Maior rede de cinemas nos EUA, AMC bane filmes da Universal após sucesso de "Trolls 2" no streaming

Maior rede de cinemas nos EUA, AMC bane filmes da Universal após sucesso de “Trolls 2” no streaming

Declarações do CEO da Universal sobre possibilidade de lançamentos simultâneos nos cinemas e nas plataformas digitais são encaradas pela rede exibidora como mudanças "inaceitáveis" e "radicais"

por Pedro Strazza
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Hollywood (e a internet) foram impactados na manhã desta terça (29) com a notícia de que “Trolls 2” superou a barreira dos US$ 100 milhões nos Estados Unidos após ter adiantado seu lançamento no on demand do país devido ao prosseguimento da pandemia. Com uma receita em teoria já superior ao original, a continuação se mostrou um experimento tão bem sucedido à Universal Pictures que, ao Wall Street Journal, o CEO do estúdio Jeff Shell chegou a comentar que a companhia tinha a intenção de começar a distribuir seus projetos nos dois formatos – acenando assim para a possibilidade de um cenário no qual a companhia lançaria filmes simultaneamente no streaming e nas telonas.

O comentário soou superficial na hora, mas foi suficiente para causar a ira do circuito distribuidor estadunidense. Tanto que já na noite de ontem a rede de cinemas AMC Theaters divulgou um comunicado à imprensa declarando como banidos de suas salas os filmes da Universal. É um golpe pesado ao estúdio: a AMC hoje é a maior exibidora do país, contando com mais de 1000 complexos espalhados em sua maioria pelo território estadunidense.

O tom da companhia na divulgação da notícia só deixa mais evidente o nível do vespeiro que o estúdio resolveu mexer. Em carta dirigida à presidente da Universal, Donna Langley, o atual CEO da AMC Adam Aron define a mudança do modelo de negócios como “radical” e “inaceitável” e escreve que a decisão “representa nada além de prejuízo” para a exibidora. [A decisão] assume que nós vamos aceitar silenciosamente uma perspectiva remodelada de negócios sobre como estúdios e exibidores devem interagir, com zero preocupação da parte da Universal sobre como estas ações afetam a gente” comenta ainda Aron; “Isso também presume que os produtos da Universal podem ser lançados on demand e nos cinemas simultaneamente, sem modificações no atual acordo econômico entre nossas duas empresas”.

A ameaça foi forte o suficiente para fazer o estúdio responder horas depois o comunicado da distribuidora. “Nós absolutamente acreditamos na experiência cinematográfica e não fizemos qualquer declaração contrária sobre o tema” escreve a Universal por meio de um porta-voz sobre a carta da AMC; “Como dissemos anteriormente, mais para frente esperamos lançar nossos próximos filmes direto nos cinemas, assim como no formato premium VOD quando este formato de distribuição fizer sentido.”.

O conglomerado ainda comenta que deve realizar “conversas privadas adicionais” com os parceiros de distribuição, mas se diz “desapontada” com a AMC pelo que define como um “ataque coordenado para confundir nossa posição e ações”.

A AMC tem motivos para adotar esta posição arisca. Embora seja atualmente a maior rede dos EUA, a exibidora no início de abril virou notícia ao ver analistas de mercado definindo como “muito provável” as chances da companhia declarar falência ainda este ano devido à crise do coronavírus, que a forçou a encerrar atividades de todos os seus estabelecimentos para cooperar nas medidas de distanciamento social. Com a possibilidade de um dos principais estúdios decidir realizar parte de seus lançamentos em simultâneo com o VOD, fica ainda mais real o temor que este cenário pessimista se concretize, o que explica em parte a determinação da rede em recusar passivamente um acordo do tipo.

Em caso afirmativo do banimento, porém, a AMC tem uma vantagem distinta sobre a Universal no calendário de lançamentos, e é aí que as coisas complicam. Com “Velozes e Furiosos 9” remarcado para 2021, o próximo “Jurassic World” marcado para daqui um ano e o segundo “Minions” sem data de estreia devido a problemas na pós-produção, o estúdio este ano não conta com nenhuma grande estreia além de “007: Sem Tempo Para Morrer”, que a princípio chega ao circuito em novembro e em meio ao caos da reabertura prevista dos cinemas nos EUA – o que dá espaço de manobra para a AMC preencher um possível vácuo de agenda com outras produções de outros estúdios.

Há ainda a questão da própria Universal não ter definido exatamente o seu modelo de negócios neste cenário agora possível de estreias simultâneas no cinema e no streaming. Apesar do sucesso inegável de “Trolls 2” e todo o plano atual de disponibilizar seus últimos lançamentos no VOD enquanto a pandemia prossegue, o estúdio há poucos dias confirmou que faria um novo teste do tipo em junho com a comédia “The King of Staten Island”, de Judd Apatow, para definir se a fórmula de adiantar a estreia no streaming de fato gera resultados constantes ao estúdio ou se é um fenômeno pertencente a apenas alguns projetos. Além disso, o próprio “Trolls 2” continua inédito fora dos EUA – no Brasil, por exemplo, ele teve sua estreia remarcada para 8 de outubro, a tempo do Dia das Crianças.

Vale lembrar, porém, que além desta situação toda estar intrínseca à realidade estadunidense – ainda mais porque a presença da AMC é praticamente ligada ao país – ela não é inédita ao cenário de distribuição. Independente de como a indústria hollywoodiana vai reagir à notícia, o cabo de guerra entre a Universal e a AMC é a mesma enfrentada pela Netflix desde meados da década passada em todo o globo, incluindo aí o banimento de suas produções no Festival de Cannes, as dificuldades enfrentadas para lançar os oscarizados “O Irlandês” e “Roma” nas telonas e até as reações do circuito exibidor global às vitórias do longa de Alfonso Cuarón no prêmio da Academia.

Esta briga das telonas com as telinhas não é nova, e definitivamente deve continuar a acontecer no futuro próximo.

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