por conta da edição normalmente emotiva e envolvente.

Pessoalmente, não volto mais ao SeaWorld. O filme me provocou a pesquisar mais e, por conta da pesquisa, acabei encontrando informações mais contundentes ainda e sacramentei minha impressão (afinal, o assunto é mais “simples” e palpável), por outro lado, não comprei uma fantasia de Homer Simpson ou saí por aí pedindo mais usinas atômicas.

A CNN fica no fogo cruzado entre a “TV para Republicanos Radicais” e a “TV do Democrata Feliz”

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Diferente do primeiro caso (que envolvia acusações criminais), cientistas e pesquisadores atômicos poderiam muito bem balancear os prós e contas do sistema. Não foram utilizados por opção clara do diretor. E, se ele optou por só mostrar um lado, prefiro não confiar muito nele. Ele pode estar certo e temos condições de construir novos reatores, seguros e efetivos, mas gosto de informações, não de propaganda. E, quando existe apenas um lado de uma história tão grande, que envolve vida e morte, há apenas um interesse. Ele age exatamente do mesmo modo que aqueles a quem critica.

Curiosamente, isso acontece em meio ao renascimento de um programa clássico da CNN: o “Crossfire”, cujo conceito envolve colocar defensores de dois lados de um determinado assunto e deixar o circo pegar fogo. No atual cenário de canais domésticos, a Fox News detém o título de “TV para Republicanos Radicais”, a MSNBC está no espectro oposto como a “TV do Democrata Feliz” e a CNN fica no fogo cruzado, tentando balancear sua cobertura e faz de conta ainda acreditar na neutralidade. O perfil dos documentários, e reportagens especiais, apresentadas recentemente vai contra essa imagem e, assim como seus concorrentes, o canal criado por Ted Turner parece estar extremamente interessado na tão criticada venda de opinião. E, pelo jeito, vale tudo.

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