O inspirador pessimismo de “True Detective”
Maturidade exigida, tanto dos criativos por trás da obra, como por quem assiste a história trágica e envolvente de Nic Pizzolatto
Coincidência ou não, neste fevereiro tenebrosamente quente conheci duas coisas que conquistaram minha atenção: Emil Cioran, filósofo e escritor nascido na região da Transilvânia (mas francês de coração); e “True Detective”, nova série da HBO. E se você não entendeu a razão dessa suposta coincidência, saiba que chegarei nela em instantes. Portanto, continuem comigo.
Para muitos a idéia de “ser feliz” não está relacionada a estados momentâneos, mas é vista (e desejada) como algo permanente: uma condição que devemos lutar e perseguir até alcançarmos. E de fato, alguns buscam essa suposta felicidade num parceiro(a), família ou até mesmo em algum deus ou religião. Inclusive isso vende bem: basta olhar a quantidade de livros, palestras e até treinamentos motivacionais em busca desse pseudo nirvana.
Mas como conciliar essa idéia de felicidade permanente ao fato de que nossa própria existência definha dia após dia, em uma caminhada inevitável para a morte?
Esse pensamento radical – “ser feliz ou infeliz” – esconde de nós um meio termo dessa afinação sentimental. Uma espécie de conformismo de que, queira você ou não, a vida é mais complexa e profunda do que isto. E justamente por essa condição, precisamos aceitar e entender que esse estado não é necessariamente tenebroso.
“Minha consciência tem, para mim, mais valor do que a opinião do mundo inteiro”, – Cícero.
O universo de morte e sofrimento (pano de fundo em “True Detective”) é retratado nas obras de Cioran, em uma linguagem radicalmente íntima e pessoal, definida por ele como “a tradução de suas próprias sensações”. E, acreditem ou não, de um jeito pessimista (ou realista?) o autor mostra que é possível existir satisfação / aceitação com a própria vida, sem a real necessidade de perseguir qualquer outra resposta pré-formatada pelos meios.
“True Detective” segue a escola “Breaking Bad”, dando significados subliminares para tomadas, objetos, cores e até posicionamento de personagens e elementos.
Neste momento eu poderia estar falando tanto de Cioran, como do detetive Rust Cohle, protagonista interpretado de forma inacreditável pelo Matthew McConaughey. Já que eles compartilham a mesma idéia, espírito e motivação (ou a falta dela).
Sombrio e misterioso, Cohle está mergulhado em um universo cínico, incoerente e mentiroso. Mas que, para muitos (como para seu parceiro Marty, interpretado por Woody Harrelson), deve ser aceito e respeitado. Pois “apenas seguindo as regras da sociedade poderemos encontrar paz e equilíbrio nas nossas vidas”. O que não acontece nem para Cohle (que nunca compra a idéia), nem para Marty (que a prega, mas não consegue colocá-la em prática).
“Me considero um realista, certo? Mas, em termos filosóficos, sou o que se chama pessimista. Acho que a consciência humana foi um erro na evolução. Nós nos tornamos muito auto-conscientes. E a natureza criou um aspecto da natureza separado de si mesmo. Nós somos criaturas que não deveriam existir pela lei natural”, – Detetive Rust Cohle
“Todos os seres são infelizes. Mas quantos sabem disso?”, – Cioran
Nic Pizzolatto (criador da série) comprime nossos sentimentos e emoções em uma atmosfera que, embora rica em detalhes, não oferece nenhum atalho para descobertas ou considerações pessoais. Fazendo a alienação dos personagens ultrapassar a tela e contaminar nossas teorias. E o detetive Rust Cohle (que é ateu, como Cioran) nos despe por camadas, convidando-nos para questionamentos maiores sobre a vida, nossas ações e – ainda assim – nenhuma expectativa para conclusões profundas. Isso exige maturidade tanto de quem assiste, como dos criativos por trás da obra. E como vocês podem imaginar: esse cuidado e excelência não falta na produção.
Com uma narrativa não linear de tempo e espaço, McConaughey surpreende na interpretação do detetive Rust Cohle
Sabemos que a “escola Breaking Bad” influenciou muita gente depois de uma jornada absolutamente impecável. E por mais que ambas as séries não tenham ligação, “True Detective” segue padrões similares, nos presenteando com significados subliminares em diversas tomadas, objetos, acordes cromáticos e até posicionamento dos personagens e elementos. Tudo conversa.
Por outro lado, essa intensidade no roteiro (e principalmente nas atuações) deixa claro que não haverá fôlego o suficiente para carregar isto por muito tempo. Talvez seja uma série de uma ou no máximo duas temporadas. E assusta um pouco imaginar se a HBO teria o mesmo culhão que Vince Gilligan teve ao finalizar “Breaking Bad” – caso “True Detective” apresente um excelente resultado na audiência, é claro.
Como espectadores, evoluímos a cada ano. Não por mérito nosso, mas dos atores e diretores, que aumentam o sarrafo do que fazem: alargando nossas expectativas cada vez mais. E não pestanejo em afirmar que Matthew McConaughey se torna, neste momento, um dos maiores atores dessa geração. Em uma narrativa surpreendente de tempo / espaço (a história é contada em épocas distintas), McConaughey surpreende com uma interpretação nada linear, que vive (sem forçar a barra) um mesmo personagem em épocas diferentes. Nos convencendo da sua deterioração física e espiritual em uma memorável construção de personagem.
“Nada prova que nós somos mais do que nada”, – Cioran
“True Detective” foi lançada em janeiro, e justamente por isso não contarei nenhum spoiler que estrague a experiência de vocês. Portanto, o único convite aqui é: ousem assistir, questionar e voltar aqui para compartilharem suas impressões.
E Ivan Mizanzuk: obrigado pela indicação.