- Cultura 11.set.2015
“Nocaute”: Jake Gyllenhaal é o maior trunfo de uma história (bastante) convencional
Antoine Fuqua não aproveita a performance de seu protagonista e entrega mais uma previsível redenção tendo os ringues de boxe como cenário
⚠ AVISO: Pode conter spoilers
Não são necessários mais do que cinco minutos para decifrar “Nocaute”. A previsibilidade de uma nova história de redenção tendo os ringues de boxe como principal cenário e a quase nula inovação em termos estéticos e narrativos, porém, não impede que Antoine Fuqua tente imprimir sua assinatura na obra. O problema é que o diretor novamente mostra ter a mão pesada demais, falhando em conduzir a trama de maneira consistente entre a ação e o melodrama.
A estrela do show é Jake Gyllenhaal. No papel de Billy Hope, um lutador que perde tudo — da invencibilidade em sua categoria a antigas amizades — após uma série de fatalidades, o ator é hábil ao não resumir sua interpretação a seu condicionamento físico e trejeitos de postura, embora os maneirismos tenham se tornado uma constante em seu currículo recente, bastante positivo.
Sua presença em cena é evidentemente impactante durante as montagens de treinamento e combate, quando a câmera explora cada músculo, golpe e movimento para construir intensidade e um senso muito claro de que ele pertence àquele universo violento por natureza. É nos momentos em que se foca no ambiente familiar, contudo, que sua performance ganha os melhores contornos: da relação com a filha Leila (a surpreendente Oona Lawrence) surgem os traços de agonia que o protagonista incorpora dia após dia à sua personalidade autodestrutiva, deixando-os transparecer pela desorganização da fala, a rigidez do corpo e o olhar desnorteado que carrega.
Nesse sentido, é incômodo que “Nocaute” trate com tanto desleixo os elementos que rodeiam sua figura central, dona de todos esses méritos de composição. Hope é cercado por personagens, situações e decisões narrativas que pouco têm a oferecer a ele — ao contrário, muitas delas interferem negativamente na construção do personagem. São questões que dizem respeito à superficialidade do texto e à inabilidade de Fuqua para o drama.
Não parece haver interesse em acompanhar e estudar o personagem de maneira mais apurada. O roteiro de Kurt Sutter (do seriado “Sons of Anarchy”) se ancora na jornada mais básica de queda e renascimento, e a executa com uma brutalidade de dar inveja ao mais agressivo dos boxeadores.
O arco geral é pontuado por tragédias intermináveis, que destroem tudo o que o protagonista considerava importante de modo bastante abrupto. Há dois símbolos definitivos dessa característica: seu oponente, Miguel “Magic” Escobar (Miguel Gomez), e o adolescente Hoppy (Skylan Brooks), que é treinado por Billy quando ele começa a trabalhar na academia de Tick Willis (Forest Whitaker).
É incômodo que “Nocaute” trate com tanto desleixo os elementos que rodeiam a composição de Jake Gyllenhaal
O rival, uma caricatura ambulante, causa o incidente que dá origem a todos os problemas e, apesar de demonstrar algum remorso ou culpa no calor do momento, reaparece com o mesmo ar de superioridade ao lado de Jordan (50 Cent), o agente que havia abandonado Hope logo após sua queda, em uma lógica que desrespeita escolhas anteriores do próprio filme. Por sua vez, o garoto é apenas um acessório para que sua redenção seja completa. Na ausência da filha, ele é o elemento infantil que alimenta essa necessidade paternal e deixa transparecer a humanidade que ainda resta em Hope — e nada além disso. Para piorar, o roteiro explora seu sofrimento e sacramenta seu destino, também desastroso, somente para dar sentido à volta por cima do protagonista.
Ao usar meios tão óbvios e costumeiros para contar uma história já repetida à exaustão, “Nocaute” torna-se um corpo perdido entre o sucesso e o fracasso
O inconveniente, aqui, não é que o filme se valha de uma narrativa simples, direta e orientada por um arco geral convencional, mas que Sutter e Fuqua sejam incapazes de conduzir Hope em sua trajetória de superação de provações com um mínimo de coerência. “Nocaute” se estrutura como um jogo de recompensas essencialmente falho, que apenas penaliza e nunca oferece algo substancial em troca. Roteirista e diretor levam o protagonista ao fundo do poço, mas dispõem de recursos muito pobres para tirá-lo de lá, e mesmo os personagens designados para essa função não passam de amontoados de frases feitas, como seu treinador/guru espiritual, que a despeito de certo charme acaba subaproveitado por ser projetado exclusivamente para reerguer o protagonista.
Os momentos mais genuínos partem mesmo de Leila, a única que manifesta vontade própria ao trazer Billy de volta após exigir distância dele — como dito ao pai em certo momento, “você precisa deixar que ela te odeie para que ela possa melhorar”, sintetizando a mudança pela qual ambos os personagens passam, não apenas o lutador em resgate. Além disso, a garota se torna o vínculo restante entre ele e a esposa (Rachel McAdams), contribuindo para que o rapaz ganhe em profundidade e a tragédia adquira um outro sentido de consequência a longo prazo.
Apesar de todos esses problemas, o filme se livra de um rótulo de desastre porque seus demais aspectos são corretos, sem grande destaque positivo ou negativo. As sequências de ação felizmente mantém o foco em Gyllenhaal, seu maior trunfo, e por vezes adotam seu olhar sobre o combate, o que produz planos em câmera lenta, primeira pessoa e/ou com foco distorcido que variam entre o certeiro e o estranho. O fato de usar meios tão óbvios e costumeiros para contar uma história já repetida à exaustão no cinema é o que torna “Nocaute” um corpo perdido entre o sucesso e o fracasso — um filme que se perde em algumas decisões fundamentais, mas se esquiva de críticas mais severas por se prender ao básico e contar com uma performance acima da média.