Devassa é questionada nas redes sociais por material publicado em 2006
Trecho de livro foi questionado em meio ao ativismo do 'Nao Mereco Ser Estuprada', ainda que não tenha sido uma questão de ‘timing’ errado
Há poucos dias, uma pesquisa do Ipea chamou a atenção nas redes sociais: nela, 65% dos entrevistados alegava concordar que mulher que usa roupa curta merece ser atacadas sexualmente (!).
Revoltadas, as moças se reuniram em uma movimentação centralizada na hashtag #NaoMerecoSerEstuprada, que parte da obviedade da frase (ninguém merece, né?) para ressaltar o absurdo do resultado do estudo da Ipea.
Nesse meio tempo, voltou à tona uma reedição do ‘Manual de Boas Maneiras para Meninas’, do escritor francês Pierre Louÿs, que faz parte de uma coleção de clássicos da literatura erótica patrocinada pela Devassa e publicada em 2006. Em trecho destacado pelo ThinkOlga, lê-se:
“Se um vagabundo a encontrar num local deserto e a agarrar, deixe que ele a f*** de uma vez. É o meio mais seguro de não ser estuprada”.
Expliquem essa apologia ao estupro, @BemDevassa e @azougue. Isso é crime. #EmpresasQueFazemParteDos65% pic.twitter.com/pP7m4Xshig
— Think Olga (@ThinkOlga) March 31, 2014
Quem conhece o autor sabe que esse livro, lançado em 1926, é uma paródia pervertida dos livros de etiqueta do final do século XIX, o que levou a uma grande discussão nas mídias sociais sobre o retrato descontextualizado do trecho da obra; do jeito que ela foi divulgada, perde-se muita informação e dá-se a impressão de que a marca estaria se aproveitando do buzz, e de uma forma bastante negativa.
Não é recente o fenômeno de conteúdos serem ressuscitados nas mídias sociais, mesmo que não sejam recentes, pela sua pertinência. O curioso é que no caso da Devassa, tratou-se mais de uma ‘impertinência’, um material pinçado em um momento (e de uma forma) que faz com que ele seja mal recebido pelo público.
É de bom tom questionar se marcas e publicações deveriam rever todo o seu catálogo e se reposicionarem na mídia. Em pleno aniversário de 50 anos do Golpe Militar, diversos jornais do país têm passado pelo mesmo dilema. Foram apoiadores do regime ditatorial há meio século, e hoje quase que se desculpam por isso. Mesmo destacando que as opções da época se deram em “condições bem mais adversas que as atuais”, a Folha de S. Paulo não sai ilesa na visão de certo segmento do público.
Estaríamos vivendo uma época de condenações retroativas e descontextualizadas? Podemos mesmo condenar marcas e publicações por ‘erros’ do passado? Aliás, consideradas as conjunturas, teriam mesmo sido erros?
É bastante difícil falar de timing quando estamos julgando uma proposta de 2006 com um assunto de 2014. O Brainstorm#9 contatou a equipe da Devassa, que avisou que haverá um posicionamento oficial da marca sobre o caso em breve. Assim que essa publicação ocorrer, atualizaremos a matéria.
Atualização em 31/03/2014 às 19:11: A Brasil Kirin, detentora da marca Devassa, enviou o seguinte comunicado ao Brainstorm#9:
“A Brasil Kirin, por meio da marca Devassa, vem esclarecer os conteúdos postados e comentados recentemente sobre o patrocínio da marca à “Coleção Devassa – Manual de Boas Maneiras para meninas”. A Brasil Kirin esclarece que o patrocínio da coleção foi feito em 2006 quando a empresa não possuía gestão sob a marca Devassa. A Brasil Kirin esclarece ainda, que somente em 2007 adquiriu o controle acionário da marca Devassa. A Brasil Kirin conduz seus negócios de forma ética com respeito à dignidade de cada indivíduo e repudia qualquer ato discriminatório ou ilícito.”