Depois de quatro anos em Portugal, eu voltei pro Brasil num navio de cruzeiro. A tripulação era toda gringa, os cozinheiros inclusos. Quando o navio chegou em Recife, acho que eles quiseram fazer uma homenagem e a sobremesa do jantar era quindim. Não comia quindim há anos! Fiquei emocionada. Chega o quindim na mesa: era um quindim feito por alguém que nunca viu um quindim, mas seguiu direitinho a receita. Não tinha cara de quindim. Não tinha gosto de quindim.
Nós, publicitários, vivemos numa bolha. As pessoas na nossa bolha têm um privilégio: nós temos voz.
Eu sinto que a gente faz publicidade para mulheres assim. Segue a receita que está lá no briefing, usa os ingredientes todinhos da pesquisa que a marca encomendou. Mas nunca olhou no olho da pessoa de/com quem a gente tá falando, nunca conversou, nunca empatizou.
Empatia é o ingrediente que mais está em falta no mundo hoje. Se colocar no lugar do outro. O engraçado é que é uma capacidade inata do ser humano. Mas não estamos usando. Nem vou falar muito sobre empatia porque quero que você veja esse vídeo e, sim, ele tem 45 minutos mas vale cada segundo.
Aí surgem os estereótipos: a mulher multitarefa, sem tempo para nada, que está insatisfeita com o corpo, que é dependente financeiramente, que cuida da casa e dos filhos sozinha. Ou a mulher objeto, hiperssexualizada. Não somos só isso e algumas destas visões estão bem defasadas.
Acontece que essas histórias não estão colando mais. Se não estamos empatizando, também não estamos gerando identificação: 65% das mulheres afirmam não se identificar com a forma como são retratadas na publicidade.
Tem um vídeo lindo da autora Chimamanda Ngozi Adichie que fala sobre o que acontece quando contamos sempre a mesma história ou o mesmo lado de uma história.
Nós, publicitários, vivemos numa bolha. As pessoas na nossa bolha têm um privilégio: nós temos voz. Uma voz que é capaz de atingir milhares de pessoas e mudar a cultura. Só que hoje nós somos como vitrolas: apenas reproduzimos discursos prontos. O exercício da empatia nos convida a ser mais como megafones e dedicar o nosso espaço para amplificar as vozes que ninguém está ouvindo.
Tá pouco de vídeo? Quer mais um? Olha que inspiradora a fala da Diane Lima no TEDx Mulher que rolou em São Paulo:
“O processo criativo é um espaço de poder porque ele é um espaço de escolha. E quando a gente escolhe, a gente pode escolher pela libertação: por libertar as pessoas dos modelos e das prisões.”
E no meio do caminho a gente pode descobrir que está libertando as marcas também.