Para além de “Parasita”: 5 filmes para conhecer mais do cinema sul-coreano
Outras produções do cinema que, após décadas de incentivo de seu governo, conquistou o merecido reconhecimento da principal premiação de Hollywood
A vitória de “Parasita” na disputa pelo Oscar de Melhor Filme foi um marco para Hollywood. Além de ser o primeiro filme em língua não-inglesa a faturar o principal prêmio da maior cerimônia da indústria estadunidense, o longa também fez com que seu criador, o sul-coreano Bong Joon-ho, levasse para casa, ao todo, quatro estatuetas: Melhor Filme, Melhor Filme em Língua Não-Inglesa, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original.
Para boa parte do público, porém, o cinema sul-coreano ainda é um território desconhecido. Nas últimas décadas, o governo do país tem investido forte tanto na produção cultural, quanto na proteção de suas obras – lá, por exemplo, não veremos uma rede de cinema ter suas salas dominadas por sessões do último lançamento da Marvel Studios.
Esse sucesso não se limita a Bong Joon-ho. Mesmo que o cineasta de cinquenta anos tenha se tornado o mais aclamado mundialmente, há, para além de seu cinema, muitos outros cineastas e filmes sul-coreanos dignos de nossa atenção. Esta lista, portanto, visa oferecer para você, algumas sugestões de outras obras que mostram não só a qualidade, mas a assustadora diversidade de um cinema que, mesmo que desconhecido para o grande público, talvez seja, hoje, o mais prolífico do globo.
“Cão Que Ladra Não Morde” (2000)
O primeiro filme do multi-premiado Bong Joon-ho já mostra bem os interesses temáticos que o cineasta viria a explorar com ainda mais maturidade ao longo de sua carreira de vinte anos. “Cão Que Ladra Não Morde” acompanha um sujeito que, irritado com frustrações pessoais e profissionais, desconta nos cachorros de seus vizinhos a raiva que sente da própria vida.
O mais interessante em “Cão Que Ladra Não Morde” é perceber como Bong parte de uma situação extremamente simples e tragicômica para desenvolver um estudo social muito mais complexo, tanto sobre a relação do indivíduo com suas próprias frustrações, quanto pela análise de como as relações sociais e de classe interferem na psique humana. Claro que, duas décadas depois, Bong abordou os temas de forma muito mais arrojada em “Parasita”, mas seu primeiro filme ainda assim possui muitos valores e assusta por mostrar um cineasta tão jovem exibindo tanto controle sobre sua própria narrativa.
“Mr. Vingança” (2002)
Mais conhecido por “Oldboy” e “A Criada”, Park Chan-wook é um dos mais celebrados cineastas da Coréia do Sul. O filme em questão faz parte de uma trilogia temática, que se inicia com “Mr. Vingança” em 2002, continua com “Oldboy” em 2003, e se encerra com “Lady Vingança” em 2005. Os três filmes mostram como a vingança corrói seus personagens e os leva a testar seus próprios limites morais.
Diferente de Bong, Park não tem tanto interesse na análise política, focando suas obras mais em questões pessoais e psicológicas. “Mr. Vingança” acompanha Ryu, um rapaz surdo, e sua irmã, uma jovem que precisa de um transplante de rim. Na obra, a dupla tenta resolver os problemas de suas vidas enquanto criam problemas que crescem como uma bola de neve. Ao fim, Chan-wook utiliza sua estética bastante estilizada para criar uma narrativa que vai escalando para explorar o processo quase autodestrutivo e desumanizador pelo qual seus personagens passam enquanto vão cedendo ao desejo de vingança.
“Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera” (2003)
De todos os grandes cineastas da Coréia do Sul, Kim Ki-duk talvez seja o artista mais interessado por utilizar a filosofia como base de suas narrativas. Em “Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera”, Kim nos leva a um lago isolado, no qual um monge e seu aprendiz se relacionam com a natureza e, vez ou outra, são importunados pelo mundo externo.
Partindo do conceito de eterno retorno de Friedrich Nietzsche, “Primavera” versa sobre a inevitável repetição de ciclos da vida e os conflitos entre essência, desejo e instinto. O filme também conversa muito com a leitura de Albert Camus para o mito de Sísifo, retratando a busca de sentido em uma vida que, na perspectiva dos personagens, não existe por essência.
“Na Praia à Noite Sozinha” (2017)
Hong Sang-soo é muitas vezes citado como o “Woody Allen sul-coreano”. Seus filmes geralmente se repetem na forma como Hong conduz a história, além de terem sempre em seus elencos figuras carimbadas da carreira do diretor, como a fantástica Kim Min-hee, que é companheira do diretor. A comparação, mesmo que faça algum sentido à primeira vista, acaba sendo limitadora, já que Hong é um cineasta bastante autoral – talvez, a comparação mais cabível seja com o francês Eric Rohmer.
No caso de “Na Praia à Noite Sozinha”, Kim Min-hee interpreta Younghee, uma jovem que acaba de sair de um relacionamento e está em fase de luto. O que destaca “Na Praia à Noite Sozinha” é a forma como Hong Sang-soo filma esse luto, fazendo com que sua própria câmera pareça um objeto intruso para Younghee – a primeira imagem do filme, por exemplo, sugere que a personagem tenta se esconder das lentes de Hong. É um filme que aborda ainda a questão feminina, mas respeitando o óbvio distanciamento pelo fato de Hong ser um homem, já que o cineasta põe a si mesmo como uma figura estranha em sua narrativa.
Bem como em toda a filmografia do diretor, “Na Praia à Noite Sozinha” se destaca por ter fascínio no que é cotidiano, e não no extraordinário. É, como “Certo Agora, Errado Antes” e “A Câmera de Claire” – ambos também de Hong –, um belo exemplar de um cinema que encontra complexidade nos sentimentos e situações mais ordinários que seu diretor possa encontrar.
“Em Chamas” (2018)
De todas as obras listadas, “Em Chamas” talvez seja a que, tematicamente, mais se assemelhe a “Parasita”. Aqui, Lee Chang-dong estuda o abismo entre diferentes classes sociais partindo de uma relação amorosa: um jovem de classe baixa se apaixona por uma garota, mas a vê começar a namorar um rapaz da elite.
O interessante de “Em Chamas” é como Lee articula sua narrativa não só pelo que vemos e ouvimos, mas também pelo que não é visto ou dito. Silêncios e ausências exercem papel importante nesse estudo de classes, e mostra como o poder financeiro contribui para a alienação de seus personagens e investiga como essa alienação impacta no comportamento de cada um deles.