Um lobisomem latino-americano em Miami
O que rolou no Festival of Media Latam 2014
O Festival of Media é um evento desses típicos do mercado: CEOs e diretores são chamados para apresentar seus cases. Veículos e fornecedores patrocinam e montam stands para divulgar seus produtos. Profissionais comparecem pelo Networking. Eles fazem três edições por ano: Europa, Asia e Latam – este último obviamente em Miami, capital desse mercado chamado Latam, do qual eu faço parte e por isso fui lá conferir.
Era minha primeira vez em Miami, cidade que, da janela do táxi entre aeroporto e hotel, pode ser descrita como uma Recife governada pelo decorador do Romero Britto. Ou pelo Hans Donner, a clara inspiração do coquetel de abertura do evento, por onde circulavam latino-americanos perdidos (como eu) e dançarinas saídas de uma abertura do Fantástico dos anos 80.
No primeiro dia de palestras, o filósofo e apresentador Jason Silva falou sobre inovação, transumanismo e Ray Kurzweill para um auditório vazio, enquanto pessoas esticavam o café da manhã no lobby. Uma espécie de transição entre a bizarrice da noite anterior e a normalidade que se seguiria nos dias seguintes.
Parte da normalidade desses eventos são palestrantes defendendo seu lado. Normal. Quando eu dou palestras, também defendo o meu. Mas de agora em diante vou me policiar para não parecer um político em campanha. Por que foi isso que pareceu o Gerhard Zeller, Presidente da Turner, com sua apresentação onde disse que a TV é o meio que mais cresce, onde a propaganda mais funciona e que sempre vai mudar o mundo. Entre seus argumentos:
“Não é possível pular o anúncio de TV como eles fazem na internet”
Okay, Mr. Zeller. Não é por aí.
É sempre legal ver CEOs e presidentes falarem (ok, nem sempre) mas legal mesmo foi a participação de Juan Señor, jornalista e mestre de cerimônias do evento, que não tem nenhuma preocupação em deixar convidados a vontade. Depois de um debate sobre conteúdo gerado pelo usuário, seguida de um emocionante videocase para validar argumentos, ele solta: “isso não é conteúdo de usuário. Ela era uma atriz”. Muy bien, Sr. Señor. É por aí.
Não há história boa o suficiente para manter a audiência atenta em um evento realizado em um hotel de luxo, com piscina, praia e bar em uma tarde quente em Miami
Depois dessa, fui ver os Brasileiros Guga Ketzer e Daniel Chalfon, da agência Loducca, apresentar a campanha de PR “Somos Todos Macacos”. Eles defenderam a idéia de se surfar em uma onda na internet, sem tentar controlá-la. É legal ver a uma agência tradicional como essa surfando em ondas incontroláveis, apresentando um case em que não houve compra de mídia (até onde eu sei).
Eu perguntei ao meu xará depois sobre o que ele achava de marcas surfando em memes, como discutimos no Braincast 127. Ele me disse que é muito melhor você surfar na onda que você mesmo que criou. Na dos outros, só se fizer muito sentido. A verdade é que surfar em ondas incontroláveis – ou dos outros – requer bastante experiência.
O chato de ver essa palestra da Loducca foi que eles passaram um bom tempo justificando que uma campanha dessas pode sim ser arquitetada por uma agência, e não um ato espontâneo do seu cliente – o jogador Neymar. Questões como essa – se deve-se contratar ou não uma agência para cuidar da sua imagem – não deviam nem ser discutidas em um evento de publicidade. Estamos todos lá pra isso.
Storytelling
A principal lição aprendida sobre storytelling no Festival of Media é: não há história boa o suficiente para manter a audiência atenta em um evento realizado em um hotel de luxo, com piscina, praia e bar há poucos passos de distância, em uma tarde quente em Miami.
A platéia esvaziou tão rapidamente enquanto se falava sobre histórias contadas por marcas e agências que Shailesh Rao, do Twitter, abriu sua palestra agradecendo as dezenas de pessoas na platéia que resistiram a tentação de ir embora. Tentação que cresceu bastante nos 30 minutos em que ele mostrou como o Twitter é a segunda tela, e amplifica momentos, todo mundo gosta, etc. História repetida também não mantém audiência. Quase todo mundo foi embora.
Mas a sala estava cheia de novo na manhã do segundo dia de evento. Jon Landau, produtor de “Titanic” e “Avatar”, fez uma ótima palestra falando sobre como Hollywood está enfrentando sem medo os orçamentos cada vez mais enxutos com os quais tem que trabalhar.
O que não é problema para o brasileiro João Ciaco, Diretor de Marketing da Fiat. Pra ele problema é falta de engajamento. E mostrou a sua campanha “Vem Pra Rua”, da copa das confederações, que colocou a música tema encomendada pela marca nas rádios brasileiras. No mesmo painel, Andrea Pinoti, Diretora de Marketing do Itaú, mostrou os seus projetos sociais como exemplo de storytelling. Ficou claro pra mim que o conceito de storytelling nesse mercado é bem amplo.
Jesus já contava histórias há 2000 anos. Mas não tão bem quanto o próprio Nizan.
Catequese do Nizan
A sala encheu mesmo depois do intervalo, para ver Nizan Guanaes abrir sua palestra falando que storytelling é um negócio velho. Afinal, Jesus já contava histórias há 2000 anos atrás. Mas não tão bem quanto o próprio Nizan, que aos pouquinhos foi trazendo o assunto para aquilo que realmente interessa seus negócios: a compra de mídia.
Ele defendeu que comprar mídia – como as agências brasileiras fazem – as tornam mais fortes e mais focadas nos negócios. E é por isso que as agências brasileiras – ele só citou as que ele é sócio – estão entre as mais premiadas da história. E no fim falou que quer abrir agências no Peru, Chile, México e Colômbia. Foi aplaudido de pé.
A fala do Nizan foi o ápice do evento. Que depois disso se arrastou até o fim com as falas institucionais de Dennis Crowley, co-fundador do Foursquare e de vários executivos da área de in-game advertising. O que talvez seja uma lição implícita de storytelling: termine a história no ápice.