Clique aqui: como um gesto mudou nossa visão da informação

Clique aqui: como um gesto mudou nossa visão da informação

Respeite o clique. Use-o com sabedoria.

por Valter Nascimento

Para chegar até este texto você precisou dele. Foi pensando nele que usei um título chamativo, uma imagem de destaque, sentenças curtas. Se você gostar do que lê irá usá-lo para replicar este texto adiante, se não, irá precisar dele para fechar a aba do navegador. Estou falando do gesto que move a internet de um lugar para outro, que populariza notícias, vende coisas, faz prosperar ou falir empresas, impulsionando sites, organizações e governos, o gesto que determina o que vemos e o que não vemos on line. Estou falando do clique.

O clique é um gesto tão comum quanto estalar os dedos, coçar o nariz ou apagar um cigarro. Incorporado em nossa rotina, não percebemos a importância de clicar. A própria palavra click, (clic, clique) está etimologicamente ligada ao barulho de uma tecla, botão ou gatilho, o ruído que confirma que algo responderá ao nosso comando. A touch screen é o aprimoramento da dialética clique / objeto, retirando a barreira do botão da experiência da resposta ao toque. O próprio termo “digital” refere-se ao toque do clique. Digitalizar quer dizer também modificar com a ponta do dedo.

Mas qual é a diferença entre clicar e tocar? Desde os primórdios o homem é apaixonado por clicar, pelo poder de controlar coisas complexas com um toque de pressão. Enquanto tocar é um exercício de reconhecimento (tocamos para sentir e saber como as coisas são), clicar é fazer uma pergunta, demandar um desejo, exercer uma forma sutil de poder. O curandeiro toca o enfermo para remover o mal, o soldado usa a espada para tocar o inimigo e provocar-lhe o mal, o clique é um acordo para que outra coisa faça por você o bem ou mal. Há um distanciamento, uma transferência de responsabilidades do sujeito para o objeto. Clicar é a evolução do tocar.

Click

O poder de influência do clique sobre a sociedade começou de modo definitivo com a Revolução Industrial. A criação de máquinas proporcionou um prazer até então desconhecido, o de acionar com a pressão dos dedos uma série de mecanismos capazes de realizar o que antes só era possível com a força de mil braços. Isso criou algo inédito na história humana, a possibilidade de resposta inteligente (ou pensada para tal) de um objeto artificial, capaz de continuar e aprimorar uma ação.

Digitalizar quer dizer também modificar com a ponta do dedo

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Se por muito tempo nossa capacidade de fazer um objeto artificial responder ao nosso comando foi limitada – uma flecha disparada por um mecanismo, de clique ou não, cumpre sempre uma ação simples, ir em linha reta – a revolução tecnológica proporcionou o aprimoramento da ação – o clique do lança-foguetes que envia o míssil ao alvo em curva, por exemplo. Assim, o clique criou a figura do usuário, aquele para qual o clique é feito.

> Click Here for <

O poder simbólico de decidir algo com as pontas dos dedos faz parte da nossa cultura. O clique do botão vermelho que detona a bomba do juízo final, o bater de teclas do escritor diante da máquina de escrever, o gatilho disparado, o botão de enter pressionado para enviar uma mensagem. O clique se tornou o moto-contínuo da internet e bilhões de dólares são gastos para fazer apenas com que você pressione um botão na hora certa, no site certo.

Eli Pariser, um dos presidentes da ONG MoveOn.Org, em seu livro “O Filtro Invisível” – O que a internet está escondendo de você, alerta para o uso indiscriminado de algoritmos capazes de prever o comportamento de usuários on line (algo que a série “House of Cards” mostrou com precisão em sua 4ª temporada). Empresas como a Loopt e a TargusInfo vendem em seus sites serviços denominados como “customer inteligence”, “data onboard” e “marketing analytics”, algo que Pariser estima em 62 bilhões de dados sobre comportamentos on line baseados em muitas coisas, mas principalmente em cliques.

Click

O clique diz muito sobre sua personalidade, gostos, orientação política e até estado emocional. Os sites de vídeos pornôs podem criar relatórios bastante precisos sobre os gostos de seus usuários (mesmo que estejam usando a aba anônima do navegador) pelo mapa de seus cliques. Podem saber não só suas pesquisas por categorias e tags, mas podem saber se um filme é entediante através de um número de cliques para avançar o vídeo em determinada cena, ou podem saber se tal cena é realmente excitante pelo número de voltas e pausas naquela parte.

Clicar é a evolução do tocar

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Facebook e Google já usam esse método de maneira bastante agressiva. Basta que você clique em algum post, mesmo que por desinteresse (os algoritmos enfrentam o desafio de diferenciar os cliques por interesse daqueles feitos por motivos obscuros, o famoso stalker, onde nem sempre sabemos o que queremos descobrir ao xeretar a vida dos outros) para que uma enxurrada de coisas relacionadas assombre você por dias.

O click moral

Clicar é fácil, direto e confere poder ao usuário. Clico, se não gostar, fecho. Mas a verdade é bem mais complexa. Parafraseando o mais parafraseado dos personagens, nos tornamos eternamente responsáveis pelo que clicamos. Nosso comportamento se tornou mercadoria e isso afeta a isenção das coisas ao redor. Já é comum que sites de notícias troquem suas manchetes principais baseados na quantidade de cliques.

Uma matéria com poucos cliques, mesmo que relevante, vai para o fundo da página. Em outros casos, a personalização da notícia é ainda mais assustadora. Se gosto de um tipo de assunto, é provável que alguns sites, por mais abrangente que seja seu editorial, sempre me ofereçam o mesmo conteúdo. Afinal, quão mais á vontade me sinto, mais cliques dou. Isso gera uma sensação de conforto, mas piora nossa visão de mundo criando um universo de conteúdo pré-moldado.

Click

O clique pode levantar e destruir impérios. Pode te dar uma baita dor de cabeça, clicando num link duvidoso que instalará um vírus no seu computador, por exemplo, ou pode criar uma versão errada ou imprópria do seu Eu on line.

Há uma versão de nossa personalidade baseada em cliques – a que chamo de Fantasma Binário – um fantasma criado para prever nossas decisões, desejos e influenciar nosso comportamento.

Nem sempre clicamos de maneira objetiva, podemos abrir links, curtir fotos ou posts por curiosidade, nojo, raiva ou interesse passageiro. Nossas opiniões podem mudar ao logo do dia, nossa moral pode sofrer reviravoltas, prever o comportamento humano não é (ainda) uma ciência exata. Essa versão do nosso Eu não nos é dada, não podemos saber ao certo como as redes de processamento de algoritmos nos veem, mas sabemos que elas veem.

O mercado do clique não conhece crise. Os tweets patrocinados, os anúncios do Google ao lado de suas pesquisas (e também dentro da sua caixa de e-mails), a modificação do Feed a favor do conteúdo “clicável”, tudo isso mostra que o mercado prioriza o clique a qualidade. Busca-se criar um mapa do comportamento de compra. Rolar páginas sem mover o cursor e apertar o botão não é lucrativo.

Click

Os botões da versão mobile do Tumblr reforçam a importância em clicar


Como já disse antes, não existe almoço grátis na internet, se nos seus primórdios a web era movida pelo número do cartão de crédito (que nasceu, obviamente, através da indústria pornográfica), hoje temos a falsa noção de que o acesso ao conteúdo é gratuito, mas para ler, ver, baixar, você precisa pagar com o clique. É cada vez mais presente o hipertexto, as matérias cheias de links, os botões de download em demasia (afinal, qual botão é o correto para baixar aquele arquivo?), os anúncios que pulam sobre o texto. O clique é mais poderoso que o bitcoin, mais estável que qualquer moeda global e o seu poder está mudando a qualidade do que consumimos através da internet.

O clique é mais poderoso que o bitcoin, mais estável que qualquer moeda global

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No desespero por mais cliques pessoas farão de tudo para chamar sua atenção, notícias serão forjadas, governos omitirão dados, campanhas publicitárias criarão engôdos. O clique é o gesto fundamental da vida on line, sem ele não é possível interagir com nenhum conteúdo, mas também através dele conteúdos são modificados, removidos, maquiados, criados para mudar o nosso pensamento e a nossa capacidade avaliativa da sociedade.

O clique trouxe você até aqui e vai lhe levá-lo para outro lugar. Respeite o clique. Use-o com sabedoria.


Valter Nascimento é livreiro, escritor, estudante de relações internacionais.

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