SXSW 2018: O mais que humano em nós
Edição deste ano teve as relações humanas como um de seus grandes temas não verbalizados
Escrevo devastada pelo assassinato de Marielle. Escrevo emocionada pela experiência de VR com o filme “The Sun Ladies”, que me fez vivenciar a luta de um pequeno grupo de mulheres que escaparam do ISIS e se armaram para defender a honra e a dignidade de suas conterrâneas em Sinjar, no Iraque. Escrevo impactada pela história de Chelsea Manning, ativista trans que foi presa e torturada por 7 anos em uma prisão masculina por vazar documentos oficiais do Governo dos Estados Unidos. Ela simplesmente disse “estive morta por 7 anos”.
Escrevo em meio a este turbilhão de emoções.
O SXSW é uma experiência única em todos os sentidos – excepcional e individual. Cada um faz seu recorte, sua própria curadoria. O que se leva daqui é muito particular. O único sentimento comum é o FOMO (o famoso “Fear of Missing Out”).
Um dos maiores eventos de interatividade do mundo começou com uma palestra de Esther Perel. Esta terapeuta de casais veio falar de relacionamentos e da solidão como a obesidade do futuro. Transformou o termo “intimacy” em “into me see” para lembrar que as pessoas buscam conexão nos seus relacionamentos, que a qualidade das nossas relações determina a qualidade das nossas vidas. Defendeu a conversa franca e aberta. E nos convidou a fazer check
in nas nossas relações.
Depois veio a correspondente da CNNChristiane Amanpour para nos lembrar que ainda existem lugares no mundo onde é muito perigoso ser mulher. Ela veio falar de sexo e amor e contar do impacto do empoderamento feminino também na sexualidade e nas relações amorosas em países como Índia, China e Japão. Os movimentos do Ocidente estão incentivando verdadeiras revoluções culturais nestes países. Terminou sua palestra com um conselho: “Mulheres, conheçam seus direitos. Homens: respeitem as mulheres”.
Então foi a vez de Melinda Gates e Joanna Coles conversarem sobre relações, representatividade e responsabilidade no ambiente de trabalho. Defenderam a paridade de salários e oportunidades. Melinda está cuidando de fazer a sua parte através da capacitação de mulheres em sua Bill & Melinda Gates Foundation. Mas ainda esbarramos na realidade de que menos de 2% dos investimentos nos Estados Unidos são destinados a empresas de mulheres. E, no caso de empresas de mulheres negras, esse percentual cai para menos de 1%.
A linda e carismática Bozoma Saint John, CBO do Uber, convocou os executivos brancos a melhorar a diversidade em seus locais de trabalho. Ela questionou “Por que eu como mulher negra tenho que consertar isso? Há 50 de vocês… há uma de mim. Vocês também têm que fazer barulho”.
E assim foram passando os dias. De blockchain a sessão de auto-ajuda para líderes, de tendências globais ao storytelling da NASA, de carros autônomos a tênis feitos de garrafas pet descartadas nos oceanos, de células que possivelmente garantirão a longevidade da nossa espécie à ocupação em até 10 anos da Lua, tudo se conecta neste caldeirão de ideias.
Não pode ser mera coincidência que um festival de interatividade tenha falado tanto sobre relacionamentos. De pessoas com pessoas, com suas comunidades, com a sociedade, com o meio-ambiente, com o mundo.
Tanta tecnologia só faz sentido a partir de uma perspectiva humana. Ao saber da execução da Marielle, do assassinato dos homens de Sinjar e de meninas e mulheres como escravas sexuais, das torturas de Chelsea Manning na cadeia, me questiono onde foi parar o humano em nós.
E percebo que o SXSW, por sua vocação de nos apresentar o futuro, me trouxe a esperança de um mundo melhor. Por colocar as relações humanas em primeiro plano, por trazer um propósito para tudo isso. Nunca foi tão urgente fazer check in nas nossas relações.