"Buscando..." é bom drama familiar disfarçado de suspense mediano

“Buscando…” é bom drama familiar disfarçado de suspense mediano

Filme constrói sua narrativa exclusivamente por meio de imagens de telas, o que resulta em qualidades e defeitos

por Matheus Fiore

Com sua forma peculiar de contar uma história, “Buscando…” é, ao mesmo tempo, um filme que “enfeita” o que, de fato, é comum, mas também tem momentos em que consegue fazer suas escolhas terem utilidade para se discutirem assuntos de forma criativa e moderna. A trama acompanha David Kim (John Cho, que recentemente esteve muito bem no ótimo “Columbus”), pai que, após descobrir que sua filha de 16 anos Margot (Michelle La) desapareceu, passa a buscar, com ajuda da polícia e da detetive Rosemary Vick (Debra Messing) informações sobre o paradeiro da adolescente. E o que há de diferente na forma de “Buscando…”? Assistimos a essa história exclusivamente por meio de telas de smartphones, tablets, computadores e programas de televisão.

Essa escolha, obviamente, implica uma enorme limitação narrativa. Se não houver uma câmera registrando o que acontece, o público não saberá o que se passa na cena. O que Chaganty faz para contornar isso é apresentar personagens que utilizam tecnologia o tempo inteiro. O ato de abertura introduz a família de Margot por meio de um passeio pelo computador do protagonista, mostrando fotos, vídeos e mensagens dos principais momentos da vida da família, para que possamos conhecer e compreender a relação dos Kim com o mundo virtual.

O diretor Aneesh Chaganty (à esquerda) com John Cho no set

Há pouca manipulação direta nas imagens. Quando algo relevante acontece em um ponto específico da tela, Chaganty opta por dar um “zoom” ali, guiando o olhar do espectador. É, muitas vezes, uma forma de dar dinamismo à obra, que passa boa parte do tempo congelada em telas com pouco movimento. Notamos, também, o uso de elementos diegéticos para criar tensão em momentos chave do filme, como o som de uma chaleira que é aproveitado para intensificar o clímax do filme. São, porém, eventos isolados e pontuais, que o diretor acertadamente faz com que sejam raros para que haja maior verossimilhança na narrativa. O interessante é notar que todos os elementos dramáticos da obra são exclusivamente diegéticos – ou seja, existem dentro do universo da obra.

Mas, se falamos em verossimilhança, há alguns problemas que poderiam ser contornados no esculpir do filme. Pelo fato de só podermos assistir ao que é filmado ou digitado, somos inevitavelmente privados do acesso a diálogos que acontecem “offline”. Seria natural, portanto, que alguns acontecimentos de “Buscando…” não fossem mostrados ao longo da projeção. A obra, porém, faz questão de que todos os passos da busca de David por sua filha sejam registrados de alguma forma, o que em certo momento escancara o malabarismo narrativo do longa. Por que não deixar que algo aconteça distante das telas e fique subtendido pelo filme? Há de se confiar mais na inteligência do espectador.

A obra faz questão de registrar todos os passos da busca de David pela filha, o que escancara o malabarismo narrativo do longa

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Por boa parte da projeção, Chaganty encontra maneiras coerentes de justificar o uso de diferentes recursos. Quando precisa utilizar câmeras para retratar uma cena, por exemplo, o roteiro consegue criar necessidades verossímeis, como a de se obter uma confissão de um crime, o que resulta no uso de câmeras escondidas. Apesar de ficar claro para o espectador que há ali uma manipulação dos recursos para o funcionamento da trama, as escolhas quase sempre são coerentes.

Apesar da inteligência para variar os recursos, “Buscando…” encontra problemas na forma como manipula seu público. Como a introdução que apresenta a família Kim deixa claro, o filme de Chaganty tem como objeto central desenvolver a relação entre pai e filha, que ficou estremecida após a morte da mãe. No meio do caminho, porém, “Buscando…” acaba desviando o foco para vários outros tópicos. Segurança na internet, solidão, depressão, relacionamentos abusivos… Inúmeros temas passam pelo filme, mas nenhum deles chega a ser desenvolvido de fato.

O filme de Chaganty tem como objetivo desenvolver a relação entre pai e filha, estremecida após a morte da mãe

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Pior do que não desenvolver os temas que usa, “Buscando…” faz deles uma ferramenta de manipulação de seu público. A todo momento, o foco da trama é alterado – ora pensamos que Margot foi sequestrada, ora pensamos que ela fugiu –, e isso acaba sendo apenas um meio para o filme despistar sobre sua real conclusão, desperdiçando tempo que poderia (e deveria) ser investido no desenvolvimento do tema central: que é a dor sentida por David e Margot pela ausência de Pam e como isso afastou os personagens.

“Buscando…” tem como grande mérito, portanto, criar um drama familiar que, mesmo que subdesenvolvido em prol de reviravoltas não tão interessantes e enriquecedoras, consegue utilizar uma linguagem criativa e moderna. Chaganty nos mostra quem são seus personagens não pelo que eles dizem publicamente, mas pelos registros que fazem e escondem em lugares como a lixeira do computador. Bem como nenhum diálogo de Margot poderia dizer mais sobre a personagem do que os vídeos que a menina grava quando estava sozinha em um lago, nada poderia dizer mais sobre as preocupações paternas de David do que as palavras que ele escreve em seu iPhone e, por receio, apaga antes de enviar.

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