Americanos em pé de guerra pelo fim da neutralidade de rede
Decisão de tirar o acesso igualitário à internet ganhou novos capítulos, que incluem a falsificação de comentários em apoio à decisão
Em dezembro, os americanos podem mudar a percepção que temos sobre o acesso à Internet hoje. Tudo isso porque a Comissão Federal de Comunicações – FCC, apresentou uma proposta que quer acabar com a neutralidade de rede, conceito que impede a discriminação de usuários no acesso à internet. Caso aprovada, a ideia derrubaria as proteções estabelecidas à neutralidade pelo governo de Barack Obama, que havia tornado o acesso às redes como um serviço tão básico quanto o acesso à água ou à eletricidade. Com as restrições, um usuário faria o consumo de acordo com a velocidade permitida pelo seu pacote, sendo bloqueado de usar sites ou plataformas que exigissem velocidades acima do valor pago, o que é uma forma de tirar o acesso igualitário garantido atualmente.
A maioria dos membros da Comissão são republicanos, o que dá a aprovação quase como certa (o Congresso Americano é liderado por eles). No entanto, o lobby pela campanha continua, com algumas medidas no mínimo polêmicas para garantir a aprovação da proposta. Entre elas, a falsificação de comentários que apoiariam o projeto, tática descoberta pelo cientista de dados Jeff Kao.
Votação que vai decidir o futuro da internet nos Estados Unidos será no dia 14 de dezembro
Segundo a FCC, algo que endossaria seu projeto teria sido o recebimento de uma série de formulários recebidos por americanos que acreditaram na proposta. Mas pela investigação comandada por Kao, ao menos 1,3 milhão de comentários seriam falsos. Mensagens enviadas por Mail Merge praticamente “flodaram” o sistema da FCC com a mesma tonalidade de discurso, com extensão e expressões semelhantes.
As descobertas de Kao indicam que menos de 800.000 dos 22 milhões de comentários submetidos à FCC podem ser classificados como verdadeiramente únicos, entre três e quatro por cento do valor total. Enquanto isso, os comentários que podem ser considerados legítimos representam mais de 99% das submissões.
Para a investigação, o cientista de dados levantou o ponto de um site configurado em apoio de um segmento que foi exibido na Last Week Tonight com John Oliver, que ofereceu um modelo que os visitantes poderiam usar para prometer seu apoio à neutralidade da rede para a FCC. A análise que Kao realizou pode distinguir entre esse tipo de campanha e as submissões que vieram de um spambot ou de outra técnica similar.
“Eu não ficaria chocado ao descobrir que isso está acontecendo em muitos lugares onde existe um fórum público, e não há muita validação”, disse Kao para o site Futurism, quando perguntado sobre o grau de disseminação desse tipo de comportamento. O hackeamento de relações públicas é comum em serviços que dependem de críticas de usuários como Yelp e Amazon, e as técnicas tornaram-se bastante sofisticadas, muito além da simples contratação de pessoas para avaliações falsas.
Não se sabe quem teria feito o envio dos e-mails, mas a FCC argumenta que também recebeu mais de 400 mil comentários pela aprovação do projeto vindos de um mesmo e-mail, da Rússia, o que deixa dúvidas se a localização é legítima ou foi usada apenas para despistar a suposta falsificação. Mas para Kao, a Comissão não tem condições de fazer uma investigação em que possa chegar a esse tipo de conclusão quanto à veracidade das mensagens.
Enquanto isso, os americanos estão às vésperas da votação, que acontece dia 14 de dezembro. Com a queda da regulação da Internet, começaria uma verdadeira guerra entre os provedores de internet, que cada vez mais são produtores de conteúdo: a Verizon, provedora americana, é dona da Fios, concorrente direto da Netflix. Isso significaria que um usuário que utilizasse um pacote da empresa poderia ter dificuldades de ver um episódio novo de “Stranger Things”, uma vez que sua velocidade seria reduzida, a não ser que quisesse pagar mais para acessar a plataforma concorrente da Fios. Ao mesmo tempo, médias e pequenas empresas teriam mais dificuldades de propagar seu conteúdo, enquanto que as gigantes Google e Facebook se preocupam com a queda da neutralidade devido à perda de controle sobre o compartilhamento de conteúdo pelas suas redes sociais, ocasionada pela decisão.
Recentemente, viralizaram imagens de planos de operadoras em países como Portugal e Nova Zelândia, exemplificando como a internet seria fatiada pela empresas em caso de fim neutralidade de rede:
In Portugal, with no net neutrality, internet providers are starting to split the net into packages. pic.twitter.com/TlLYGezmv6
— Ro Khanna (@RoKhanna) 27 de outubro de 2017
This is real. This is the state of internet in New Zealand, a country without Net Neutrality laws. https://t.co/O5XCxnLbFx pic.twitter.com/Onbhf9eHVM
— Cory Doctorow (@doctorow) 24 de novembro de 2017