Filha de Orson Welles pede à Netflix que reconsidere decisão de boicotar Festival de Cannes
Produtores e diretores afetados pela decisão tomada pelo serviço de streaming também comentaram o caso
Depois da ameaça, Ted Sarandos e a Netflix enfim cumpriram esta semana com a decisão pelo boicote ao festival de Cannes este ano. O serviço de streaming, que tinha inscrito cinco filmes nesta edição da mostra francesa, resolveu retirar suas produções da lista após Thierry Frémaux, diretor do evento, anunciar que Cannes estaria proibindo a empresa de participar de todas as disputas pelos prêmios oferecidos pelo festival, incluindo aí a desejada Palma de Ouro.
Com o line-up anunciado e a confirmação inicial da ausência de todos os cinco filmes do estúdio no evento, vieram então as reações. Em entrevistas feitas na ocasião da divulgação da lista, Frémaux lamentou a decisão pelo boicote e afirmou que embora a Netflix tenha optado por pular o festival as duas partes estão negociando uma entrada de última hora do novo trabalho de Alfonso Cuarón, “Roma”, na seleção oficial. “A porta ainda não está fechada. Eu vi ‘Roma’ diversas vezes e é um filme maravilhoso que nós queremos ter na competição.” afirmou em entrevista à Variety.
Entre os diretamente afetados, até o momento o único diretor que expressou publicamente uma opinião sobre o assunto foi Jeremy Saulnier, cujos independentes “Sala Verde” e “Ruína Azul” foram exibidos em Cannes no passado e que esperava ver o seu “Hold the Dark” estrear em alguma das competições do festival este ano. “Eu respeito a Netflix por esculpir novos caminhos para driblar os métodos tradicionais de distribuição e se conectar diretamente com uma nova audiência. Mas ambas as entidades envolvidas estão evoluindo, e eu acredito que eventualmente elas irão resolver suas diferenças” disse o cineasta ao Indiewire, na esteira do anúncio dos longas previstos para competir na Croisette.
Os que mais estão sofrendo com a decisão da gigante do streaming pelo boicote, porém, são os realizadores e familiares envolvidos na produção de “The Other Side of the Wind”, projeto inacabado do falecido Orson Welles que depois de 30 anos sendo fechado estava mirando um debute em Cannes. Produtor que vinha se esforçando exaustivamente em terminar a obra e que ajudou a produzir o documentário sobre o cineasta “They’ll Love Me When I’m Dead” (outro que foi retirado de consideração pela Netflix), Filip Jan Rymsza já havia confirmado aos apoiadores do projeto no IndieGoGo que a produção não estaria presente na lista do festival na noite anterior à divulgação do line-up: “Nosso filme havia sido selecionado para ser exibido Fora de Competição, como parte da Seleção Oficial do Grand Théâtre Lumière, então não tinha sido diretamente afetado pelo banimento. O que é mais triste é que todos perdem com esta decisão – Cannes, Netflix, amantes do cinema e todos nós que trabalhamos tão duro neste empreitada histórica.” ele escreveu, acrescentando que “Não haveria ‘The Other Side of the Wind’ sem a Netflix, mas isso não diminui minha decepção e o meu coração partido.”.
A situação com o filme inacabado de Welles no imbróglio é tão delicada que até mesmo Beatrice Welles, filha do cineasta, escreveu um e-mail a Sarandos pedindo para que o diretor de conteúdo do streaming reconsiderasse a decisão de tirar do filme a oportunidade de estrear no evento. “Eu fiquei chateada e incomodada ao ler nos jornais sobre o conflito com o festival de Cannes.” disse a atual gerente do legado do diretor na mensagem divulgada depois ao público pela Vanity Fair, que continua mencionando a trajetória turbulenta de Welles em Hollywood: “Eu vi como as grandes produtoras destruíram a vida dele, sua obra, e no processo um pouco do homem que eu amei tanto. Eu odiaria ver a Netflix ser mais uma destas empresas. […] Por favor reconsidere e permita que o trabalho do meu pai seja o filme que conserte a ponte entre a Netflix e Cannes.”.
As negociações entre o estúdio e o festival devem continuar acontecendo ao longo do próximo mês, nestas semanas que separam o anúncio da Seleção Oficial da realização do evento. Se serve de alento a “The Other Side of the Wind” e “Roma”, adições de última hora acontecem todo ano em Cannes: se no ano passado o vencedor da Palma de Ouro “The Square – A Arte da Discórdia” entrou na disputa muito depois do anúncio, Frémaux já afirmou que “nós saberemos em algumas semanas” se a edição deste ano contará com entradas tardias de “The House That Jack Built” (do polêmico Lars von Trier) e dos novos trabalhos de Mia Hansen-Løve ou Claire Dennis na programação da competição oficial.