- Cultura 3.Maio.2015
“Entre Abelhas” derrapa na comédia, mas encontra redenção em seu ato final
Fábio Porchat e o diretor Ian SBF acertam no enfoque dramático à medida que se distanciam do Porta dos Fundos
⚠ AVISO: Contém spoilers menores
Durante boa parte da projeção de “Entre Abelhas”, é difícil não associar o filme ao trabalho de integrantes de seu elenco e equipe – incluindo o protagonista, Fábio Porchat, e o diretor-roteirista, Ian SBF – no canal de humor Porta dos Fundos. Isto ocorre por razões que variam desde a inserção de pequenos esquetes de comédia ao longo da trama até a evidente tentativa de distanciamento daquele universo muitíssimo bem explorado por eles na internet em direção ao drama, realizada aqui por meio de recursos narrativos nem sempre bem-sucedidos.
A sensação inicial é de que existe uma urgência em fugir da estética adotada pelo Porta dos Fundos no YouTube
Em termos visuais, o enfoque dramático surge de distintas formas. De modo a representar a solidão e a depressão de Bruno (Porchat), que, após se divorciar de Regina (Giovanna Lancellotti), gradualmente deixa de conseguir enxergar as pessoas ao seu redor, o longa se vale inicialmente de tons dessaturados e planos longos compostos apenas pelo personagem principal, sempre apático. Ainda, há o recurso a imagens de um Rio de Janeiro vazio e impessoal e a utilização de espelhos e reflexos, como se o rapaz só enxergasse a própria figura – o que, em termos menos literais, se justifica, visto que ele se cobra constantemente pelo fim do casamento e se isola, em certa medida, na busca por uma solução.
A sensação inicial é de que existe uma urgência em fugir da estética adotada pelo grupo no YouTube e na televisão, o que explica a aposta nessa sobriedade. No entanto, a estratégia não convence plenamente, uma vez que os tais esquetes insistem em surgir a cada cinco minutos, com maior ou menor eficácia, e que Porchat ainda carrega o mesmo ar histriônico dos vídeos publicados pelo canal – traço que felizmente se dissipa no desenrolar da trama.
Se há certa irregularidade na construção do protagonista, apesar da demonstração de habilidade do ator em se resguardar e manter o tom de seriedade, o problema é ainda maior no que diz respeito à maioria dos coadjuvantes. Davi (Marcos Veras), o melhor amigo, se resume a uma série interminável e constrangedora de piadas e comentários machistas e misóginos, e sua subtrama particular – ele acredita ter engravidado uma mulher em uma relação extra-conjugal – em nada acrescenta.
Em menor grau, Nildo (Luis Lobianco) até tem alguns bons momentos, sobretudo por seu caráter prestativo fazer contraponto ao egoísmo de Bruno, mas o ganho de importância em sua participação dá a impressão de um esquete que se prolonga mais do que o necessário e acaba perdendo a graça. O psiquiatra vivido por Marcelo Valle é outro de potencial desperdiçado, pois não oferece maiores acessos além do que o próprio paciente já havia dito ou demonstrado.
Por outro lado, Irene Ravache, no papel de mãe do personagem principal, sabe dosar a preocupação pela condição do filho e seu humor descontraído e quase involuntário, e é a única personagem, além de Bruno, que não parece ser apenas um artifício para prolongar a duração do longa acrescentando diferentes elementos – somente a base da trama seria o suficiente para um curta bastante promissor, algo que talvez indique a dificuldade encarada pelos roteiristas (Ian SBF e também Porchat) ao explorar um formato para eles até então inédito.
No fim, o longa deixa de lado a comédia e não se rende por completo às mesmas saídas fáceis adotadas durante a introdução
De forma positiva, o estabelecimento da premissa e o isolamento do protagonista levam o filme a se desprender dos personagens secundários e voltar seu olhar para o rapaz, com os retornos pontuais da ex-esposa e as intervenções acertadas da mãe, inclusive quando não estão em cena. Assim, é possível mapear com maior atenção a situação de Bruno através do inteligente (ainda que curto) uso do silêncio, do vazio da cidade e das montagens que registram o agravamento de sua condição e o insucesso de sua busca por soluções.
É consequência disso o aspecto mais interessante de “Entre Abelhas”, marca fundamental de seu ato final: há uma espécie de redenção, mas que funciona quase como um suspiro. No limite, o longa deixa de lado a comédia e não se rende por completo às mesmas saídas fáceis adotadas durante a introdução ou a uma explicação decisiva que poderia parecer tentadora pela própria natureza da trama, mas que desviaria essa construtiva guinada dramática apenas para oferecer um desfecho definitivo.