5 motivos pelos quais Adam McKay e “A Grande Aposta” foram feitos um para o outro

5 motivos pelos quais Adam McKay e “A Grande Aposta” foram feitos um para o outro

Como a carreira do diretor de comédias como “O Âncora” explica o caminho até seu novo flme e cinco indicações ao Oscar

por Virgílio Souza

⚠ AVISO: Pode conter spoilers

À primeira vista, a indicação de Adam McKay ao Oscar de Melhor Direção soa inusitada: não bastasse ele ter construído seu currículo na comédia, gênero usualmente subvalorizado pela premiação, seu novo filme trata da crise econômica de 2007/08 a partir de um livro escrito por um jornalista financeiro.

Um olhar mais atento e além da superfície, no entanto, é capaz de provar que as aparências enganam e que, na verdade, o cineasta possui as melhores credenciais possíveis para adaptar a obra de Michael Lewis para o cinema. Os motivos aparecem aos montes ao longo da projeção, muitos deles confirmando qualidades já indicadas por seus trabalhos anteriores. A seguir, cinco razões pelas quais McKay nasceu para dirigir “A Grande Aposta”.

Adam McKay, à direita, com Christian Bale no set

Adam McKay, à direita, com Christian Bale no set

1. Os arquétipos

Big Short

Além da bagagem adquirida em shows como “Saturday Night Live” e “Funny or Die Presents…”, nos quais criava e dirigia esquetes de humor com personagens variados, McKay sempre se interessou por tipos com características definidoras, como os fracassados de meia-idade de “Quase Irmãos”, o insano corredor de “Ricky Bobby – A Toda Velocidade” ou os extravagantes jornalistas de “O Âncora” e sua continuação. Aqui, o material é igualmente vasto.

Michael Burry (Christian Bale), um gerente de fundos excêntrico que vive sem sapatos em seu escritório, é quem identifica a instabilidade no mercado imobiliário americano antes de qualquer outro. Quem passa a informação adiante é Jared Vennett (Ryan Gosling), funcionário do Deutsche Bank que aposta contra a própria empresa e que se apropria de seu charme para guiar a audiência e os demais personagens nessa jornada. Ao seu lado embarcam Mark Baum (Steve Carell), personificação do pessimismo em Wall Street, e sua equipe, composta por Vinny (Jeremy Strong), Danny (Rafe Spall) e Collins (Hamish Linklater).

Somam-se a eles, sem que as tramas se cruzem diretamente, os jovens Charlie (John Magaro) e Jamie (Finn Witrock), pequenos investidores que decidem entrar no esquema auxiliados por Ben Rickett (Brad Pitt), espécie de mentor paranoico com relação aos bancos. As personalidades são variadas, mas eles carregam uma característica em comum: são outsiders que parecem sofrer fisicamente o peso daquela aposta contra a própria economia. Parte daí o motivo número dois:

Big Short

2. McKay é um ótimo diretor de elenco

Desde sua estreia em longas, e sobretudo nos dois capítulos de “O Âncora”, ele comandou grupos de atores com núcleos distintos, variações de tom e muitas participações especiais. Sua habilidade para manter o ritmo alternando ambientes (de um pub no interior da Inglaterra aos cassinos de Las Vegas) é comparável à sua criatividade para construir gags. Aqui, além das atuações de Bale e companhia, destacam-se as breves aparições de Melissa Leo e Tracy Letts, ambos em cenas hilárias, bem como as inserções estreladas por Margot Robbie, Selena Gomez e o chef Anthony Bourdain. A relação de nomes acima nos leva ao número três:

3. Sua filmografia é essencialmente pop

Tendo em mãos um material bem mais denso do que em ocasiões anteriores, o cineasta opta pelo didatismo. Sem evitar os termos próprios de Wall Street, o roteiro (co-escrito por Charles Randolph) opta por explicá-los através de recursos interativos: monólogos que quebram a quarta parede para esclarecer conceitos, analogias entre fundos e sorvetes, elucidações sobre o sistema que utilizam uma torre de blocos Jenga, entre outros. Em termos estruturais, o texto volta atrás, cria pausas e aborda suas coincidências e armações com muita naturalidade, reconhecendo a necessidade de tais truques para que tudo funcione.

O principal interesse de McKay é de tornar o assunto sexy ou, no mínimo, acessível

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O principal interesse de McKay é de tornar o assunto sexy ou, no mínimo, acessível. Conforme se aprende no caminhar da trama (e também durante os créditos finais), a linguagem do mercado é emburrecedora, e suas expressões complicadas convencem o cidadão comum de que é impossível entender aquilo, o que cria uma barreira quase intransponível — o embate entre homem e grande corporação é também uma das temáticas favoritas do cineasta. Por essa razão, o filme se vale de elementos de comunicação de massa para se debruçar sobre um universo que aparenta ser tão distante.

Visualmente, essa ideia se manifesta de algumas maneiras. A montagem rápida de Hank Corwin, alternada entre a trama central e o imaginário pop (videoclipes, cenas de noticiários, celebridades), cumpre a função de conferir dinamismo, assim como a câmera, que registra os diálogos de maneira semi-documental, usando lentes longas que observam os personagens à distância e se aproximam deles pelo zoom, como em um episódio de “The Office” (ou, já que estamos no ramo imobiliário, de “Modern Family”).

Big Short

4. McKay é um subversivo por natureza

Os aspectos ligados aos figurões de Wall Street (ternos feitos sob medida, carros luxuosos, um ideal muito particular de masculinidade) até ganham corpo no personagem de Gosling, mas seu poder de convencimento muitas vezes lembra mais um charlatão do que um grande executivo. Os demais membros do elenco são os desajustados, os caras com cortes de cabelo questionáveis, que são vistos frequentando a academia, mas não impressionam pelo porte físico. É graças a essa caracterização que essas criaturas ganham vida e se tornam mais do que peões em um jogo de impessoalidade. Elas são parte ativa do fracasso do sistema e de tudo o que ele representa.

Nesse sentido, surge o quinto motivo pelo qual diretor e filme estão destinados ao sucesso:

5. “A Grande Aposta” quer iniciar uma conversa

Não se trata de conscientizar o mundo da vilania do capital a partir de Hollywood, pois essa empreitada sequer parece possível, mas de ser capaz de extrair emoção e significado de números, desse universo em que algumas pessoas não importam e outras não se importam. Alguns dos pontos de maior impacto do filme — o quadro branco na sala de Burry, o celular durante a apresentação de Baum — se estabelecem assim: por meio de combinações de algarismos que dizem mais do que seu próprio valor. É essa a vitória final de McKay.

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