- Cultura 11.jun.2015
“Jurassic World” mantém a essência e faz jus ao legado do clássico de Steven Spielberg
Diretor Colin Trevorrow se equilibra bem entre o intenso apelo visual e a preocupação com questões humanas
⚠ AVISO: Contém spoilers menores
Se a proposta de “Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros” era explorar as possibilidades do universo da trilogia original de maneira grandiosa, seguindo os padrões da indústria, mas sem perder sua essência, o resultado parece mais que satisfatório. Construído por Steven Spielberg com base na obra de Michael Crichton em 1993 e revisitado em outras duas sequências, em 1997 e 2001, o mundo dos dinossauros agora é objeto de uma adaptação extremamente ágil e capaz de reunir alguns dos principais méritos de cada um dos projetos anteriores.
Vinte e dois anos após os eventos de “Jurassic Park”, o território costa-riquenho de Isla Nubar agora funciona plenamente como um parque temático em que as criaturas são expostas e envolvidas em uma série de atrações, seguindo os ideais originais de John Hammond. O sucesso, porém, depende de inovação constante, o que leva um grupo de cientistas — liderado pelo mesmo Henry Wu (BD Wong) do original — a criar um dinossauro geneticamente modificado, mistura de diferentes espécies e maior que o imponente T-rex.
O discurso, apresentado pela diretora de operações do parque, Claire (Bryce Dallas Howard), revela um filme consciente de seu lugar tanto em Hollywood quanto dentro da própria franquia. Afirmada com um sonoro “Ninguém se impressiona mais com dinossauros”, a lógica indica a tendência megalomaníaca da indústria, em especial no que tange a franquias de sucesso. A dúvida que paira no ar, então, diz respeito à capacidade de uma produção de se tornar não apenas maior, mas também melhor — algo de que os episódios dois e três, embora competentes em suas propostas, parecem ter se esquecido.
Apesar de incapaz de superar o longa original em qualidade, tarefa bastante difícil desde o pontapé inicial, “Jurassic World” ao menos consegue articular uma premissa interessante, em que a nova ameaça, nomeada Indominus rex, parece crível (em um universo em que é preciso sempre mais) e não somente uma justificativa para lançar os personagens em uma aventura inédita. De todo modo, sob o comando do diretor Colin Trevorrow, o filme se mostra hábil ao “esconder” o monstro durante boa parte da projeção, se rendendo ao exibicionismo visual e gráfico próprio das sequências anteriores apenas ao apresentar uma criatura marinha — talvez a mais interessante em cena — e, alternativamente, se dedicando a construir as personalidades dos inteligentes raptors, animais com os quais o herói Owen (Chris Pratt) interage em boa parte do tempo e que se mostram decisivos para a trama.
A decisão serve também para fortalecer o clímax. De maneira paciente e sustentado em um trabalho de som impecável, o filme gradativamente aumenta a tensão. A evolução tecnológica aprimora a movimentação dos dinossauros, agora ainda menos robóticos, mas parece claro que o público não se impressiona tanto com tais proezas digitais quanto no início dos anos 90. Assim, o trabalho de câmera e a montagem das cenas cuidadosamente administram as qualidades do longa, escondendo seus aspectos mais importantes para intensificar o efeito dos momentos de ação e revelação.
“Jurassic World” é extremamente ágil e capaz de reunir alguns dos principais méritos dos filmes anteriores
É também digna de elogios a forma como este quarto episódio se insere na franquia. As referências feitas aos capítulos anteriores, sobretudo no que diz respeito às subtramas, surgem embaladas em um filme-família que se aproxima dos traços mais marcantes de Spielberg (a impressão é mais de um produto de verão, bastante derivativo, do que de um trabalho essencialmente autoral), mas conserva maior leveza. Isso não significa, porém, que a violência esteja ausente — o sangue aparece em manchas na água e em gotas que pingam do topo de uma árvore, em uma estratégia clara de produzir suspense diante de um adversário amedrontador. Trata-se, nesse sentido, de uma experiência extremamente sensorial, que sabe lidar com medo e dosar os riscos envolvidos mantendo a ação constante.
Trata-se de uma experiência extremamente sensorial, que sabe lidar com medo e dosar os riscos envolvidos mantendo a ação constante
Existe, ainda, um esforço para emular um aspecto importante e tipicamente spielbergiano: a capacidade de orientar a trama através de um encadeamento lógico e objetivo de eventos.
No roteiro, escrito por Rick Jaffa e Amanda Silver (a dupla responsável pelos novos “Planeta dos Macacos”) ao lado de Derek Connolly e do próprio diretor, um incidente leva diretamente ao seguinte, o que economiza longos diálogos explicativos e agrava o senso de urgência — os fatos geram consequências que são sentidas imediatamente pelos personagens.
Sob este aspecto, vale notar outro fator positivo decorrente dessa organização geral em torno de um objetivo específico: a oportunidade de desenvolver os personagens. Desde o início o que está em jogo é a segurança dos visitantes do parque: mudam as dinâmicas, as prioridades imediatas das figuras em cena e as relações entre elas, mas o foco se mantém. Parte daí a possibilidade de traçar arcos menores, tais como o de Claire, que passa de tia desleixada e preocupada apenas com o trabalho a figura feminina forte e obcecada por salvar seus sobrinhos, Gray (Ty Simpkins) e Zack (Nick Robinson).
A mudança ocorre conforme a ação se desenrola, e afeta até mesmo as interações entre os garotos, entre a protagonista e Owen e entre os coadjuvantes (o comando da missão é alterado mais de uma vez, passando de mãos até ser retomado pela dupla principal). Esse tipo de variação, gradual, bem trabalhada e atuada, é fundamental para produzir maior identificação por parte do espectador, abrir espaço para pequenos momentos de humor e acelerar o filme em direção ao seu clímax, um espetáculo de luzes e movimento que faz jus às expectativas criadas no caminhar da trama.
Liderado pelos carismáticos Pratt e Howard, o elenco é fundamental para que o filme alcance seu maior mérito
Contribuem para o sucesso dessa estratégia as performances dos atores. Assim como nos episódios prévios, há um número grande de personagens, e o modo como a trama caminha — desafio é apresentado/ação/próximo desafio — permite que suas participações e desfechos sejam breves, mas também fundamentados. Os destaques, para além do núcleo central, são o desajeitado Lowery (Jake Johnson), um aceno nostálgico ao projeto original, e Masrani (Irrfan Khan), o megalomaníaco que quer controlar tudo.
Liderado pelos carismáticos Pratt e Howard, o elenco é fundamental para que o filme alcance seu maior mérito: se equilibrar entre a preocupação com as questões humanas de “Jurassic Park”, quando os dinossauros ocupavam bem menos espaço em cena, e o intenso apelo visual de “O Mundo Perdido” e “Jurassic Park III”, quando a necessidade de mais e maior ganhava contornos muito claros. O resultado é um produto próprio das demandas da Hollywood atual, mas que captura muitas das qualidades fundamentais da Hollywood de outrora.