"Operação Red Sparrow" é simplista no retrato do conflito ideológico entre Rússia e Estados Unidos

“Operação Red Sparrow” é simplista no retrato do conflito ideológico entre Rússia e Estados Unidos

Homenageando filmes de espionagem, a obra não consegue se destacar por sua incapacidade de sair dos clichês

por Matheus Fiore

É louvável o esforço de Francis Lawrence, responsável por “Constantine”, “Eu Sou a Lenda” e três partes da saga “Jogos Vorazes”, para tenta resgatar o esquecido subgênero dos filmes de espionagem – que há muito perdeu prestígio entre crítica e público – em “Operação Red Sparrow”, obra mais recente do diretor. Acompanhamos um drama sobre Dominika Egorova, bailarina do conceituado Teatro Bolshoi que, após quebrar a perna em um acidente que dá um ponto final em sua carreira, se vê obrigada a trabalhar para seu tio, um espião do estado russo, para poder pagar o tratamento médico de sua mãe. Por meio dessa premissa e das referências cinematográficas, Francis tenta fazer de “Red Sparrow” um estudo sobre as diferenças ideológicas entre Russia e Estados Unidos.

Como exercício de gênero, “Operação Red Sparrow” traz ideias interessantes, tanto quando tenta o resgate dos filmes de espionagem, quanto quando trabalha a construção narrativa. Se, no atual século, tramas de espionagem são ditadas pelo sucesso de filmes como “Identidade Bourne”, que trazem ação ininterrupta e jogo de câmera ágil acompanhado por muitos cortes, “Red Sparrow” é um filme mais preocupado em criar tensão. Até nas cenas de combate, há uma escolha por planos mais longos e planos abertos ou médios, valorizando o cenário e o conjunto de personagens – diferente de filmes mais focados na ação que abusam de cortes e câmera trêmula para disfarçar a violência. 

Francis Lawrence no set

⚠ AVISO: Pode conter spoilers

É interessante que, enquanto tenta resgatar as tramas de espionagem típicas de um Cinema mais clássico, relacionado à Guerra Fria, Francis Lawrence repete algumas escolhas narrativas dos filmes americanos das décadas de 70 e 80. No retrato dos espiões, por exemplo, há um contraste imenso entre americanos e russos. Enquanto no núcleo liderado por Joel Edgerton – que vive o estadunidense Nate Nash, que se torna interesse amoroso da protagonista -, há figuras mais humanizadas, que prezam pela vida e demonstram mais emoção, no lado russo, todos encarnam o estereótipo vilanesco do espião sem escrúpulos ou limites morais. Essa escolha deixa nítida a visão maniqueísta que Francis visa a imprimir sobre a rivalidade entre russos e americanos.

O maniqueísmo de Francis Lawrence – que faz parte da tentativa do diretor de realizar um estudo ideológico – não seria um problema se o filme tivesse, desde seu princípio, um olhar americanizado da Rússia. Não é o que vemos, porém. A protagonista de Jennifer Lawrence, que guia a trama, é russa e sequer conhece a América, e mesmo assim mantém uma visão  extremamente ocidentalizada de toda a história. Sua referência pessoal se torna, ironicamente, o americano por quem se apaixona: Nate Nash, como se, num regresso (ou regressão?) aos tempos do Destino Manifesto, o americano fosse destinado a resgatar a mocinha inocente das mãos dos russos malvados. Ao trabalhar nos extremos – americanos são heróis; russos, vilões -, “Operação Red Sparrow” descarta qualquer possibilidade de aprofundamento ou desenvolvimento de camadas para a narrativa. E esse é um dos problemas que o filme apresenta em termos da escolha do diretor em opor EUA e Rússia.

Se tramas de espionagem atuais são ditadas por ação ininterrupta e jogo de câmera ágil, “Red Sparrow” é um filme mais preocupado em criar tensão

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Um elemento que derrapa é o tratamento de Francis Lawrence para o treinamento dos Sparrow, a força de espionagem russa que tem sua própria “escola”. Em vez de focar na formação de agentes prontos para infiltração e combate, a obra trabalha apenas o potencial de sedução de Dominika e seus colegas de turma. Em momento algum vemos a protagonista treinar algo que não o desligamento completo de seus sentimentos e o aprendizado de métodos de dissuasão e sedução. Se pelo menos o poder de sedução da personagem de Jennifer Lawrence fosse algo relevante no filme, a escolha faria sentido, mas o roteiro de “Operação Red Sparrow” não trabalha muito as habilidades da protagonista. Na verdade, Dominika acaba sendo um peão de xadrez por quase todo o longa, mais reagindo a estímulos de aliados e inimigos do que tomando suas próprias decisões – o que a torna, em certo ponto, uma personagem rasa.

A falta de aprofundamento nos personagens e suas ocupações é algo que afasta muito “Operação Red Sparrow” do seu objetivo de resgatar tramas de espionagem. Não há um esforço para aprofundar nem as diferenças práticas dos serviços de espionagem russo e americano, nem as ideologias que permeiam a guerra – bem como as motivações dos personagens. Como resultado, a visão de heroísmo por parte dos agentes americanos se intensifica no binarismo e torna os personagens cada vez menos humanos à medida que seus relacionamentos surgem. As motivações de Dominika, Nate e demais espiões existem, mas baseiam-se exclusivamente em ideias não aprofundadas. 

A falta de aprofundamento nos personagens e suas ocupações é algo que afasta muito “Operação Red Sparrow” do seu objetivo

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Tratando-se de uma obra de espionagem, com personagens que constantemente manipulam e são manipulados, os cenários são peça importante do quebra-cabeças fílmico. A direção de fotografia de Jo Willems atua em parceria com o design de produção para construir diferentes sensações nos diferentes cenários do filme. Quando Dominika aceita trabalhar com seu tio, por exemplo, há um plano aberto que a deixa pequena, no canto inferior esquerdo do quadro, enquanto espera de frente para um grande prédio cinza – simbolizando a imponência da força estatal russa diante da fragilidade de um simples indivíduo. Aqui, mais um assunto interessante é desperdiçado pela ausência de apoio do roteiro para fortalecer a imponência do Estado russo diante dos personagens – há apenas repetidas cenas, nas quais os personagens reafirmam que o Estado está acima de todos, algo bem genérico e simplista para retratar uma questão sociopolítica tão complexa quanto as divergências entre Rússia e Estados Unidos.

Com esse cenário de indivíduo frágil diante de um Estado forte, “Operação Red Sparrow” permite que o espectador preveja todas as possíveis reviravoltas que o aguardam. Quando notamos que, após um primeiro encontro iluminado e decorado com um azul claro, aos poucos Dominika passa a dividir planos mais avermelhados e aconchegantes com o americano Nate Nash, fica claro que há um relacionamento surgindo e, mais que isso, que Dominika questionará sua própria missão. Esse relacionamento entre a dupla – que é sugerido desde os primeiros planos da obra, que trazem Dominika e Nate como reflexos -, é mais uma das tentativas do diretor de remeter ao cinema clássico, quando grandes tramas de ação, aventura e suspense culminavam em grandes romances. Em “Red Sparrow”, porém, como já se afirmou neste texto, não há um estudo sobre as diferentes visões de mundo dos personagens. O romance é superficial e não proporciona o surgimento de camadas de análise – o potencial de contrapor as visões de mundo oriental e ocidental, por exemplo, era enorme.

Assim como fez em “Constantine” e “Eu Sou A Lenda”, Francis Lawrence transforma a história em uma jornada de um grande herói americano

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Se falamos sobre os diferentes rumos possíveis de Dominika, a imprevisibilidade das escolhas da protagonista só é crível graças à atuação de Jennifer Lawrence, que, apesar de ser uma espiã treinada, em momento algum parece emocionalmente pronta ou fisicamente confortável com sua condição. A fragilidade existente nos primeiros minutos de “Operação Red Sparrow” continuam visíveis por todo o arco da protagonista, que fala baixo e até interrompe outros personagens, demonstrando certa insegurança. Infelizmente, o roteiro nunca acompanha a atuação de Jennifer, já que não há muitas oportunidades para a personagem se destacar – não há conflitos que dêem espaço para Dominika se sobressair ou cenas que exijam algo além de sua sensualidade – não há nem profundidade emocional ou personalidade para ela, nem chances para se mostrar uma pessoa capaz de manipular e orquestrar golpes.

Assim como fez em “Constantine” e “Eu Sou A Lenda”, Francis Lawrence transforma a história em uma jornada de um grande herói americano. No primeiro, o clássico personagem dos quadrinhos, que era tipicamente britânico, torna-se um protagonista pasteurizado, perdendo até uma das principais características que o definiam: o hábito de fumar. No segundo, a trajetória para transformar o protagonista em “lenda” se torna, na verdade, um conto sobre um herói que persiste na adversidade, quando a obra original trazia um mundo no qual o ser humano, com suas peculiaridades, se tornou ultrapassado.

“Red Sparrow” parece sempre um filme antiquado, quadrado, preso a visões excessivamente rasas e datadas da Guerra Fria

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Já em “Operação Red Sparrow”, Francis parece mais interessado em glorificar o ideal americano presente no coadjuvante do que em dar camadas à sua protagonista: enquanto Dominika age por amor e sobrevivência, quase sempre desesperada por amparo, Nash é o cérebro e o ombro amigo que guia a personagem. Diante disso, não há referência cinematográfica que sustente um filme que, ambientado na Rússia, traz exclusivamente o ponto de vista estadunidense. É sintomático que os personagens russos sejam vividos por atores americanos falando em inglês.

Na bagunça de bons e maus aspectos, o grande pecado de “Operação Red Sparrow” é ter uma visão simplista de um confronto ideológico tão interessante. O roteiro chega a apontar para debates sobre redes sociais e decadência do ocidente, mas a direção faz questão de reduzir a caracterização russa à caricatura, impedindo que qualquer comentário feito pelos personagens europeus seja algo que não um sinal de inveja da modernidade alcançada pela América. Assim como as telas de vigilância do serviço de inteligência russo apenas exibem imagens em preto e branco, “Red Sparrow” parece sempre um filme antiquado, quadrado, preso a visões excessivamente rasas e datadas da Guerra Fria e da disparidade ideológica e política entre Rússia e Estados Unidos.

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