- Cultura 6.ago.2015
Novo “Quarteto Fantástico” começa bem, mas desperdiça potencial com ato final desastroso
Reboot dos heróis no cinema, marcado por conturbada produção e divulgação, não escapa de mais um fracasso criativo
⚠ AVISO: Contém spoilers
Há uma série de elementos para justificar o fracasso colossal de “Quarteto Fantástico”, mais novo reboot da 20th Century Fox para um de seus mais problemáticos projetos cinematográficos: a dupla de filmes dirigida por Tim Story e lançada entre 2005 e 2007. Apesar do relativo sucesso comercial, que assegurou para ambos a liderança nas bilheterias no momento de seus respectivos lançamentos, a reação de crítica e público, sobretudo após a negativa publicidade boca a boca, seria suficiente para justificar uma nova tentativa de levar os heróis criados por Stan Lee e Jack Kirby para as telas do cinema.
No entanto, os sinais de que este seria mais um grande equívoco apareceram já durante a produção, marcada por infinitos desacertos criativos e de organização, e se seguiram em uma conturbada fase de divulgação. O resultado é um filme que não deixa muito espaço para dúvidas com relação ao desperdício de seu potencial.
A forma como a origem dos heróis é contada por Josh Trank é interessante, dadas as limitações do formato. “Poder Sem Limites”/“Chronicle”, seu único longa-metragem como diretor até então, também narrava a trajetória de adolescentes que adquiriam poderes especiais, mas o fazia de maneira distinta dos blockbusters de estúdio, oferecendo maior enfoque à construção e ao desenvolvimento dos personagens, tanto pré quanto pós-transformação. Em “Quarteto Fantástico”, a estratégia funciona até certo ponto.
Os jovens são carismáticos, os atores que os interpretam já deram sinais de talento em outros trabalhos e as nuances de suas histórias conferem certa profundidade a suas características e motivações. Reed (Owen Judge, depois Miles Teller) é um cientista promissor e socialmente inapto que inventa uma máquina de teletransporte ao lado do melhor amigo, Ben (Evan Hannemann, depois Jamie Bell), e acaba recrutado pela Fundação Baxter. Lá, passa a trabalhar na construção de um portal para outra dimensão sob a supervisão do Dr. Franklin Storm (Reg E. Cathey) e ao lado de seus dois filhos, Sue e Johnny Storm (Kate Mara e Michael B. Jordan, respectivamente), que se portam como opostos — ela, centrada e fria; ele, rebelde e aventureiro.
O filme sabe trabalhar suas personalidades e constrói as relações entre os personagens com paciência, se atentando para interações mais humanizadas, quase rotineiras, como a cena em que Reed envia uma foto sorrindo e uma mensagem descontraída a Ben, ou o momento em que Johnny é advertido pelo pai por se envolver em um acidente de carro. Trank possui um bom olhar para este tipo de relação, sabe moldar os conflitos de personalidades e preparar seu elenco para os eventos que mudarão suas vidas, como em um coming of age, e tudo parece caminhar bem até que eles adquirem seus poderes.
As “condições físicas anormais”, como descreve Sue, são tratadas exatamente desta forma: com inspiração em “A Mosca”, de David Cronenberg, o filme se concentra nas reações dos jovens a seus novos atributos, visualmente mais impactantes pelo horror que geram do que pelo show de cor, luz e movimento que poderia se esperar de um grupo de figuras tão especiais. Trata-se de uma decisão potencialmente interessante: tratá-los primeiro como monstros, antes que possam se provar heróis.
O potencial trabalhado com calma ao longo do ato inicial se perde, e o filme assume de vez uma perspectiva genérica e estereotipada sobre suas criaturas
Porém, é clara a inabilidade do filme em ligar este contexto, em que eles são até mesmo testados e explorados por forças militares, às características dos personagens quando humanos, apresentadas durante a primeira hora de projeção. Boa parte dos traços trabalhados com calma ao longo do ato inicial se perde, e o filme assume de vez uma perspectiva genérica e estereotipada sobre suas criaturas. Ben, por exemplo, praticamente aceita a condição de máquina de guerra em um intervalo de um ano, sem que uma reflexão moral, para além de seu aspecto físico, seja ao menos esboçada.
Victor Von Doom (Toby Kebbell), por sua vez, funciona como um simples artifício do roteiro para que os heróis possam ser heróis, um destino decepcionante após sua primeira aparição nesta dimensão, com direito a sangue, deformações físicas de toda sorte e um desfecho merecido para o personagem mais irritante do longa, vivido por Tim Blake Nelson. Kebbell, que em “Planeta dos Macacos: O Confronto” havia experimentado a transição entre anti-herói e vilão, simplesmente desaparece no terceiro ato em meio aos efeitos digitais, transformando-se em um dos piores antagonistas dos quadrinhos no cinema em tempos recentes.
Fruto do caótico esquema de produção hollywoodiano, “Quarteto Fantástico” é um desastre real e não há reunião de heróis capaz de salvá-lo
Sua participação em cena coincide com o segmento em que “Quarteto Fantástico” revela suas maiores fraquezas. Escrito por Trank ao lado de Jeremy Slater e reescrito por Simon Kinberg (dos últimos dois “X-Men”), o roteiro rejeita qualquer perspectiva de originalidade — do leve aceno com o horror visual ao desenvolvimento cuidadoso dos personagens — e se configura como um filme de super-heróis bastante abaixo da média e muito aquém do prometido pela introdução.
O que piora a avaliação é perceber que nem mesmo a ação é convincente para sustentar todo o peso da trama, que parte apressadamente de uma escala menor, focada em convicções e interações pessoais, diretamente em direção ao gigantismo de um buraco negro que pode engolir todo o planeta. Ainda, o desfecho ganha contornos piores graças aos efeitos visuais, que constroem um universo tão desinteressante e absolutamente genérico que até mesmo os criadores de “Lanterna Verde” o rejeitariam.
Parece impossível definir os graus de responsabilidade de estúdio e equipe criativa para tamanha disparidade de qualidade de realização entre o que o filme inicialmente anuncia e o produto final. Existe, entretanto, a certeza de que em algum momento os conceitos básicos e fundamentais do projeto foram abandonados, tornando o todo muito pior do que a soma das partes. Fruto do caótico esquema de produção hollywoodiano ou não, “Quarteto Fantástico” é um desastre real e não há reunião de heróis aos 45 do segundo tempo capaz de salvá-lo.
[ATUALIZAÇÃO]: O diretor Josh Trank publicou uma mensagem no Twitter – e apagou logo em seguida – alegando que a sua versão não é a que foi para os cinemas, corroborando os rumores de uma relação conturbada com os executivos.
Um ano atrás eu tinha uma versão fantástica. E ela teria recebido ótimas críticas. Vocês provavelmente nunca a verão. Essa é a realidade.”