Novos cineastas para ficar de olho
Conheça alguns nomes que podem se tornar referência nos próximos anos
Toda década traz sua geração de bons cineastas. Nos anos 90, nomes como David Fincher, James Gray, Paul Thomas Anderson e Quentin Tarantino estouraram em Hollywood, com obras como “Fuga Para Odessa”, “Cães de Aluguel”, “Boogie Nights” e “Clube da Luta”. Hoje, os quatro estão entre os mais prestigiados diretores do cenário cinematográfico.
Mas, então, quem são os autores em destaque na atual década? Nos últimos anos, uma nova geração de cineastas surgiu. Pensando em trazer um novo olhar para nosso público e promover o trabalho desses novos artistas, criamos uma lista com alguns nomes em ascensão na indústria, incluindo desde diretores que já chegaram ao ponto de obterem indicações a prêmios importantes, até outros que ainda realizam produções menores.
Para fugir do óbvio, a lista evitará citar nomes como Damien Chazelle (de “Whiplash” e “La La Land”) e Barry Jenkins (“Moonlight”), já que a dupla, apesar de ter curta carreira, já alcançou sucesso de crítica e público, tendo inclusive conquistado prêmios importantes nos últimos anos. Outro critério para a seleção abaixo foi escolher apenas cineastas com, no máximo, dois longas-metragens dirigidos até aqui.
Edward Trey Shults
O americano de 29 anos trabalhou como assistente de direção de Terrence Malick por um bom tempo. Esteve presente em filmes como “A Arvore da Vida”e “Voyage Of Time: A Life’s Journey” . Mas, muito mais do que um “filhote” de Malick, Trey Shults demonstrou, em apenas dois filmes, ser um cineasta capaz de trabalhar desde temas individuais aos coletivos com a mesma sensibilidade e ter um leque de recursos invejável.
Em “Krisha”, de 2015, Edward conta uma história familiar com técnica arrojada e um realismo quase documental. Nele, Edward não só dirige, como escreve, atua, produz e monta. Já em seu mais recente filme, “Ao Cair da Noite” (que foi comentado no Cinemático), de 2017, o cineasta faz um terror sobre paranóia e civilidade.
Por quê ficar de olho em Edward: em um tempo no qual cineastas constróem suas narrativas ancoradas unicamente no texto e menosprezam a força da imagem – que é o mais poderoso recurso da sétima arte -, Edward Trey Shults é um artista interessado em imergir seu espectador no filme imageticamente. Além disso, é um diretor que, como dito acima, se interessa por trabalhar desde temas mais íntimos (como a briga familiar de “Krisha”) aos mais complexos. Em “Ao Cair da Noite”, por exemplo, Edward abre espaço para discussões sobre a fragilidade da civilidade humana diante de situações de desespero, remetendo diretamente ao comportamento humano no período pré-histórico.
Greta Gerwig
A autora de “Lady Bird” já tinha uma carreira antes de dar os primeiros passos como diretora. Greta, que também é atriz, atuou em filmes como “Mulheres do Século 20” e “Jackie”. Com “Lady Bird”, porém, veio reconhecimento. É apenas a quinta mulher indicada ao Oscar por direção e a mais jovem cineasta a concorrer ao prêmio, com 31 anos – enquanto Sofia Coppola foi nomeada com 32, Jane Campion com 39, Kathryn Bigelow com 58 e Lina Wertmüller com 48.
Por quê ficar de olho em Greta: a cineasta se mostra diferente já em seu filme de estréia. “Lady Bird” é, sim, um longa com uma estrutura comum e uma premissa não muito inovadora sobre uma adolescente em seu último ano na escola. Mas Greta utiliza o básico para alcançar feridas intocadas da juventude. Sua obra foca na protagonista de Saoirse Ronan, mas é capaz também de traçar paralelos interessantes entre gerações sem recorrer ao clichê de chocar o novo e o velho – o caminho é o oposto, na verdade: novo e velho são ambos amargurados, mas em níveis diferentes. Há, muito além do estudo sobre o amadurecimento, um estudo sobre as incertezas da vida. O grande trunfo da cineasta, então, é subverter o que se espera de um coming of age para realizar uma desconstrução e uma releitura do gênero.
Jordan Peele
É o nome mais popular da lista. Diretor e roteirista do adorado “Corra!”, Peele é considerado um dos pilares das “sátiras sociais” que se tornaram populares em Hollywood. O cineasta foi indicado ao Oscar tanto por seu trabalho como diretor, quanto pelo roteiro do filme. Antes de “Corra!”, o novaiorquino de 38 anos fez sucesso com programas de comédia, como “Key & Peele”.
Por quê ficar de olho em Jordan: por ter uma forte veia cômica, Peele trabalha temas polêmicos – como o racismo oculto sob algumas vertentes do pós-modernismo – com acidez e ironia, o que faz com que “Corra!” seja um filme capaz de retratar o terror de situações extremas de forma satírica. Suas críticas, então, miram não os racistas declarados, mas os velados. Seu cinema é uma poderosa manifestação contra o racismo sem nunca se tornar panfletário, priorizando a eficiência narrativa acima de qualquer “mensagem”. Mesmo que seu filme de estreia tenha seus defeitos, estes mais parecem ser originados da inexperiência de Peele do que de incompetência. A tendência, portanto, é que Peele faça filmes cada vez mais maduros e continue em destaque.
Julia Ducournau
A francesa de 34 anos tem só um filme em seu currículo, o terror “Raw” – que está disponível na Netflix e foi comentado no Cinemático. Já é, porém, uma obra que mostra como Julia pode ser, assim como Peele, uma referência para a nova geração de filmes de terror que vem surgindo nos últimos anos.
Por quê ficar de olho em Julia: Ducournau demonstra interesse em discutir tabus e diferenças culturais. Em “Raw”, por exemplo, a cineasta fala sobre canibalismo. Em entrevistas que deu durante a divulgação da obra, afirmou não entender a aversão social ao tema, já que o canibalismo faz parte da cultura humana há milênios, estando presente em diversas tribos de forma ritualística. Ducournau merece atenção por conseguir fazer um filme que funciona tanto pelo terror da camada primária quanto pelas metáforas e nuances, que permitem debates sobre amadurecimento e sexualidade.
Kogonada
O sul-coreano (que trabalha em Hollywood) demonstra seguir o caminho de cineastas como Paul Thomas Anderson e James Gray, criando em “Columbus”, seu filme de estreia, um cinema que, ao mesmo tempo, é referencial e autoral. Sua parte referencial se faz presente em seu método de filmagem e desenvolvimento narrativo, que muito remetem ao “cinema do vazio”, de Yasujiro Ozu; já a parte autoral de Kogonada reside em sua habilidade para usar elementos incomuns para dar personalidade ao seu cinema, como o uso da arquitetura como símbolo do emocional de seus personagens em “Columbus”, seu único filme.
Por quê ficar de olho em Kogonada: é um dos cineastas mais preocupados em mostrar do que dizer. “Columbus” é um filme bem-sucedido por desenvolver seus personagens não por meio de diálogos, mas de silêncios e momentos de contemplação. O diretor ainda é feliz ao utilizar a arquitetura da cidade de Columbus para desenvolver as psiques de seus personagens – como a moça que luta para conseguir ser transparente com sua mãe em relação à suas aspirações profissionais e, simbolicamente, demonstra fascínio por um edifício de vidro. Kogonada, portanto, é um cineasta capaz de participar de um resgate visual, apostando na imagem e deixando o espectador compreender, à sua maneira, cada nuance do quadro, bem distante dos roteiros mastigados e montagens retalhadas que hoje dominam a indústria cinematográfica.
William Oldroyd
Outro diretor que possui apenas um filme, mas que teve excelente recepção em sua estréia. O diretor de “Lady Macbeth”, assim como Trey Shults, Ducournau e Peele, trabalha principalmente no terror. Seu filme acompanha Katherine, uma jovem presa a um casamento “arranjado” que se apaixona por um dos funcionários de seu marido e entra em uma espiral de destruição na busca por liberdade.
Por quê ficar de olho em William: Oldroyd ministra, em “Lady Macbeth”, uma aula de tensão e atmosfera. O filme tem, desde seu começo, um cenário opressor, coercivo, graças ao estilo de brutalidade em escala que o cineasta imprime. A densa narrativa funciona tanto como uma história feminista, de uma mulher produto de seu meio que busca liberdade, como também como uma análise da decadência burguesa no século XIX. William Oldroyd, portanto, é um cineasta que consegue trabalhar forma e conteúdo em harmonia, criando um filme de camadas igualmente bem trabalhadas.