“50 Tons de Cinza” não passa de uma adaptação estéril sobre sexo e poder
Com quadros típicos de um soft porn barato, diretora Sam-Taylor Johnson cria duas figuras sem qualquer expressividade
A crítica mais fácil a “50 Tons de Cinza” é aquela que questiona o fato de o filme não mergulhar em sua própria temática. À parte os conflitos criativos entre autora da obra original, E. L. James, e as responsáveis pela adaptação, é realmente incômodo que se fale de sexo ora variando entre um pudor incompreensível e uma percepção problemática do que é ou não abuso, ora por meio de frases que, ditas em voz alta, soam mais constrangedoras do que dotadas de algum potencial de sedução/erotismo.
As falhas, porém, vão muito além e atingem não apenas o conteúdo sexual, mas também as discussões sobre dinheiro e relacionamentos, dois dos principais eixos de todo o debate sobre relações de poder que se apresenta tão caro à trama.
Salta aos olhos, de imediato, a sensação de que, na relação de Anastasia Steele (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan), o interesse por um relacionamento, por parte da primeira, e o poder aquisitivo do segundo importam mais do que o sexo.
É verdade que o prazer é tratado como fim máximo e, em certa medida, objeto de anseio dos personagens principais, de maneira relutante ou decidida. Entretanto, a forma como a diretora Sam-Taylor Johnson trabalha os meios para este fim faz com que o filme não ofereça nada além de duas figuras sem qualquer expressividade numa sequência um tanto cíclica e nada inspirada de choque e reconciliação.
O modo como a cineasta constrói Grey e Ana, sustentada no roteiro de Kelly Marcel, dá indícios relevantes desse problema. Ele tenta seduzir a garota, mas alterna suas investidas/suplícios infantis para que ela entre em acordo com seus termos e tentativas de comprar seu interesse com presentes que provam em níveis semelhantes tanto seu poder simbólico quanto sua falta de tato – de um MacBook a um carro, passando por extravagâncias como passear de helicóptero por Seattle e dar uma volta pelos céus da Georgia.
A protagonista, por sua vez, até tenta se equilibrar no fio da navalha entre a tentação e a busca por carinho, mas acaba por se revelar também unidimensional – um aspecto que não seria tão problemático não fosse a repetição, em ações e falas, da ambição de fazer o jovem demonstrar afeto.
Em ambos, surgem marcas da inabilidade que o filme tem em escolher e articular seus símbolos. A aposta, aqui, é em saídas fáceis e adolescentes, dentre elas a mordida no lábio como sinal de interesse, o lápis com o nome da empresa de Grey como elemento fálico e o elevador como uma área sem saída em que, no limite, quase todos os pontos decisivos de virada se desenrolam num estalar de dedos. A tentativa de construção de contrastes entre a dupla e personagens secundários é igualmente malsucedida. Em certos trechos, Christian tem sua personalidade observada em contraposição à de seu irmão, sujeito despojado e de barba por fazer, que discute beisebol na mesa de jantar.
É clara a inabilidade que o filme tem em escolher e articular seus símbolos, apostando em saídas fáceis e adolescentes
Ana, em comparação com duas outras mulheres que possuem relacionamentos ditos normais, a colega de quarto (Eloise Mumford) e a mãe (Jennifer Ehle), as quais repetidamente se mostram capazes de conciliar instantes de carinho e desejo sexual. Deste modo, os coadjuvantes não passam de acessórios dispensáveis, formas de explicar comportamentos e atitudes que a própria natureza da relação do casal já seria capaz de justificar.
Ainda, existe uma tentativa visual de compensar a frigidez que permeia as suas interações fora da cama. O diretor de fotografia Seamus McGarvey, porém, é incapaz de qualquer sutileza, transportando seus personagens sem motivo aparente para espaços iluminados por cores quentes, como a sala de reuniões em que o par discute o contrato de submissão – uma técnica pedestre que falha miseravelmente em seu intento, sobretudo por ser acompanhada de um diálogo inevitavelmente cômico sobre acessórios eróticos.
Para uma obra que deveria, por essência, despertar reações nada frias, “50 Tons de Cinza” tem caráter estéril e insosso
Exceção feita a uma sequência de sexo no apartamento de Ana, filmada com competência e um olhar menos tímido e mais interessado na ação, a câmera também fracassa por se render a truques óbvios para sinalizar a intensidade daqueles momentos – a movimentação ao redor da personagem no início da coreografia, os seguidos cortes quando a ação se acelera e a lentidão/alívio na chegada a um orgasmo.
Em termos de enquadramento, incomodam a opção por quadros típicos de um soft porn barato, que intercalam as reações individuais dos personagens com planos que desajeitadamente os inserem conjuntamente em tela (há um exemplo claro no último episódio na tal “sala dos prazeres”, com a câmera escanteada e orientada de baixo para cima), além da pouca exploração dos espaços ao redor.
Novamente, exceção feita a uma cena em que observamos à distância a protagonista atravessar a sala do apartamento para encontrar Grey, a movimentação dos atores parece mecânica, ensaiada sem naturalidade. De alguma forma, esta característica parece sintoma de um problema mais amplo em duas frentes: a inaptidão para encadear amor, dinheiro e sexo e o caráter estéril e insosso de uma obra que deveria, por essência, despertar reações não tão frias.