- Cultura 12.jun.2019
“Homens de Preto – Internacional” troca comédia pela ação e abraça lado pulp da franquia
Derivado assume viés descartável da série para processar todos os cacoetes do blockbuster hollywoodiano contemporâneo sem maiores problemas
⚠ AVISO: Este texto contém SPOILERS do filme.
No extenso hall de franquias que Hollywood vem produzindo e tentando emplacar nos últimos 20 anos, poucas carregam o ar de inexplicabilidade de “MIB: Homens de Preto”. Embora a adaptação dos quadrinhos homônimos de Lowell Cunningham e Sandy Carruthers pelas mãos de Barry Sonnenfeld tenha feito imenso sucesso em seu lançamento em 1997, a Sony e a Columbia Pictures nunca chegaram a ir além do fenômeno cultural da época, tendo desenvolvido uma franquia que fracassa constantemente no ato de se sustentar nos próprios pés. Mas o investimento não deixou de ser feito, e assim criou-se mais uma destas séries onde as sequências servem no fundo como exemplos banais do momento histórico em que foram concebidos dentro da indústria: enquanto o segundo seguiu os moldes tradicionais da empolgação inicial do circuito com novas marcas, o terceiro seguiu a primeira onda de tentativas dos estúdios em retomar antigos sucessos para impulsionar seus lucros.
Retomar esta linha de raciocínio mercadológica soa como um esforço inútil, mas ao mesmo tempo se faz essencial para entender as fundações e caminhos de “MIB: Homens de Preto – Internacional”, primeiro derivado desta franquia com agora mais de 20 anos de vida. Isso porque enquanto obra o filme a princípio parece subexistir única e exclusivamente neste esforço contínuo dos estúdios em ressuscitar de novo a marca “MIB”, agora dentro de um contexto onde as novas “leis” de mercado flexibilizaram as noções de “franquia” a um estado que permite a existência destas continuações “não oficiais” da história no braço principal de produção que é o cinema – uma ideia que a própria Sony vem experimentando a todo vapor para se recuperar e manter forte no cenário, como bem provam os novos “Jumanji”, “Caça-Fantasmas” e“Anjos da Lei” e até mesmo o “Venom” que funciona como um “spin-off” do Homem-Aranha do Marvel Studios.
Temos então neste novo “Homens de Preto” todos os cacoetes já vistos em outras revitalizações de sucesso dentro do panorama hollywoodiano recente. Da personificação do fã no universo (a Molly/agente M de Tessa Thompson) ao personagem masculino em crise com a masculinidade tóxica (o agente H de Chris Hemsworth), passando por itens como representatividade feminina (a piada recorrente do “women in black”) e a óbvia introdução da nostalgia, o roteiro da dupla Matt Holloway e Art Marcum é uma verdadeira salada de referências de mercado que parece estar sempre atrás de um norte para seguir, seja este qual for – o que não deixa de ser um problema de proposta em si.
Dado este cenário, não chega a ser difícil imaginar que a produção se porte como uma verdadeira bomba relógio em movimento, prestes a sucumbir perante a lista interminável de afazeres que parece ter de cumprir antes de se portar como filme. O resultado final, porém, passa longe do desastre e mantém-se mais ou menos unitário nas mãos de F. Gary Gray, que aqui efetivamente substitui o ritmo de comédia dos longas dirigidos por Sonnenfeld pela ação como motor maior da narrativa. É uma troca que na superfície soa um tanto fútil, é verdade, mas chega a ser fundamental para organizar a estrutura trêmula de um projeto como este, onde a indecisão da produção frente aos números fragiliza quaisquer intenções iniciais.
Além de colocar o diretor em terreno conhecido (e onde é bem mais competente), o mais importante nesta decisão é que a opção de Gray pela ação permite a “MIB Internacional” que se afaste da sátira e se reencontre enquanto obra de gênero rasteira, uma resolução que junto do seu caráter praticamente descartável e condizente aos derivados hollywoodianos atuais o faz abraçar com força as raízes pulp da franquia. É um alinhamento de astros quase acidental, mas muito favorável à produção e seu diretor, que não só reconhece esta tendência como a aproveita na única forma possível dentro da narrativa, abraçando-a como um jogo de cartas abertas cujo interesse mora no efeito das revelações ao invés das reviravoltas em si.
A opção de Gray pela ação permite a “MIB Internacional” que se reencontre enquanto obra de gênero rasteira
Esta abordagem obviamente não deixa de ter suas limitações, é bom ressaltar. Mesmo estando muito acima da reputação que há anos carrega dentro de Hollywood, Gray ainda não deixa de ser aqui uma mão de obra padronizada do circuito de estúdios e não é capaz de resolver todas as hesitações e falhas do texto de Holloway e Marcum, algo que fica mais claro na ausência de resolução de conflitos dos protagonistas – o arco de H, por exemplo, termina vazio dentro de suas questões de responsabilidade e trauma – e mesmo do vilão, que ocupa um clímax despido da pirotecnia necessária em produções deste nível de orçamento.
Mas enquanto isso frustra o filme de algumas batidas emocionais importantes (a revelação do T de Liam Neeson como ameaça final é das mais telegrafadas), o tom farsesco ajuda a alimentar alguns subtextos adormecidos ocasionais da narrativa. Isso inclui, claro, a menção ao Brexit, uma referência natural – dado a premissa de uma organização de fiscalização de imigração alienígena – que o roteiro inexplicavelmente ignora mas no fim se torna uma das principais ferramentas de Gray para alimentar o drama e dar sentido a toda estrutura geral, não apenas canalizando na descoberta de H a manipulação que se deu em cima de sua própria história recente – um momento forte graças em especial à inexistência de qualquer flashback na montagem – mas também para justificar a artificialidade (além dos pontos mais truncados do roteiro) de toda a investigação conduzida até ali.
São sacadas assim que ajudam este “MIB” a escapar da espiral tradicional das sequências da franquia e possuir um ritmo próprio, o que é em si um paradoxo no mínimo curioso. Se por anos a série fracassou em produções descartáveis, a solução para sua continuidade talvez esteja mesmo neste ato de assumir a própria futilidade e se comportar como produto B digno e de grande orçamento, pronto e contente com o próprio descarte. Há algo a se explorar neste contrassenso, pelo menos.