Festival do Rio: “A Forma da Água” vai te deixar sem fala e sem fôlego

Festival do Rio: “A Forma da Água” vai te deixar sem fala e sem fôlego

Marque no calendário: novo filme de Guillermo Del Toro estreia em janeiro

por Virgílio Souza
Shape of Water

O novo filme de Guillermo Del Toro, “A Forma da Água”, tem estreia agendada para 11 de janeiro nos cinemas brasileiros, e os fãs do diretor (e de fantasia em geral) têm motivos de sobra para registrar a data no calendário desde já. Vencedor do Leão de Ouro em Veneza e recebido calorosamente por onde passou até agora, o longa marcou a abertura do Festival do Rio nesta quinta, dia 5. Confira abaixo nossas primeiras impressões.

Guillermo del Toro no set

Ao longo de mais de três décadas, Del Toro sempre demonstrou ter devoção pelas criaturas que inventa. Universos como os de “Hellboy” e “O Labirinto do Fauno”, habitados por todo tipo de monstro, fazem parte de uma espécie de religião para ele: carregam significados importantes e são capazes de fazer parecer que tudo é possível, justamente porque olham para o mundo sem a viseira cada vez mais comum do cinismo. Nesse sentido, é difícil encontrar no cinema mainstream atual (e mesmo dentro de sua carreira) uma celebração da esperança mais impactante do que “A Forma da Água”.

No centro do longa está o relacionamento entre Eliza (Sally Hawkins), a zeladora de um laboratório do governo americano, e a criatura anfíbia (Doug Jones) detida ali para a realização de experimentos. Ela é muda e, por isso, diferente dos demais, o que torna ainda mais significativo esse contato quase ingênuo, despido de preconceitos, entre duas figuras antes solitárias. Ao redor do casal, que dá corpo à essa combinação de romance e fantasia, estão personagens também discriminados: uma mulher negra marcada pelas expectativas injustas da sociedade; um idoso que hesita em abraçar sua realidade e se recolhe diante da intolerância; e um cientista que, por razões variadas, tenta resistir a uma visão de mundo míope, incapaz de enxergar o outro.

O ano é 1962, mas muito do que se vê ainda ecoa nesses conturbados tempos recentes. A partir da junção de drama social e ficção científica, Del Toro traz o espetacular para o cotidiano, fazendo com que seu melodrama, clássico também na maneira de filmar, encontre pelo caminho os aspectos extraordinários que sempre o consagraram. Na tela, mesmo os acontecimentos mais simples ganham contornos mágicos, muito porque sua lente procura olhares, mais do que palavras. (Vale notar: o diretor já afirmou algumas vezes que, diferente de colegas que buscam atores capazes de recitar diálogos com perfeição, ele procura aqueles que saibam “olhar e ouvir”).

Del Toro se preparou a vida inteira para chegar até esse ponto

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Pela própria condição dos protagonistas, o silêncio é um componente importante da narrativa. Eles, que por natureza não conseguem se expressar verbalmente, usam os recursos possíveis para transmitir sentimentos que são familiares a todos, mas que até hoje ninguém, em tempo algum, foi capaz de capturar por completo. A direção valoriza esses momentos chamando atenção para a postura e as expressões dos personagens, como se cada cena fosse coreografada para favorecer essa comunicação de emoções através de seus corpos.

Dos intérpretes à câmera, tudo em “A Forma da Água” se move com a liberdade de um musical. O filme cresce nesse ritmo, como se flutuasse de situação em situação embalado por uma combinação de temas instrumentais e faixas de produções da primeira metade do século passado — “Uma Noite no Rio”, com direito a performance de Carmen Miranda, é uma delas. Inventivo e ambicioso, sobretudo considerando o orçamento pequeno para os padrões de Hollywood (fala-se em apenas 19 milhões de dólares), o filme toma a trilha como ponto de partida para construir uma homenagem das mais delicadas ao cinema sem precisar recorrer aos grandes clássicos, como acontece com frequência numa indústria bastante focada nos próprios feitos.

Há tanta sinceridade e originalidade em sua declaração de amor pelo meio, por essa forma de contar histórias, que cada plano se desdobra em uma nova descoberta e confirma a impressão de que, aqui, toda joia é realmente rara. Pensando em retrospectiva, a sensação é de que Del Toro se preparou a vida inteira para chegar até esse ponto em que qualquer palavra parece pequena diante da força de suas imagens. Dizendo do modo mais simples possível: fazia tempo que um filme não me deixava assim, tão sem fala e sem fôlego.

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