"História de um Casamento" investiga fim de ciclos sob a perspectiva de dois artistas
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“História de um Casamento” investiga fim de ciclos sob a perspectiva de dois artistas

Novo filme de Noah Baumbach faz estudo contemplativo e humanizado do fim de um relacionamento

por Matheus Fiore

Utilizar o cinema para investigar o relacionamento entre um casal não é algo novo. Na história do cinema, dois cineastas se destacam por terem feito isso em alto nível. Enquanto Ingmar Bergman em seu “Cenas de um Casamento” partia do retrato do matrimônio para questionar todo o modelo cristão patriarcal de sociedade e nossos padrões filosóficos de felicidade e amor, Woody Allen fez de filmes como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” uma sessão de autoterapia para procurar entender melhor a si mesmo.

Noah Baumbach também faz em “História de um Casamento” uma investigação do casamento, um estudo dos efeitos do fim do ciclo em dois artistas. Assim como nas obras citadas de Bergman e Allen, o longa também aborda um relacionamento em crise. Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) estão no processo de separação, enfrentando os mesmos e incertezas inerentes ao fim de uma fase.

Do cinema de Allen, Baumbach não puxa tanto. A ironia e a profundidade filosófica do cinema do autor de “A Rosa Púrpura do Cairo” e “Meia-Noite em Paris” não são almejados. Baumbach faz um filme mais frontal, guiado pelas atuações de Driver e Johansson, utilizando muitos planos médios, primeiros e close-ups para que as expressões e feições da dupla protagonista sejam a principal força imagética da narrativa.

O diretor Noah Baumbach no set

Essa construção visual, muito típica de um cinema que herda uma tradição teatral, conversa bastante com o cinema de Bergman. Bergman, por sua vez, sempre parte dos relacionamentos para evocar debates mais complexos, como dito na introdução do texto, enquanto Baumbach parece apenas buscar poesia nas imagens mais simples e na efemeridade dos momentos vividos pelos personagens. Não é, claro, um demérito, e sim uma escolha bastante interessante, que utiliza os aspectos narrativos para construir uma obra mais contemplativa, focada puramente nos relacionamentos e nos efeitos deles nos personagens.

Driver já havia protagonizado uma obra que, em muitos aspectos, é semelhante ao longa de Baumbach no belo “Paterson”. Assim como no filme de Jim Jarmusch, “História de um Casamento” também utiliza a relação dos protagonistas com a arte para expor suas mazelas, sendo que no primeiro era a poesia e no segundo, obviamente, o teatro – Charlie é o diretor de uma companhia e Nicole é uma das atrizes do grupo. Essa relação funciona paralela e alegoricamente ao relacionamento dos dois protagonistas, mostrando como as relações profissionais e pessoais se misturam e, em certo momento, os artistas precisam utilizar suas técnicas na vida real.

A relação entre os artistas e suas funções existe de maneira paralela e alegórica ao drama principal

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Inconscientemente, Nicole atua para esconder seus sentimentos de seu ex-marido, enquanto Charlie sente falta de ter o controle, a visão dominante, típicos do diretor que é. O curioso é ver como essas relações conversam com as jornadas de ambos os personagens: se para Nicole a alternativa é manter-se atuando até o fim, mesmo que isso custe expressar o que realmente sente, para Charlie a impossibilidade de retomar o controle o torna um personagem angustiado e, em dado momento, até agressivo.

Interessante também é como os papéis artísticos dos protagonistas se relacionam com seus advogados. Se Nicole encontra uma representante legal (vivida de forma inspirada por Laura Dern) que é uma verdadeira diretora, chegando a fazê-la ensaiar seus depoimentos pré-julgamento, Charlie encontra problemas por não encontrar agentes da lei que sigam as direções por ele preferidas – o que, inevitavelmente, tende a torná-lo a parte fraca do processo de separação e disputa por guarda do filho do casal.

Se para Nicole a alternativa é manter-se atuando até o fim, para Charlie a impossibilidade de retomar o controle o torna angustiado

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A montagem exerce papel importante na construção de um sentimento de desprazer dos personagens, cortando abruptamente momentos de divertimento ou alívio. A ideia de Baumbach com isso é mostrar como na narrativa não há vitoriosos ou derrotados, apenas seres humanos frustrados pelo fim de um ciclo, feridos e expostos pela solidão tão bem retratada por uma fotografia que aposta quase sempre em planos com os personagens centralizados, isolados e sozinhos.

“História de um Casamento” não reinventa a roda, mas a constrói com eficácia para tornar-se um belo retrato de como dois artistas lidam com o fim de um ciclo, com a falta de perspectiva. A atriz sem direção e o diretor sem voz são ambos vítimas de acontecimentos mundanos que parecem inexoráveis e que aparentam destinados a virar os mundos de Charlie e Nicole do avesso.

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