[Refletor] E agora para algo completamente diferente

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Assistindo música no cinema

por Alexandre Matias
MP

De vez em quando uma estranha mania me faz assistir a shows em salas de cinema. Fui ver um do Chemical Brothers que fundia as imagens do telão do show às filmadas num próprio show. Ou um do U2 em 3D – confesso que nesse último houve um componente de curiosidade mórbida com a falta do que fazer. Mais de uma vez ameacei ver alguma dessas óperas do Met de Nova York que são transmitidas ao vivo para salas de cinema, eu que nem gosto de ópera.

Faço isso porque tenho uma ponta de curiosidade sobre como as indústrias cinematográfica e fonográfica podem reunir esforços para que a segunda se beneficie de algo que a primeira já tem – um suporte perfeito contra a pirataria. Estou falando da sala de cinema. Por mais que a tecnologia tenha melhorado substancialmente a qualidade da exibição de um filme em casa, ela não substitui a experiência coletiva de assistir a uma sessão de cinema com um monte de gente desconhecida.

Por bem ou por mal, isso faz parte da experiência cinematográfica. Entrar numa sala escura com centenas de pessoas que você não conhece e assistir, civilizadamente a um narrativa de imagem e som idealizada por um punhado de pessoas e realizado por dezenas, centenas, milhares de outras pessoas.

É algo mais ou menos parecido no mundo da música – mas não com o disco e sim com o show. Se compararmos com o cinema, o disco é o equivalente ao DVD ou ao velho VHS, em que você curte em casa, num ambiente controlado, senhor de seu tempo.

A qualidade da exibição de um filme em casa não substitui a experiência coletiva de assistir a uma sessão de cinema com um monte de gente desconhecida

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O filme no cinema é mais ou menos como o show – você não tem controle (não pode dar pause para ir no banheiro) e o fato de estar assistindo àquilo com outras pessoas ao seu redor causa uma sensação completamente diferente do que quando se assiste sozinho ou com um ou outro conhecido. Claro que os shows têm os elementos da espontaneidade e do ineditismo a seu favor, embora o início do século 21 favoreça shows previsíveis e imutáveis – ou, como dizem, “quem nem no DVD”.

Essa falta de espontaneidade do pop atual pode facilitar a transfusão dos shows para as salas de cinema, mas prevejo uma mutação deste espaço para que isso aconteça plenamente. Assistir a uma tela em fileiras ordenadas talvez seja o grande entrave para a música no cinema.

Digo isso porque assisti, domingo passado, à exibição de um dos shows da volta do grupo inglês Monty Python numa sala de cinema. Como todos os presentes na O2 Arena, em Londres, eu e os espectadores estávamos sentados em cadeiras enfileiradas, olhando em direção ao mesmo palco – ou tela, no nosso caso. Então havia uma equivalência natural entre os dois tipos de espetáculo.

Tanto faz se você estivesse em Londres ou numa sala de cinema no Brasil – você estava assistindo a trechos de um programa de TV de quase meio século de idade numa tela enorme

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No caso do Monty Python a previsibilidade era ainda mais gritante – e de propósito. O grupo de humor havia deixado claro que não escreveria nenhuma nova piada e apenas revisitaria seus clássicos. E lá estavam todos eles: a discussão agendada, o ex-papagaio, “wink-wink”, o ministério do “silly walk”, a canção do lenhador, “ninguém esperava a inquisição espanhola”, spam (um parêntese: você sabia que o termo spam – apresuntado, em inglês – foi utilizado para designar mensagens eletrônicas indesejadas a partir do clássico esquete do grupo inglês?). Fora as participações de Eddie Izzard e Mike Myers – e, claro, a ausência de Graham Chapman, que morreu em 1989 -, a apresentação foi mais um tributo à existência do grupo (e uma forma de recompensá-los financeiramente por seu legado) do que uma continuação de seu trabalho original.

Por isso, o espetáculo era chamado de “Mostly Live” – afinal já havíamos assistido àquelas piadas há anos. E também por reexibir esquetes clássicos originais num telão. Assim assistimos ao jogo dos filósofos gregos e alemães, a dança do tapa do peixe, a reencenação da batalha de Pearl Harbor e várias animações de Terry Gilliam exatamente como elas foram exibidas na época, mas num telão gigantesco. Naquele instante, tanto faz se você estivesse na O2 Arena em Londres ou numa sala de cinema no Brasil – você estava assistindo a trechos de um programa de TV de quase meio século de idade numa tela enorme.

Mas assistir àquilo no cinema causava uma sensação diferente do que ver em casa, na TV a cabo ou no DVD. Estávamos ali para ver uma obra do começo ao fim e, como o espetáculo original, o show manteve os mesmos quinze minutos de intervalo na exibição (afinal foram quase três horas de show/filme) e os poucos segundos entre o fim do show e o “bis espontâneo”, ironizado com uma legenda no telão.

Open Air
Nada disso matará a sala de cinema clássica, mas é uma expansão audiovisual inevitável que certamente iremos ver nos próximos anos

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E, mais importante, ríamos juntos. Às vezes gargalhávamos juntos. Um monte de desconhecidos compartilhando a experiência de assistir a um DVD ao vivo em conjunto. É questão de tempo para que esses shows de revival também revendam a experiência do cinema, mas se a sala de cinema é parecida com um teatro onde se assiste a uma comédia, a uma apresentação de música erudita ou uma peça de teatro, ela pouco lembra a experiência de um show. É comportada demais, travada demais.

Iniciativas que envolvem cinema e música são tendência há um bom tempo – até mesmo no Brasil: desde o já tradicional festival paulistano In-Edit (dedicado apenas a documentários sobre música) à recente novidade do Cine Joia (a sessão Cinestesia, que apresentará dois filmes clássicos no palco da casa de shows de São Paulo) passando pela transmissão de óperas ao vivo para o cinema tela de cinema ambulante ao ar livre Open Air, que sempre alterna filmes clássicos com shows de artistas brasileiros.

Mas é preciso ir além das poltronas enfileiradas. Fico imaginando telas imensas funcionando como iluminação imersiva de uma festa em que os filmes do Soulwax pudessem ser projetados ao nosso redor (se você não conhece os sets audiovisuais dos 2ManyDJs, baixe o aplicativo deles agora! ), por todos os lados. É claro que precisaríamos assistir a novas tecnologias sendo desenvolvidas para isso, mas imagine shows que se desenrolam nos aparelhos portáteis – ou até mesmo filmes feitos para serem vistos de pé (ou sentados no chão ou dançando).

Isso, claro, não matará a sala de cinema clássica, mas é uma expansão audiovisual inevitável que certamente iremos ver nos próximos anos. Não vejo a hora.

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Alexandre Matias é dono do Trabalho Sujo e há vinte anos cobre cultura, comportamento, ciência e tecnologia, com passagens pela editora Conrad (onde editou a revista Play), gravadora Trama (onde foi editor-chefe da agência Trama Universitário), caderno Link do jornal O Estado de S. Paulo e revista Galileu, além de ter feito consultoria, curadoria e produção de conteúdo para marcas como Red Bull, Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, YouPix, Campus Party, Itaú Cultural, Sesc Pompéia, Festival Eletronika (Belo Horizonte), Sónar São Paulo, Festival Internacional da Cultura Inglesa e Multishow (programa Urbano e Prêmio Multishow de Música Brasileira).

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