- Cultura 13.Maio.2015
Criatividade nos games: Cinco estúdios comentam relação entre diversão e inovação
Conversamos com CEOs e desenvolvedores durante a Berlin International Games Week 2015 para investigar o futuro da indústria
No Braincast 144 – “Games: A Crise da Nova Geração”, o B9 discutiu a especulada crise criativa dos consoles e a estimativa de que as vendas cairão cinco bilhões de dólares até 2019, de acordo com o relatório PC & Console Games: Tendências, Oportunidades e Estratégias para 2014-2019. Um dos nossos leitores (valeu aí Filipe Borin) enviou um vídeo interessante publicado pelo Game Theorists no ano passado que vai totalmente contra o podcast: se os gamers estão tão insatisfeitos com franquias repetitivas, porque as sequências de “Call of Duty” e “Battlefield” não param de lançar bestsellers?
Mesmo vivendo uma época com pluralidade de formatos, empresas e investidores buscam a segurança de categorias e fórmulas de sucesso
A resposta deles é que os próprios gamers estão matando a inovação, já que são eles (e elas também) que escolhem colocar seus suados dinheirinhos neste ou naquele jogo. ‘The treta has been planted’ e dá pra imaginar porque os comentários do vídeo foram desativados. Nossa curiosidade foi além e decidimos ir atrás de quem lida com frustração e inovação nos games diariamente: os criadores. Como essas pesquisas influenciam as decisões de estúdios e produtoras?
Passamos uma semana na Berlin International Games Week, um dos maiores eventos com foco no mercado de games europeu e que reuniu 10 mil participantes neste ano de diversas partes do mundo. Acompanhamos discussões, talks, conversamos com CEOs e desenvolvedores para descobrir como essa crise acontece de diferentes pontos de vista e como ela afeta o conteúdo que recebemos em nossas telas e hardwares.
Inovação é necessária, mas nem sempre é divertida
Matias Myllyrinne, CEO da Remedy, estúdio finlandês criador de “Max Payne”, disse ao B9 que “o principal desafio é ter que assumir riscos, mesmo que os resultados demorem 20 anos para chegar”. Ele acredita que um dos problemas causados pela instabilidade do mercado são investidores mais inseguros. Mesmo vivendo uma época com pluralidade de formatos, o que eles buscam é a segurança de categorias e fórmulas de sucesso.
Eles ligam para encomendar jogos de estratégia, drivers, shooters. Não tenho nada contra esses jogos, mas categorizar é uma receita para o desastre.”
Ele acredita que dentro deste cenário é necessário equilibrar diversão e inovação. “Inovação é necessária, mas nem sempre é divertida. E nós queremos que as pessoas se divirtam jogando. Existem dois tipos de inovação, a que você tem grana para investir e a que surge a partir de uma necessidade. Quando criamos Max Payne, a gente não tinha grana para cinematografia. Então usamos algumas inspirações dos quadrinhos como solução, e isso acabou funcionando melhor.”
CEO da Handy Games, uma das maiores empresas de mobile da Alemanha, criadora de “Pacific Front” e “Townsmen”, Christopher Kassulke acredita que pessimismo do mercado não é novidade. Basta imaginar como era produzir jogos para celular no país há quinze anos, quando ele ouvia “você é maluco, ninguém vai jogar em um telefone”.
Mobile cresce como ambiente de disruptura
Durante o evento, Kassulke disse ao Venture Beat que a empresa também tem aprendido a equilibrar o que é sucesso comercial e a hora de trazer algo novo.
Inovação precisa de tempo, e o mais importante, precisa de dinheiro. Se o dinheiro vai para apenas uma ou duas grandes empresas, isso pode ser perigoso. Mas é o que acontece com os mercados de PC e console. Nós sempre encontramos grandes oportunidades em mercados de nicho, eles serão os grandes mercados em um futuro próximo.”
Em 2015, a empresa investe no que chama de pós-mobile, enquanto disponibiliza seus jogos também nos consoles, como Playstation. “Nós vemos muita criatividade no espaço gamer. Esse é o motivo para lançarmos tantos novos títulos em diferentes plataformas”, complementou ao B9. “Você tem que ter uma mente aberta para cada plataforma que aparece. É diferente do que aprendemos sobre console, em que você sabe que passará os próximos dois a cinco anos desenvolvendo apenas um jogo. No mobile, todo ano algo muito disruptivo surge e você precisa acompanhar.”
Myllyrinne diz que no lançamento do primeiro “Max Payne”, eles fecharam as portas do estúdio para criar, o que hoje não é mais possível. “Quando o mercado cai, a Remedy olha para fora”. E foi o que aconteceu com o lançamento de “Agents of Storm”, primeiro jogo de estratégia do estúdio para mobile. “Foi uma experimentação de free to play, nós precisávamos mudar nosso modelo de negócio”.
Os jogos mais revolucionários, criativos e interessantes virão dos indies”
Responsável pelos negócios do Vlambeer, estúdio independente de Utrecht, na Holanda, Ramy Ismail acredita que o mercado influencia os indies, mas de um jeito diferente. “Como um pequeno estúdio, podemos nos dar ao luxo de tomar decisões arriscadas financeiramente se elas valem a pena criativamente, uma das vantagens que dispomos sobre a indústria tradicional.”
Dentro deste espaço, os independentes buscam frescor no gameplay inspirados pelas suas próprias relações com jogos e pela liberdade de experimentação. “As mudanças nas plataformas, o surgimento de novas plataformas e novas maneiras de alcançar os nossos jogadores é o interessante. E o console pode desempenhar um grande papel nisso”. Para ele, os indies estão atraindo cada vez mais a atenção das grandes publishers, o que tem levado variedade para os consoles. Seus últimos jogos, “Super Crate Box”, “Nuclear Throne” e “Ridiculous Fishing”, criados para PC e iOS, também foram disponibilizados pela Microsoft, Nintendo e Ouya.
Os indies já estão tão estabelecidos no mercado hoje em dia que não acho que sejam um ar fresco na indústria. Mas acredito que deles virão os jogos mais revolucionários, criativos e interessantes, enquanto as produtoras AAA continuarão criando experiências que a audiência geral vai curtir e amar. Acho que a diferença é que elas estão mais atentas, sabem que precisam de diversidade e não podem deixar politicagens, excesso de exclusividade e paralelismo nos lançamentos impedi-las de lançar games nas suas respectivas plataformas”.
Nem tudo é graphic porn
Para sobreviver no mercado, a lista de Matias inclui três tópicos: “um bom portfólio, muito networking e bastante sorte”. Ele conta que foi apenas com o lançamento de “Alan Wake” para Xbox que eles aprenderam o quanto era necessário o contato com uma grande plataforma para alcançar o ‘mainstream’. A parceria com a Microsoft trouxe a estabilidade financeira de que precisavam para conseguir tocar o próximo jogo: “Quantum Break”, uma experiência de transmedia storytelling que inclui conteúdo para mobile e TV.
Quando o assunto é novidade para consoles, os olhos de Matias estão voltados para o consumo de cultura pop. “‘Breaking Bad’ e ‘House of Cards’ vieram para mostrar que os caras maus são muito mais interessantes do que os caras bons, se é que eles existem”, introduz entre risos. “Gráficos são muito importantes, mas nem tudo é graphic porn. Se você pode entregar uma emoção verdadeira proporcionada por um bom ator, isso é uma boa mistura. Você tem que usar o visual storytelling para animar os fãs, nós sabemos que as pessoas não querem acompanhar jogos que têm o mesmo roteiro. A história dita a tecnologia que vamos criar”, comenta.
Oculus Rift tem potencial, mas precisa chegar nas mãos do usuário
Christopher prefere estar um passo a frente, acompanhando as evoluções de mobile e apostando em conteúdo multiplataforma e wearebles. Já trabalha com doze diferentes, entre elas serviços de TV interativas como a Android TV e a Amazon Fire. Sua aposta para o futuro é o Cardboard, do Google, opção de óculos de realidade aumentada que ele considera mais acessível do que o Rift, por exemplo.
Você não precisa de cabos e qualquer um pode usar. Mesmo os usuários de iOS podem jogar nossos jogos em 3D usando o Cardboard. E então você tem um grande mercado, porque você não precisa comprar separadamente ou ter um PC poderoso”
Para Ramy, “realidade virtual é definitivamente uma adição interessante para o mercado, mas até que o hardware esteja nas mãos dos usuários, é difícil dizer o que vai fazer com a indústria”. Entusiasta da tecnologia, o desenvolvedor chinês Mo Li deixou o trabalho na Volkswagen para trabalhar apenas com VR. Divulgando o jogo “Lucid Trips” no festival de indies do evento, ele acredita que “nunca foi uma época tão empolgante para se criar games. Disponibilizar o Oculus para os desenvolvedores foi a melhor forma de testar o mercado. Ainda existe muito para ser feito, mas quero fazer parte deste começo”. Para sustentar seus jogos, Li criou um estúdio em que vende serviços de realidade aumentada para empresas e mídia, uma demanda que tem crescido.
Maranhense vencedora do prêmio de experiência mais inovadora para VR com o nostálgico “Pixel Rift”, Ana Ribeiro pretende se especializar na nova plataforma. “Não sinto mais motivação em desenvolver jogos para a tela plana. Sempre que tenho uma ideia, ela vem em realidade virtual. É muito louco, até meus sonhos são em realidade virtual”, comenta. Para criar uma aventura que desperte o interesse dos gamers, ela diz que o melhor jeito é deixá-los participar do processo criativo.
A crise existe, mas ela está moldando de uma forma positiva como jogaremos em um futuro próximo
“Durante a criação do jogo, organizei sessões de teste e fui convidando alunos do meu campus para jogar em troca de uma cervejinha. Isso fez muita diferença, consegui notar bem cedo o que não funcionava e joguei um level todo no lixo. Acho que ser aberta a mudanças é a chave para fazer os jogos melhorarem. O player sempre é o mais importante, não há nada mais gratificante do que ver as pessoas jogando seu jogo”, diz a brasileira.
Depois de uma semana conversando com tanta gente produzindo coisas legais, a conclusão é de que a crise existe, mas ela está moldando de uma forma positiva como jogaremos em um futuro próximo. Se de um lado existem investidores procurando segurança e produtoras AAA apostando em vendas certeiras, por outro as portas estão sendo abertas (aos poucos, ainda existe bastante burocracia) para quem tem boas ideias no meio indie, enquanto novas plataformas são descobertas e exploradas.