- Tech 19.mar.2016
B9 Entrevista: “A única barreira no Brasil é o pessimismo”, diz Ed Lee
O prefeito de São Francisco conta mais sobre a parceria que quer fazer com o Brasil
São Francisco me pareceu uma mistura de São Paulo com Rio de Janeiro quando estive por lá. Cidade litorânea com grande movimento urbano, São Francisco também é ponto central do Vale do Silício, local onde surgiram algumas das principais empresas de tecnologia do mundo, que agora se tornaram verdadeiros titãs dos negócios – é o caso de Google, Facebook, Twitter e tantas outras.
Na última semana, o prefeito de São Francisco, Ed Lee, esteve no Brasil liderando uma comitiva que quer facilitar uma relação de parceria entre a cidade e o nosso país. De voz mansa e calma, um pouco mais baixo que eu, Mr. Edwin Lee me passava uma sensação de senhor Miyagi, que sabia algo que a Jacqueline San aqui não sabia ainda. Com ensinamentos asiáticos e uma boa dose de sorrisos simpáticos, Ed Lee defendeu que mesmo com todas as dificuldades políticas e econômicas atual, o Brasil ainda é um parceiro importantíssimo. “É tudo uma questão de confiança”, disse ele, ressaltando que o que falta ao brasileiro é ser capaz de superar esse pessimismo atual e olhar para frente, observando as oportunidades que surgem de resolver alguns desses nossos problemas usando a tecnologia como intermediário.
Edwin também destacou que o esporte tem um papel importantíssimo nessa integração entre a Califórnia e o Brasil. Ele lembrou que dois grandes jogadores de basquete na NBA, Leandro Barbosa e Anderson Varejão, que fazem parte do time Golden State Warriors, são brasileiros. “Vamos pedir a eles para nos ajudarem a criar esse relacionamento com o Brasil. Esportes são uma forma muito interessante de unir as pessoas, e fico muito feliz de ver o Brasil sediando os jogos olímpicos. Isso só reforça o grande papel do Brasil no mundo, ao permitir que as pessoas se juntem usando o espírito do esporte para criar um maior entendimento entre países e culturas diferentes”, ressalta o prefeito de SF, colocando o amor pelo esporte como um dos pontos em comum entre nós e a Califórnia, também conhecida pelo apelido de Golden State.
Confira na sequência nosso papo com Ed sobre tecnologia, inovação, empreendedorismo e a parceria com o Brasil:
Jacqueline Lafloufa: Estou sabendo que você está em uma missão especial, pra fazer uma parceria com o Brasil. Por que o Brasil, Edwin?
Ed Lee: Nossa iniciativa se chama LatinSF, e o Brasil faz parte de um punhado de países que acreditamos poderíamos criar fortes laços de negócios. Nós estudamos o Brasil há anos e agora sabemos que apesar da crise atual, vocês também têm uma economia muito forte. E por isso decidimos que vale a pena criar parcerias com o Brasil, porque acreditamos e sabemos que existe um grande uso de tecnologia no país, o que nos deixa empolgados. São Francisco tem um dos maiores centros de tecnologia do mundo: devido a nossa relação com o Vale do Silício, temos mais de 2 mil empresas de tecnologia estabelecidas por lá. E também sabemos que centros urbanos como São Paulo e o Rio de Janeiro estão começando a mostrar têm um fortíssimo pólo de tecnologia nas áreas de finanças, saúde e transações online. E esse foi um dos principais atrativos quando pensamos em Brasil. Além disso, no ano ano passado tivemos mais de 120.000 pessoas do Brasil visitando a cidade de São Francisco.
“Criamos [um ecossistema] para apoiar os empreendedores, garantindo que o transporte funcione bem, permitindo que as pessoas se concentrem nos seus negócios e não precisem comprar um carro”
Eles gastaram mais de 200 milhões de dólares na nossa cidade, e estávamos tentando entender o porquê desse comportamento. E achamos que SF e Brasil tem se atraído, em especial na área do Vale de São Francisco. Fizemos algumas entrevistas pra saber no que as pessoas se interessam, e elas gostam do ecossistema que criamos para apoiar os empreendedores, da infraestrutura que criamos para apoiar pequenos negócios, garantindo que o transporte funcione bem, permitindo que as pessoas se concentrem nos seus negócios e não precisem comprar um carro, ou ter que se preocupar com despesas como estacionamento, essas coisas. Em SF, as pessoas podem ir para o trabalho e não se preocupar com nada disso. Ter coisas não é, para nós, uma medida de sucesso. Somos grandes entusiastas da economia do compartilhamento.
Somos uma cidade tão densa que não temos espaço para que todo mundo tenha posse das coisas. Se dermos às pessoas acesso a bom transporte publico e ao uso de bicicletas, se dermos a elas acesso a escritórios compartilhados para dividirem computadores, ou ate mesmo para compartilhar espaço no escritório, isso vai ajudar nossos empreendedores a serem mais bem sucedidos, e acho que é isso que atrai muitas pessoas a SF. Nós também temos laboratórios de pesquisa na área médica que são compartilhados por várias empresas farmacêuticas.
A tecnologia está impactando tudo, desde cuidados médicos a finanças. É possível melhorar ou expandir seu mercado e seu público alvo, além de ter um feedback melhor e em tempo hábil ao usar a tecnologia. É isso que queremos oferecer, falando com empresas de tecnologia e também com empresas que não têm tecnologia como foco, para que talvez elas formem uma parceria com SF para usar a força da nossa cidade não só do jeito tradicional, mas também de formas inovadoras – expandindo mercado, expandindo vendas online ou feedback dos consumidores.
E acho que a coisa mais importante é que nós somos muito a favor da diversidade. Acreditamos que qualquer empresa, pequena ou grande, quer ter acesso a um mercado internacional. Queremos permitir que as empresas tenham acesso a mercados na China, no Japão, Filipinas, toda a Europa, e isso pode ser feito via SF, onde temos uma grande variedade de consulados que refletem uma enorme quantidade de países. E quanto mais online as empresas puderem estar, mais bem sucedida elas vão ser.
JL: Eu acho que fui uma dessas milhares de visitantes de SF no ano passado. Estive lá e tive a sorte de ter a oportunidade de conhecer empresas de tecnologia como Evernote, LinkedIn e Prezi, alem da equipe do BayBrazil, uma turma de brasileiros e de interessados no Brasil que vivem no Vale do Silício. Eu lembro deles discutindo desafios de se instalar por aqui e de lidar com o Brasil. Um deles, que foi mencionado na época, era o boleto, que é um jeito bem brasileiro de fazer pagamentos e que impacta a logística da empresa. Que outros desafios você vê as empresas dos EUA tendo ao fazer parceiras com o Brasil?
Ed Lee: Burocracia é uma delas. Em SF, temos um portal único para abertura de pequenas empresas. Tudo o que você precisa para abrir um negocio está lá. Isso facilita bastante, e temos esse portal em vários idiomas – ainda precisamos fazer a versão em português! Vou me certificar que tenhamos esse portal também em português! Mas há 5 anos, você tinha que ir em vários locais e agências, pegar filas para obter certificados, e agora tudo é online e fácil. Essa é a infraestrutura que damos para apoiar o empreendedor: menos burocracia. Também acreditamos que podemos fazer mais parcerias com universidades. Sabemos que existem boas universidade em SP e RJ e queremos estar em contato com elas, não só na área de negócios e comunicação, mas também em outros setores como saúde, turismo, ONGs. Estudantes não são imediatamente empreendedores, mas eles podem se interessar por conceitos inovadores. A tecnologia é uma linguagem tão internacional que pode ser aplicada para tantas pessoas e em diversos ramos, tornando processos mais eficientes.
A tecnologia é uma linguagem tão internacional que pode ser aplicada para tantas pessoas e em diversos ramos, tornando processos mais eficientes.
JL: E no outro sentido, qual é o principal desafio de vocês dos EUA para trazer uma empresa para o Brasil? O que você gostaria que fosse mais fácil?
Ed Lee: Esse é o grande motivo de estarmos aqui. Queremos aprender como criar esse relacionamento entre SF e Brasil. Eu acho que a gente já vem com algum conhecimento sobre como criar relacionamentos. Sabe, na cultura chinesa, existe um ditado que diz “amizade primeiro, negócios depois”. E estamos dispostos a criar essa amizade com o Brasil, para que dela possam florescer negócios. Eu não vejo nenhum obstáculo imediato, porque nos somos muito otimistas e nós entendemos que mesmo com os desafios atuais, com a economia em um momento de sofrimento, ainda temos a possibilidade de falar com as pessoas sobre ideias e expandir essas ideias, assim quem sabe não teremos apenas um jeito de resolver um problema, deveríamos pensar em 3 ou 4 maneiras diferentes de solucioná-lo.
Na cultura chinesa, existe um ditado que diz: “amizade primeiro, negócios depois”
Eu acho que hoje em dia, o foco é ser mais confiante. Acho que algumas pessoas estão sentindo um pessimismo, um negativismo, principalmente por conta da economia, e nós viemos para dizer “Hey, se você usar a tecnologia do jeito certo, se você expandir as suas ideias, se você fizer as pessoas trocarem conhecimento e ideias de uma forma mais fácil e livre, você vai superar esse punhado de problemas” e é por isso que estamos muito otimistas com esse relacionamento e essa parceria com o Brasil. Não vemos nenhuma barreira imediata, a única barreira seria o pessimismo. E é tudo sobre confiança, sobre agir diferente. Assim que as pessoas entenderem que elas podem se beneficiar com um relacionamento que eles não tem hoje, eu acredito mesmo que isso pode ajudar a criar oportunidades de investimentos.
JL: O que você está dizendo é que mesmo com essa ebulição política que temos no Brasil, com os protestos e a nossa crise econômica, mesmo assim, você acha que é importante fazer essa parceria com o Brasil?
Ed Lee: Absolutamente.
JL: Você acha que essa parceria e as oportunidades que ela traz podem ajudar a gente a resolver inclusive esses problemas, mais especificamente?
Ed Lee: Bom, pense só: somos a cidade onde existe a sede do Twitter. Pelo que eu fiquei sabendo, durante os protestos houveram mais de 700.000 tuítes, então as pessoas estão se comunicando. E claro, isso está na área dos desafios políticos dessa época, mas também é uma evidência que se algo é importante para os brasileiros, eles vão se comunicar e se expressar, através de plataformas como o Twitter e outras plataformas. É por isso que digo que existem muitas possibilidades, e possibilidades muito animadoras, de que assim que as pessoas se comunicarem, será possível entender o que elas estão querendo dizer. E você percebe que assim que elas ficam confortáveis com a situação política, eles vão usar essa mesma plataforma pra falar sobre outros assuntos, dividir ideias sobre como resolver problemas, e vão usar essa mesma plataforma de comunicação para chegar a uma solução. Está lá! Ou seja, se você quiser resolver um problema, até econômico, as plataformas existem para que se troquem ideias, ideias econômicas ou políticas, o que pode ajudar a levar o país a avançar política, econômica e socialmente.
JL: Outra pergunta que eu queria fazer, e que eu costumo fazer todas as vezes que eu falo com empreendedores: você acha que o empreendedorismo é para todo mundo?
Ed Lee: A resposta depende de como você define o empreendedorismo. Você não precisa sempre ser um empreendedor. Empreendedorismo não tem a ver com ser dono de algo, mas de sim ter um espírito de superar desafios, de resolver o seu principal objetivo. Para a maioria das pessoas, não tem a ver com conquistar 1 bilhão de dólares, ainda que eu ache que as pessoas iam adorar isso como uma meta. No entanto, existem várias pessoas que usam e precisam do espírito empreendedor para ser capaz de atingir metas sociais, para ter sucesso no que eles realmente querem conquistar, que pode ser melhorar o mundo no sentido ambiental, social ou político. São muitos os objetivos.
Empreendedorismo não tem a ver com ser dono de algo, mas de sim ter um espírito de superar desafios, de resolver o seu principal objetivo
Eu, por exemplo. As pessoas dizem que eu sou um “prefeito de negócios”, mas eu não tenho nenhum negócio meu. Eu era um advogado de direitos civis. O que eu gosto mesmo é de fazer as pessoas serem bem sucedidas. É isso que eu gosto de ver. Porque assim, elas vão empregar mais pessoas, vão criar bairros estáveis, um clima de negócios estável, e essa infraestrutura criada pelos negócios vai então apoiar minhas metas sociais, que são ajudar as pessoas a terem moradia mais barata, trabalhos bons e estáveis, aumentar sua renda, sustentar suas famílias…
Eu gasto muito do dinheiro do governo em programas sociais e eu quero que esses programas sejam mais sustentáveis, permitindo que as pessoas “fiquem de pé sozinhas” e que sintam seu próprio poder de inovação. É isso o que eu gostaria de ver. Ou seja, quando algumas pessoas pensam sobre empreendedorismo, não deveria ser apenas sobre acumular dinheiro, deveria ser também sobre o compartilhamento de conhecimento e sobre permitir que outras pessoas sejam bem sucedidas também, assim como elas. Além disso, acho que o papel do governo também deveria ser de não apenas beneficiar o acúmulo de renda, e por isso que em SF somos muito a favor da economia do compartilhamento, porque se as pessoas tiverem acesso à coisas, elas vão ser tão bem sucedidas quanto aqueles que acumularam 5 carros, duas casas, e coisas como essa. Isso não é necessariamente uma indicação de sucesso.
Em SF somos muito a favor da economia do compartilhamento, porque se as pessoas tiverem acesso à coisas, elas vão ser tão bem sucedidas quanto aqueles que acumularam 5 carros, duas casas, e coisas como essa. Isso não é necessariamente uma indicação de sucesso.
JL: Você fala bastante sobre usar a tecnologia em diferentes setores, para resolver problemas e fazer as pessoas serem bem sucedidas, o que acho incrível. Se você pudesse resolver um problema ao abrir uma empresa ou startup, que startup seria essa?
Ed Lee: Eu fico mais animado na indústria dos cuidados com a saúde. Tentar resolver, ou facilitar algo, no ramo da medicina, para tentar curar ou amenizar algumas das principais doenças que impedem as pessoas de terem uma vida mais longa e bem sucedida. Para mim a indústria da saúde é onde quero garantir que exista um maior apoio. Isso porque na área de SF temos instituições médicas incríveis, que estão começando a conseguir resolver doenças como Alzheimer, e curando canceres. É como curar a Malária ou a Febre amarela: queremos ajudar as pessoas a viverem mais e melhor, e isso pra mim ainda é um enorme desafio. Trabalhando com o que chamam de “medicina de precisão” vamos ter os maiores avanços, e conseguir pegar dados que permitam que as pessoas entendam melhor sobre seu estado de saúde, além de permitir que consigamos novas ideias para curar doenças que assolam milhões de pessoas.
*Foto da capa: Oracle PR
**Foto em destaque: Commonwealth Club