Behind The Brains: Terry Gilliam e “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”
Terry Gilliam é um desses caras que volta e meia arruma encrenca com algum grande estúdio de Hollywood. Só que ao invés de reclamar da falta de crença e insensibilidade de muitos engravatados da indústria do cinema, ele vai lá e coloca na telona as suas ideias, sozinho mesmo. Muitas vezes de forma independente, sem grandes verbas, ele realizou pequenas obras-primas ao longo da carreira.
Ainda que longe do que pode ser considerado sucesso comercial, os filmes de Gilliam geralmente acompanham a palavra “cult” como etiqueta. Apenas “Os Bandidos do Tempo” (1981), “O Pescador de Ilusões” (1991) e o espetacular “Os 12 Macacos” (1995) foram comercialmente rentáveis na carreira do diretor. Mas por mais prejuízo que tenham dado a seus respectivos estúdios, o fundamental “Brazil” (1985), “As Aventuras do Barão Munchausen” (1989) e “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998) ajudaram a dar a Gilliam o rótulo de visionário.
Ele mesmo revela que não tem a pretensão de fazer filmes difíceis e elitistas, mas que suas tentativas de atingir um maior número de pessoas continuam falhando miseravelmente. Se isso pode mudar esse ano, com o lançamento de “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”, ainda é um enigma. Será lembrado para sempre como “o último filme de Heath Ledger”, que foi substituído na segunda metade da obra por atores populares, chamarizes de bilheteria, como Johnny Depp, Jude Law, e Colin Farrell, mas deve continuar sendo um longa com a cara e imaginação de Terry Gilliam, como revelaram as resenhas durante o Festival de Cannes em maio passado.
Gilliam começou sua carreira participando de um grupinho aí, nada conhecido e que nem foi responsável por influenciar o humor e a comédia do absurdo pelo resto dos tempos: Monty Python. Era Gilliam que criava as icônicas animações presentes nos filmes e gags da trupe britânica, o que acabou definindo toda a linguagem visual do grupo, até ser incorporado de vez ao elenco ao lado de Graham Chapman, John Cleese, Terry Jones, Michael Palin, Eric Idle e Carol Cleveland.
Terry Gilliam durante as filmagens de “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”
Aliás, Terry Gilliam é o único integrante não britânico do Monty Python. Ele nasceu em Minnesota, nos EUA, e em 1968 obteve a cidadania britânica. E foi assim durante 38 anos, com dupla nacionalidade, até que em 2006 resolveu renunciar o seu registro de cidadão americano, como forma de protesto contra o governo de George W. Bush. Se Gilliam bate o pé com grandes estúdios por conta de suas convicções artísticas, não dava para esperar diferente em se tratando de política.
Passou das animações para papéis menores em sketches, e deu um passo além quando co-dirigiu, ao lado de Terry Jones, o longa “Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado” em 1975. O surrealismo e nonsense empregado por Gilliam nas animações do Monty Python já davam o tom do que ele faria em seus filmes no futuro. Suas produções são conhecidas por serem enormes fantasias de visual extravagante, em que a história é contada em parte ou no todo através da imaginação de um personagem.
“The Imaginarium Of Doctor Parnassus” é criação original de Terry Gilliam, que escreveu o roteiro em parceria com Charles McKeown. Os dois já haviam trabalhado juntos na concepção dos roteiros de “Brazil” e “As Aventuras do Barão Munchausen”. Em busca da imortalidade, Dr. Parnassus, interpretado pelo veterano Christopher Plummer, faz um pacto com o Diabo (Tom Waits), carinhosamente chamado de Mr. Nick. Já com 1000 anos de idade, Parnassus continua viajando com o seu circo, oferecendo ao público a possibilidade de ir além da realidade ao atravessar um espelho mágico.
Dr. Parnassus faz um segundo pacto com o tinhoso, dessa vez querendo ser jovem novamente. Acontece que em troca, Mr. Nick quer ser dono da filha de Parnassus, e assim que ela completar 16 anos voltará para buscar o pagamento. O misterioso Tony (Ledger, Depp, Law e Farell) é que vai tentar fazer o Diabo mudar de ideia, viajando em mundos paralelos para salvar a jovem Lily Cole.
Quando perguntado quais suas influências na produção do filme, Gilliam responde rápido: “Meu cérebro. As inspirações para meu o trabalho vêm de pinturas, livros, música e não filmes, como muita gente imaginaria”. Durante painel na Comic-Con 2009, brincou: “Sempre que fico sem ideias vou para a National Gallery de Londres e roubo ideias de artistas mortos… porque aprendi que eles não podem me processar.”
Assim como aconteceu em seus filmes anteriores, Terry Gilliam teve problemas com “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”. A morte de Heath Ledger, no meio das gravações, quase fez o filme ser esquecido no fundo de uma gaveta. Depois de contornar a ausência do ator, Gilliam enfrentou a resistência de distribuidoras, que não queriam arriscar com mais um projeto experimental do diretor.
Nessa semana, a data de estréia no Reino Unido foi finalmente definida, 16 de outubro, com o lançamento do trailer que você confere (e deve conferir) no fim desse post. Aqui no Brasil, apesar de ainda sem previsão de chegada, a distribuição ficará por conta da Sony Pictures.
Em longa entrevista ao programa One on One, em abril deste ano, Terry Gilliam revisita sua carreira
A persistência de Terry Gilliam em criar obras absolutamente autorais e únicas, burlando as cruéis leis do mercado cinematográfico, é a prova do gênio de fértil e inesgotável imaginação. Seja com filmes atemporais ou com comerciais da Nike (sim, ele dirigiu dois, em 2002), sua batalha para fincar o pé quanto suas concepções artísticas transformam qualquer set de filmagem em um campo de guerra. Já que é assim, ele faz o que quer e pronto. Paga o preço por não entrar no jogo, mas tem todas as suas ideias nos lugares em que deveriam estar.
Nos próximos anos, Terry Gilliam volta as suas atenções novamente para um projeto que já sonha faz tempo. Levar para os cinemas a história “The Man Who Killed Don Quixote”, uma sátira que combina o clássico de Miguel de Cervantes com os dias atuais. Um publicitário que começa a viajar no tempo involuntariamente e vai parar no século XVII, onde é confundido com Sancho Panza.
Gilliam tentou produzir o filme no final do ano 2000, quando enchentes no set e uma doença do ator Jean Rochefort interromperam as filmagens, cancelando todo o resto. O diretor transformou a iniciativa desastrosa em um documentário, e em 2010 vai tentar de novo. Mais um exemplo de sua incansável persistência.
| Fontes: Dreams, Omelete, One on One