Por dentro do SoundCloud
Visitamos a startup em Berlim para descobrir o que planejam para os produtores de áudio e podcasts
Quando cheguei ao escritório do SoundCloud em uma friorenta tarde de dezembro, os termômetros marcavam seis graus e um infográfico na recepção contava 79 mil uploads por minuto. Desde junho de 2014, a plataforma de áudio criada pelo sueco Alexander Ljung tem sede no Factory, um centro de empreendedorismo nos moldes do Vale do Silício que surgiu para fomentar a frutífera cena de startups de Berlim. Aguardo tomando uma água com limão.
Quem nos recebe com disposição é Andy Carvell, responsável pelo “crescimento internacional” do serviço. Sua missão é fazer uma turnê pelo escritório em não mais que trinta minutos. As únicas restrições são: sem fotos nas áreas de trabalho ou perguntas sobre projetos futuros. Alguns dias antes desta visita, a startup recebera um investimento de 150 milhões de dólares e com o valor alcançou o primeiro bilhão em sete anos de existência.
Os funcionários sorriem pelo caminho e em alguns momentos respondem perguntas como se fizessem parte de um musical orquestrado. Passamos pela área administrativa e questionamos o número de brasileiros trabalhando na empresa. “Não o suficiente”, vira o sorridente assistente de RH. Atento, um português responde do meu lado direito: “15”.
Em sete anos de existência, o SoundCloud já é avaliado em 1 bilhão de dólares
A sensação é de que uma vez lá dentro, você nunca mais vai sair. No espaço criado pela KINZO, mesmo escritório de arquitetura do Airbnb, as salas atendem a todas as possíveis demandas do funcionário.
Tem espaço de amamentação para as mães, sala da soneca, aulas de Yoga, horta, mesas de ping-pong, lareira, oficina de marcenaria e estúdio. Além de cabines telefônicas individuais à prova de som pra quem quer conversar com a família do outro lado mundo. São 15h, os espaços recreativos estão vazios, mas as mesas de trabalho cheias. “O uso é livre, podemos organizar nossos horários para aproveitar”, justifica Andy.
Chegamos à cozinha, onde a oferta é farta e gratuita. Entre as opções, estão refeições preparadas por chefs duas vezes por semana, cereais finos, salgadinhos e doces. Cobiço um bolinho de Natal ardentemente, estava sem almoçar. “Aqui tem cerveja, refrigerante, vinho, suco. Quer beber alguma coisa?”, pergunta com a porta de uma das quatro geladeiras aberta.
No mesmo ambiente, outro encontro. Uma coordenadora de comunidades que conta um pouco sobre o projeto que a empresa realizou no Brasil no ano passado. Na época, uma ação no Facebook incentivou produtores musicais a compartilharem suas faixas. Andy afirma que estão atentos ao mercado brasileiro. “Sabemos que a nossa base de usuários é grande e sempre acompanhamos o que estão produzindo”, comenta generalista.
Perguntamos se a empresa seguiria os passos do Twitter e do Google e abriria um escritório no país. “Os critérios para abrir um escritório em outro país são bem variados, mas porque não?”, sorri. Quero falar mais sobre os investimentos em podcasts e ele me orienta a realizar uma conferência com Jim Colgan, Head of Audio (um cargo que não consigo traduzir sem soar careta). Ele é de San Francisco, mas estava em Nova York.
Foto: Pedro Rosa/Talaguim
Qual o plano para recompensar produtores de conteúdo?
Para introduzir o assunto, Colgan comenta os principais projetos que a startup desenvolveu nos últimos três anos. Durante este período, um dos investimentos em podcasts foi relacionado às rádios públicas americanas, uma rede que reúne cerca de 900 radiodifusoras e é conhecida como NPR.
Ex-repórter da BBC, Jim era um entusiasta do rádio desde a faculdade. “Trabalhava como freelancer quando cheguei aqui e descobri o que era rádio pública através da minha irmã, que me apresentou a um programa chamado “This American Life”. Pensei o quanto era incrível ter uma experiência de storytelling como essa. Ver que era possível ter aquele nível de envolvimento com a história”, introduz.
“Meu primeiro trabalho para o Soundcloud foi usar a minha experiência com as rádios públicas para convencê-las a experimentar o digital.”
Para expandir ainda mais a base de podcasters nos Estados Unidos, outro esforço do SoundCloud foi investir em comédia. “Era algo que não tinha muita experiência, mas logo percebi o quanto era importante no universo da rádio”, explica. “Trabalhei muito com comediantes para buscar uma nova audiência no áudio. Oferecemos uma voz que eles nunca tiveram antes. Então pegamos grupos de standup comedy, como o Earwolf e o humorista Kevin Smith. E tem sido demais ver que eles estão fazendo sucesso”, conta.
Os dois projetos funcionam como base para testar novas formas de rentabilizar a plataforma. “Queremos ajudar nossos criadores a conseguir dinheiro com o que produzem. O primeiro teste foi fazer parcerias entre as empresas e os comediantes. Mas isso foi um começo, é de agosto. Queremos fazer mais neste próximo ano”, explica sem deixar espaço para comentários sobre o futuro. “É claro que quando o formato funciona por aqui, nossa ideia é expandir para outros mercados, como Brasil e Índia.”
“Sou um grande fã de Serial”
“As reações que esses programas causam são o meu principal motivo de dedicação aos ouvintes. Acho que vai reverberar por um longo tempo.”
Sabemos que o primeiro formato de podcast, o audioblogging, surgiu com a World Wide Web lá pela década de 80, e mesmo o formato facilitado pelos gadgets de Steve Jobs é de 2006. No Brasil temos aí o Jovem Nerd e o Braincast (aqui do B9) com pelo menos nove anos de estrada, podcast não é assunto tão novo. Mas porque tanto tem se falado no assunto? A resposta você já deve ter lido na nossa matéria “Serial é o novo Breaking Bad”.
“Sou um grande fã de Serial. Eu e mais meio milhão de pessoas esperamos toda quinta-feira para saber quais serão os próximos passos de Sarah Koenig. É realmente um fenômeno, nunca tinha acontecido antes, ele tem evangelizado pessoas”, opina. “É um entretenimento incrível e algo que é verdade. É sobre o assassinato e os efeitos que isso deixou na vida de um indivíduo e de uma família. Ao mesmo tempo é sobre lembranças e memória, tem tanta coisa neste áudio. As reações que esses programas causam são o meu principal motivo de dedicação aos ouvintes. Acho que vai reverberar por um longo tempo.”
Disponível no SoundCloud, Jim sugere “Startup”. Nela, o criador de “This American Life”, que também participou de “Serial”, Alex Blumberg conta sua trajetória para abrir uma startup de…. podcasts. Os episódios mostram os esforços de Blumberg, que é leigo em business planning, para fazer um pitch para investidores, por exemplo.
“Esta é a melhor hora para ter um podcast”
Quando comenta sobre o mercado que trabalha, Jim usa pausas poéticas, fala sobre as oportunidades da mídia que escolheu e sobre o crescimento dos podcasts. E, claro, como o SoundCloud pode expandir as frequências do áudio “em uma plataforma que também é uma rede social”.
Para o “cabeça do áudio”, o formato já provou o seu sucesso. “Podcasters e criadores de áudio têm a lealdade dos ouvintes. Vemos isso, por exemplo, quando um podcast entra em campanha no Kickstarter e surge uma comunidade ao redor desse show”, comenta.
“Não há hora melhor para fazer um podcast. Mesmo com tudo o que já existe, o formato ainda está muito mais próximo do começo e é incrível fazer parte disso”.
Para quem acredita que podcast é só mais uma das formas de consumir informações sobre o mundo, Colgan retruca: “Faz mais que isso. Ele te dá o poder de estar conectado ao mundo sem estar conectado nele. É fascinante como você pode informar sobre a realidade ao mesmo tempo que tira alguém dela. A relação entre ouvinte e criador é muito íntima. Não acho que você tenha isso na TV ou em outra mídia. No final é só você e a pessoa falando dentro do seu ouvido.”
> FOTOS: Werner Huthmacher/KINZO; Pedro Rosa/Talaguim e Divulgação/Soundcloud