Shudu: real, virtual e o paradoxo da enganação
A ascensão de modelos virtuais como influenciadoras pode criar o nosso próprio “The Waldo Moment”?
@shudu.gram. Modelo sensação no Instagram. Sua carreira meteórica decolou quando uma de suas fotos usando um batom Fenty foi repostada pela marca de beleza da cantora Rihanna e teve mais de 220 mil likes.
Até aí nada de extraordinário.
O que sim é extraordinário é o fato que Shudu não existe.
Pelo menos não em carne e osso.
Ela é uma criação em computação do fotógrafo Cameron James-Wilson inspirada entre outras na Barbie, Princesa da África do Sul e na atriz Lupita Nyong’o.
Shudu não é a primeira.
@lilmiquela é uma influenciadora digital com mais de um milhão de seguidores. Além de falar de moda, ela é engajada em assuntos como política, feminismo e refugiados. Lil, com corpo real e rosto de boneca, também não existe.
O culto a um ser que não existe de verdade também não é exclusividade da Lil. Hatsune Miku é uma vocaloid dublada por um sintetizador de voz, desenvolvido pela Crypton Future Media. Ela é uma projeção de 3D que se apresenta com uma banda ao vivo em shows sempre lotados no Japão.
A tendência, claro, é isso começar a ficar cada vez mais comum.
Black Mirror, a famosa série que usa a tecnologia para questionar aspectos da nossa humanidade, já passou pelo assunto no episódio “The Waldo Moment”, mostrando o que aconteceria quando um personagem virtual – no caso Waldo, um urso azul – resolve concorrer de verdade a um cargo público
O problema, me parece, não está na discussão do real ou virtual.
O problema está na sensação de ser enganado.
Por isso, tudo bem Hatsune Miku aparecer holograficamente para dublar músicas em seus shows. Mas quando soubemos que a dupla Milli Vanilli fazia o mesmo nos seus discos, eles foram execrados e perderam até seu Grammy de Artista Revelação.
Tudo bem se Noodle, a guitarrista virtual do banda Gorillaz, vira embaixadora global da marca Jaguar.
Mas quando descobrimos que Shudu, a modelo digital poderia fazer o mesmo por outras marcas, sobraram críticas até para o fotógrafo, por tentar tirar o emprego de modelos negras de verdade.
Esse é o paradoxo.
Queremos a verdade, mas não a entregamos.
Porque, de alguma maneira, todo mundo também é fake nas suas redes socias.
Ou você conhece alguém que não seja feliz no Facebook, bonito no Instagram, competente no LinkedIn ou solteiro no Tinder?