- Cultura 24.abr.2015
Com intensidade emocional, “Vingadores: Era de Ultron” amadurece a energia do original
Joss Whedon prova novamente que é capaz de conciliar interesses de mercado com suas decisões criativas
⚠ AVISO: Contém spoilers
O sucesso estrondoso de “Os Vingadores”, lançado há quase três anos, ofereceu a seu diretor e roteirista, Joss Whedon, a possibilidade de realizar uma série de escolhas que determinariam os rumos da franquia. Inserido em um contexto em que é preciso conciliar interesses de mercado e decisões criativas, o cineasta e os demais responsáveis pelo projeto optaram por fugir do piloto automático e construir em “Os Vingadores 2: A Era de Ultron” um filme que, fundamentalmente, mantém as bases do original, mas que também se mostra capaz de se distanciar de certa tendência à repetição tão comum a produções dessa ordem.
Em termos de permanência, o tom cômico e despretensioso segue como marca que distingue a série de boa parte de seus pares, mais voltados para a escuridão e o cinismo. Há segmentos inteiros voltados para a relação entre os personagens centrais, repleta de alfinetadas e pequenas gags relacionadas a suas diferentes personalidades, e o texto de Whedon praticamente não evita piadas, nem mesmo nos momentos de maior tensão e drama, o que ajuda a construir uma leveza constante interessante.
O tom cômico e despretensioso segue como marca que distingue a série de boa parte de seus pares
No entanto, existe uma certa dependência natural da figura de Tony Stark (Robert Downey Jr.) graças ao seu imenso carisma e ao caráter centralizador de sua figura, o que funciona em trechos carregados de humor, sobretudo em suas interações com Thor (Chris Hemsworth) e Capitão América (Chris Evans). Ocorre, porém, uma fixação excessiva na ideia de criador versus criatura, já explorada em outros quatro filmes (a trilogia Homem de Ferro e o primeiro Vingadores), e a imagem de herói problemático não resiste a uma história de fundo menos inspirada e convincente, apesar dos esforços vistos nas intervenções de Rhodes (Don Cheadle) e nas menções a Pepper (Gwyneth Paltrow).
Por outro lado, embora “Era de Ultron” tenha como atrativo imediato e inevitável a reunião do grupo de heróis já conhecido frente a uma nova ameaça, a inserção de novos rostos – de menor calibre, por assim dizer – é extremamente benéfica. A adição de elementos a uma equação já bastante povoada poderia significar uma megalomania desmedida e originar desequilíbrio, mas as presenças de Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e Mercúrio (Aaron Taylor-Johson), bem como a maior atenção dada ao Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), são extremamente importantes para a totalidade do projeto. Se por vezes o longa original dava a impressão de ser nada além de um conjunto de action figures destruindo maquetes criadas em computador – uma proposta interessante, mas até certo ponto limitada -, este capítulo se mostra mais intenso dramaticamente, tendo o par de novidades como um acertado recurso narrativo.
Explicitamente, deriva daí um traço inédito e bem significativo para a franquia: as figuras em tela têm coração, choram e sangram. Nesse sentido, duas sequências em especial – quando um personagem reconhece que parte da trama não faz mesmo sentido e o momento em que outro executa um inimigo em meio a lágrimas bem genuínas – parecem símbolos desta aliança entre entretenimento puro e um grau maior de emoção. É verdade que o que mais vale ainda é a troca de golpes coreografada, de enorme escala e visualmente excitante, parte de uma busca da catarse pelo movimento incessante, mas há espaço para alguma profundidade emocional, e a forma como se conciliam as duas coisas sem trair a própria natureza é digna de nota.
“Vingadores 2” peca pela falta de organização espacial, principalmente nas sequências de luta compostas de enquadramentos mais fechados
No que diz respeito à ação, em si, Whedon não parece tão seguro. Geralmente hábil ao articular quase uma dezena de eventos simultâneos, o diretor se perde um pouco durante o grande confronto, relegando ao último plano um conflito específico que deveria ser central para depois resgatá-lo sem muita naturalidade. O filme peca também por falta de organização espacial, principalmente nas sequências de luta compostas de enquadramentos mais fechados e montadas com um maior número de cortes – o que significa dizer, por outro lado, que funciona no ato final ao apostar mais em planos abertos e mais longos, quando finalmente transborda, de forma compreensível e esteticamente impactante, uma sensação de “tudo está acontecendo ao mesmo tempo”.
O desfecho ganha força também por conseguir contornar a estranha perspectiva do cineasta com relação aos riscos envolvidos na trama. Se em “Os Vingadores” o dimensionamento dos prejuízos da ação do vilão era problemático por uma série de razões, dentre as quais o fato de que não se via personagens sofrerem diretamente as consequências daquela violência, aqui Whedon se vale de uma estratégia curiosa, consciente de seus próprios absurdos, ao tirar os civis da disputa direta e demonstrar que o conflito é essencialmente sobre-humano, ainda que pelos humanos. O resultado permite que as sequências de ação desenfreada se desenrolem em um entorno mais bem acabado, entregando ao público uma peça de entretenimento tão cheia de energia quanto sua antecessora, mas dotada de maior intensidade emocional.